Sistema prisional tem que ser destruído, diz ex-juiz que vive há 19 anos ameaçado pelo tráfico

Aposentado, o juiz federal Odilon Oliveira ainda vive sob escolta por conta de ameaças

Sistema prisional tem que ser destruído, diz ex-juiz que vive há 19 anos ameaçado pelo tráfico

Eduardo Militão
Colaboração para o UOL, em Brasília
  • Aposentado, o juiz federal Odilon Oliveira ainda vive sob escolta por conta de ameaças
O juiz federal Odilon Oliveira, 68, viveu grande parte de sua carreira ameaçado por traficantes e criminosos. Lavrador até os 17 anos, foi promotor de Justiça antes de atuar em Ponta Porã (MS), na divisa com o Paraguai. Também foi corregedor do presídio federal de Campo Grande (MS). Vive sob escolta da Polícia Federal há 19 anos, depois de condenar uma série de traficantes. Mesmo aposentado, é acompanhado por três PFs - a Justiça determinou que, por motivos de segurança, ele ainda terá escolta por tempo indeterminado.
Negociando para ser candidato pelo PDT-MS para um cargo ainda indefinido, Oliveira tem uma fórmula para conter as rebeliões prisionais: estimular o empresariado a atuar na ressocialização dos detentos, dando vantagens a quem contratar presos em suas firmas.
"Se todo mundo vira as costas, [o bandido] vai fazer o quê? Vai roubar novamente, vai traficar, e assim por diante", afirma.
Para ele, o problema da violência no Rio de Janeiro passa pela contenção do tráfico de drogas nas fronteiras do país e há que se manter as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora). Ele é contra a legalização da maconha, como fez o Uruguai, porque entende que isso vai aumentar o consumo e ampliar o contrabando de drogas.
Seu último ato como juiz, antes de se aposentar, em outubro, foi ordenar a prisão preventiva do ex-ativista político italiano Cesare Battisti, condenado na Itália por assassinatos --ele nega os crimes.
Na entrevista a seguir, ele elogia magistrados que têm perfil "linha dura", como Sergio Moro e Marcelo Bretas, e diz que o Brasil "teve uma sorte danada" de contar com Moro na Operação Lava Jato.
UOL - O que o sr. acha que está acontecendo no Rio? Quais as causas e soluções?
Odilon Oliveira - Primeiro, tem que manter as UPPs [Unidades de Polícia Pacificadora]. O Rio é um problema crônico, só que a solução não está no Rio. No Rio, é paliativo: tem que ter ações sociais e o Estado tem que se fazer presente. O Estado está ausente há muito tempo. Mas a solução definitiva... a engrenagem da criminalidade são drogas e armas. Se você cortar suprimentos na fronteira, vai reduzir a criminalidade urbana em 30% em todo o território nacional. Droga e arma são responsáveis por quase metade da violência urbana do Brasil. E elas vêm da fronteira. 
O senhor é favorável às mudanças no regime prisionais?
O sistema prisional tem que ser destruído. Ele é a última fase que compõe o Estado repressor. Se ele não funcionar adequadamente, toda a luta do Estado repressor fica perdida. O sistema penal começa no Congresso Nacional, que faz as leis, depois passa pelas polícias, pelo Ministério Público, pelo Judiciário, aí vem o sistema penal. E atualmente não funciona. O sistema prisional está material e moralmente podre. Quem manda nas prisões estaduais é o crime organizado.
Ueslei Marcelino/Reuters
Caixões de presos mortos no Compaj, em Manaus
Como controlar rebeliões como as que ocorreram no início do ano no Norte e no Nordeste? 
Existem várias maneiras de se curar isso. Primeiro, a prevenção. As famílias brasileiras estão muito desamparadas pelo Estado. Tem que haver prevenção, o remédio fundamental, o saneamento básico, isso tem que haver. Para consertar as prisões, tem que ter estrutura que ofereça segurança. 
Nas prisões federais, não entra nada lá, absolutamente. Eu fui corregedor do presídio federal de Mato Grosso do Sul durante quatro anos. Ali não entra nada. Nas prisões estaduais, muitas vezes, infelizmente, a própria estrutura já facilita... ou dificulta a administração. Não tem como você evitar que entre: é muito difícil.
Outra coisa é que, nas prisões estaduais, você tem uma quantidade enorme de presos para poucos agentes penitenciários. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tem que ter uma média de 5 presos por agente. Tem prisão estadual com 50, 100 presos por agente. Isso não funciona. Não tem como demonstrar sua autoridade com escassez tamanha de funcionários.
Tem também que haver no sistema a profissionalização das pessoas. E você não profissionaliza sem a participação da classe empresarial, que é geradora de riqueza e de emprego. Tem que profissionalizar o preso. Suponhamos que o seu vizinho vá para a prisão. Você espera que, após os cinco anos de prisão, ele volte completamente recuperado, mas não acontece isso. Ele vai voltar completamente revoltado.
