Desafios do Brasil: analistas apontam rumos para a segurança no novo governo Investimentos, policiamento nas fronteiras e sistema prisional são temas prioritários
A corrida pela
sucessão presidencial pontuou temas relevantes no setor de segurança
pública no país, que devem representar novos desafios para o presidente
eleito pelos brasileiros nas urnas, no domingo (26). Analistas
entrevistados pelo Jornal do Brasil apontam as questões que devem
ser prioritárias na próxima gestão e os investimentos e ações que,
muito provavelmente, assumirão a dianteira no planejamento estratégico
do governo federal.
Em 2010, a candidata eleita pelo Partido dos
Trabalhadores, Dilma Rousseff, concentrou as suas propostas para a área
de segurança com foco na continuidade do Programa Nacional de Segurança
Pública com Cidadania (Pronasci), criado durante o governo de Luiz
Inácio Lula da Silva, e nas políticas de aproximação, como as Unidades
de Polícia Pacificadora (UPPs) do Rio de Janeiro. O programa de governo
do PT destacava na época o enfrentamento ao crime organizado, a
implementação de projetos sociais com foco no jovem e apostava nas ações
conjuntas com os Estados e municípios, integrando as polícias em um
novo modelo de policiamento, assim como investimentos em alta
tecnologia, ações mais intensivas da Polícia Federal nas fronteiras para
inibir a entrada de drogas e uma radical mudança no sistema
penitenciário.
Especialistas elogiam avanços alcançados nos
últimos anos e metas cumpridas pelo governo, mas alertam também para
problemas crônicos, como os índices de assassinatos, que representam um
desafio a ser solucionado pelo próximo gestor, em caráter emergencial.
O
ex-secretário Nacional de Segurança Pública e professor do Centro de
Altos Estudos de Segurança da Polícia Militar, coronel José Vicente da
Silva Filho, considera que o primeiro passo do presidente eleito deve
ser colocar como prioridade o setor de Segurança Nacional. E justifica a
medida a partir dos dados apresentados nas campanhas eleitorais, que
segundo ele não são tão alarmantes quanto a realidade. Nas estatísticas
apresentadas pelo coronel, no ano de 2012 o país bateu recorde nos
índices de assassinatos em relação os últimos 32 anos. O custo com o
setor alcançou em 2011 5% do PIB (Produto Interno Bruto) anual, o que
representa R$ 207,2 bilhões. A contabilidade nacional é considerada pelo
oficial como "algo monumental", tanto financeiramente quanto no
sofrimento da população, colocando o país na liderança das nações mais
violentas do planeta. Especialista defendem investimentos no sistema penitenciário e capacitação dos agentesO
número de assaltos compõe mais uma estatística preocupante e que merece
total atenção. Silva Filho lembra que em 2012, foram 78 mil pessoas
vítimas deste tipo de crime, o que totaliza 6,6% assaltos por ano. Um
segundo ponto importante para o governo federal considerar emergencial é
a identificação das regiões mais violentas do pais, para que um
conjunto de medidas personalizadas sejam colocadas em prática, visando
amenizar os índices de violência. O especialista cita Maceió, Fortaleza e
Salvador na liderança do ranking, em escala mundial.
Um caminho
indicado pelo analista seria a parceria entre os governos federal e
estadual para investimentos em alta tecnologia, especialmente em insumos
para modernizar as perícias técnicas e os critérios de investigação,
além do patrulhamento ostensivo. Silva Filho citou o exemplo do Centro
Integrado de Inteligência no Recife, Cuiabá e Belém como alternativas
que renderam bons resultados e podem ser estendidos para os outros
estados. Segundo o coronel, o governo pode assim racionalizar os
recursos, através de um banco de dados eficiente e um serviço de
inteligencia eficiente, o que se reverte em enxugamento e previne
desperdícios, que às vezes fica abafado em compras excessivas de
viaturas.