O sistema prisional está material e moralmente podre. Quem manda nas prisões estaduais é o crime organizado
Odilon Oliveira, ex-juiz federal
O que o sr. acha sobre empresas contratarem detentos?
A lei diz o seguinte: é facultado à classe empresarial ou a quem quer que seja atuar na recuperação e na ressocialização de presos. Só faculta. Como há uma discriminação muito grande da sociedade em relação a detentos, principalmente por tráfico, essa norma vira lei morta. Tem que haver uma imposição. Você, empresário, vai recuperar tantos presos, você vai dar emprego a tantos... Profissionaliza e recupera. E você vai ter o que em troca? Um incentivo fiscal. É você, empresário, não pagar de acordo com o que você recebeu ou, em relação a todas as pessoas que você empregou, recuperou e profissionalizou, você não vai pagar a contribuição patronal. Vai pagar a contribuição previdenciária só do empregado.
"Mas isso é pouco", podem dizer. Você vai fazer o seguinte: quando precisar de um empréstimo, sua empresa vai ter o empréstimo de um banco público. Em vez de você pagar 10% de juros, vai pagar 2%. Tem que ter esse incentivo para obrigar as empresas. Senão, você não profissionaliza. O Brasil tem quase 700 mil presos precisando de profissionalização. E voltam piores. Aí acontece a reincidência, porque o sujeito tem o direito natural de viver. Se todo mundo vira as costas, vai fazer o quê? Vai roubar novamente, vai traficar, e assim por diante. Tem muitas soluções viáveis ao sistema prisional.
O senhor fala de contratação de presidiários ou ex-presidiários?
Dos dois. As empresas atuariam na profissionalização. Não tem como profissionalizar sem a participação das empresas. Enquanto está cumprindo pena, precisa profissionalizar por meio de Senai, Senac e essas coisas. [Hoje] Fica só na teoria. Tem os cursos profissionalizantes e tal. Mas é tudo na teoria.
Uruguai descriminalizou a maconha e hoje a vende em farmácias. Essa solução serviria?
É uma loucura que não leva a nada. Já conversei com muitos viciados em outras drogas e é verdade o que dizem os psiquiatras. A maconha pode ser uma porta de entrada para outras drogas. E o governo do Uruguai recolhe imposto sobre isso. Isso é moralmente reprovável porque vou recolher impostos sobre a dor alheia. A maconha vai matando a pessoa aos poucos, destruindo o cérebro dela. A quantidade de impostos que vai se recolher não vai dar para cobrir o que o SUS [Sistema Único de Saúde] vai gastar com aquele doente. Existe uma estimativa de que, sendo liberado o uso, haveria um aumento de quatro vezes. [Em Portugal, que legalizou as drogas em 2001, o consumo de maconha subiu de 7,6% para 11,7%; e o de cocaína, de 0,7% para 1,3%, segundo pesquisa feita em 2013 pela Associação Brasileira de Estudos sobre Álcool e outras Drogas.]
Liberar o comércio não reduziria o tráfico e a violência?
Não. Se liberar, vai aumentar o tráfico. É o contrário. Por quê? Vamos supor que a partir de hoje traficar drogas não seja mais crime, certo? Todo mundo vai traficar muito mais, em grande quantidade. Não vai ser crime [de tráfico], mas vai ter contrabando, igual aos cigarros. Com a maconha, a mesma coisa. Isso não acaba, só aumenta. Em vez de eu pagar imposto sobre a maconha que vou importar, vou trazer clandestinamente.
O governo do Uruguai recolhe imposto sobre isso [a venda de maconha]. Isso é moralmente reprovável porque vou recolher impostos sobre a dor alheia
Odilon Oliveira, ex-juiz federal
Silvia Izquierdo/AP
Mandar prender o italiano Cesare Battisti foi o último ato como juiz de Odilon Oliveira
O senhor mandou prender Cesare Battisti. Defende a extradição dele?
Se o Comitê Nacional de Refugiados (Conare) levar a sério o que ele praticou, a extradição dele, o cancelamento do refúgio dele é certo. Ele estava se ausentando do país sem autorização do governo brasileiro e a lei é muito clara. É motivo de cassação imediata. Segundo, ele ofendeu a ordem pública porque estava se ausentando com dinheiro além do limite legal, que é de R$ 10 mil. Tem dois motivos contra ele para cassação imediata de seu refúgio. Cassando o refúgio, será imediatamente extraditado, porque existe decisão do Supremo [Tribunal Federal] em vigor.
O que ele praticou justifica a decisão do Conare?
Completamente. A lei que trata dos refugiados relaciona esses dois motivos como causa de cancelamento. 
Foi sua última decisão antes de se aposentar?
Minha última assinatura foi essa. 
Como se sentiu?
A gente que trabalha como juiz [foi magistrado federal por 30 anos] não considera importante essa ou outra causa. Para a sociedade, logicamente, tem importância. Mas para o juiz é a mesma coisa.
Battisti deu entrevista dizendo que pode sair do Brasil a hora que ele quiser. Ele está certo?
Ele pode sair a hora que ele quiser. Se ele deixar o Brasil, vai perder a condição de refugiado. Ele pode renunciar [a essa condição]. Se ele sair do Brasil, está renunciando tacitamente e, aí, pode ser extraditado.
Qual conceito de família o senhor defende?
Eu não critico nenhum conceito. Respeito a todos. Agora, sou pessoa tradicional de princípios bíblicos. Então, em palestras, eu sempre defendo o conceito tradicional bíblico de família, pela família. Mas eu já falo logo: não estou aqui para reprovar este ou aquele perfil de família, cada pessoa vive como quer. 
Qual sua formação?
Sou católico.
Um eventual governo de Odilon Oliveira se basearia em princípios de conceito de família, de enfrentamento a drogas, de saúde e educação?
Não. Todos são administrados e são destinatários, igualmente, de proteção do Estado. Não pode haver discriminação de espécie nenhuma.
Theo Marques/Folhapress
Os juízes Marcelo Bretas (responsável pela Lava Jato no Rio) e Sergio Moro (em Curitiba) durante filme inspirado na força-tarefa
Nesses 30 anos, qual seu momento mais difícil no combate ao crime? Nunca teve medo?
Nesses 30 anos, nunca achei nada difícil. A gente de vez em quando ainda sente certo receio. O medo é igual à dor. Você tem que dar graças a Deus por sentir dor porque ela é anúncio de alguma coisa. O medo também anuncia alguma coisa. O que você tem que fazer é saber administrar o medo para que não se transforme em pavor, mas se transforme em receio, apenas isso.
O CNJ lhe concedeu escolta por tempo indeterminado. O senhor já disse que sua mulher não gosta da escolta. O senhor pretende continuar com ela?
A pretensão é ficar sem. Ninguém gosta de escolta, é a pior coisa na vida, porque você elimina sua vida. Sou casado há 42 anos, e vivo com alojamento de policiais dentro de casa há 19, metade da minha vida conjugal. Isso complica. O bom mesmo é sem escolta, porque aí você tem liberdade. Hoje você sacrifica sua liberdade. Os policiais sempre foram extremamente profissionais. Há um revezamento constante a cada 60 dias. Não dá para você fazer [amizade]. Às vezes, o pessoal vai embora e você não soube nem o nome. 
Como é a rotina? Eles tomam café junto com o senhor, ficam na porta?
Não. Os agentes têm o alojamento deles. Minha casa tem três pavimentos. Ficam lá embaixo. Eles têm autonomia deles, fazem o revezamento para almoço, telefonam e pedem almoço. Não tenho ligação nenhuma. Eles acompanham toda a movimentação da rua com câmeras e tal... há uma harmonia bem cordial no relacionamento profissional. Minha mulher se acostumou. Constrange muito, constrange bastante, mas a gente vai tocando.
O senhor defende uma força-tarefa como a da Lava Jato para crimes organizados como tráfico, contrabando e homicídio?
O Brasil tem que se apegar a qualquer tábua de salvação porque está no meio do mar, bem perdido com relação à criminalidade. As batalhas estão sendo vencidas pelo crime organizado. O Brasil tem que se cuidar para não ter uma guerra final. O Brasil trata o crime organizado com descaso muito grande, teria que se interessar mais.
A colaboração premiada pode ser usada para contrabando, tráfico, homicídio? 
A colaboração premiada é fundamental. Não é só o Brasil que usa. Para tudo, tráfico, contrabando, lavagem, como diz a Convenção de Palermo [realizada pela ONU na Itália em 2000]. Em determinados casos de homicídio, como os praticados por grupos de extermínio, tem que ter a colaboração, ou você pode não conseguir nada. O sucesso da Lava Jato é devido à disposição de Polícia Federal, Ministério Público e polícia, esse meio especial de investigação, que é a colaboração premiada, e outros que foram adotados.
Qual sua visão sobre magistrados como Sergio Moro, em Curitiba, Marcelo Bretas, no Rio, Alderico Rocha, em Goiânia, Hélder Girão, em Boa Vista, e Fausto de Sanctis, em São Paulo, que acabaram se expondo?
Conheço todos pessoalmente, principalmente o Sergio Moro. Todos têm uma formação ética e moral muito boa e são muito competentes. O Moro por exemplo conhece a doutrina e a jurisprudência americana quase tanto quanto conhece a brasileira. É muito preparado. O Brasil teve uma sorte danada de ter essa Lava Jato nas mãos dessas pessoas. A Lava Jato está produzindo um efeito muito grande, material e pedagógico. O Fausto de Sanctis [ex-juiz da Operação Satiagraha e desembargador que recentemente foi transferido para uma turma criminal do TRF-3] é um juiz desse nível. Sempre foi muito qualificado. Atuou no combate à corrupção. É um juiz muito duro mesmo.
O senhor será candidato a governador em 2018? 
Vou ser candidato a governador ou ao Senado. Pelo PDT provavelmente, já está quase acertado.
O que falta para o senhor decidir se sai para Senado ou governo?
Tratativas finais. Eu tenho que escutar a sociedade. Não pode ser uma decisão individual.

copiado https://noticias.uol.com.br

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