O desenvolvimento e estímulo a programas direcionados
aos jovens devem nortear as ações governamentais, na visão
do especialista. O coronel ressalta que de 20% a 25% dos crimes
cometidos em território nacional são praticados por jovens. Ainda na
seara da criminalidade, ele considera que o presidente que assume em
janeiro deve promover uma revisão na legislação, com a finalidade de
reduzir a impunidade no país. Silva Filho defende a modernização dos
instrumentos jurídicos como forma de acelerar os processos relacionados a
crimes hediondos, com penas mais rígidas.
Na relação de mudanças
necessárias para os próximos anos apresentada pelo analista, o
policiamento nas fronteiras é um aspecto relevante. Para o oficial, a
atual estratégia nacional de controle não é eficiente, com poucos
recursos aplicados para inibir o tráfico internacional, repassando,
em alguns casos, a responsabilidade para os estados que ficam na divisa.
Silva Filho usa o estado de Mato Grosso como exemplo, que não tem
condições de desviar os seus recursos para questão que dizem respeito à
federação. "Fronteira é um problema do governo federal, tem que ser
tratado com as Força Armadas e financiamento direcionado e não com verba
estadual", ressalta o especialista.
Silva Filho relaciona
outro aspecto que ele considera fundamental para a segurança nacional.
Para o oficial, as condições do sistema prisional precisam ser revistas
com muita urgência. Contabilizando uma média de 500 mil presos e pouco
investimento, o militar considera que em um ano, os presídios são
responsáveis por um número de assassinato e tortura maior que em 20 anos
de governo militar. De acordo com os cálculos do especialista, o
governo federal deve investir de R$ 15 a R$ 17 bilhões em novas vagas.
Uma saída viável para captar esse valor seria pela iniciativa privada,
como acontece na Inglaterra e no Chile, por exemplo.
As
demandas ostentadas pelo especialista representam, na sua visão, as
mais críticas no setor, atualmente. Para desenvolver as políticas
públicas necessárias para aplicá-las com sucesso, Silva Filho aposta em
um ministério específico para a área. "É um setor que exige as
articulações na medida certa, requer muito investimento. Por isso,
precisa de um gerenciamento próprio", esclarece. Para o militar, o
Brasil é um país ímpar nos índices de criminalidade, sempre liderando o
ranking mundial. Para reverter esse quadro desanimador, ele acredita que
o governo federal deveria mudar o seu modelo operacional, buscando como
inspiração outros países que alcançaram bons resultados e mudaram as
suas realidades.
Silva Filho acredita em um modelo de uma polícia
única, pela progressão institucional, assim como atua a força policial
em Nova Iorque e na Alemanha. Nesses locais, o contingente é uniforme,
concentrando também a investigação. Um dado importante nestes casos é a
redução nos custos operacionais e a eficiência nos resultados. Desburocratização como solução
Esse
mesmo modelo é elogiado por outro especialista no assunto, o agente
federal Jones Leal, presidente da Federação dos Policiais Federais
(Fenapef). A categoria se colocou contra a Medida Provisória 657/2014,
encaminhada recentemente pelo governo, por entender que abre
prerrogativas políticas para o cargo de delegado, promovendo-o em uma
espécie de "policial-juiz", passando a concentrar maior autoridade e
frustrando a perspectiva profissional dos demais cargos na
corporação. Leal defende o modelo da meritocracia e a criação de um
plano de carreira. "Tem que acabar com esse processo que acontece nas
polícias através dos concursos. Qualquer pessoa pode prestar exame e se
tornar um delegado civil ou federal e vai comandar equipes com mais de
30 anos de carreira. Isso é um absurdo", considera o agente.
Para
o Leal, o próximo governante deve se pautar a partir de uma comparação
entre a segurança nacional com países de primeiro mundo ou se inspirar
naqueles que conseguiram, efetivamente, uma resolução eficiente dos
crimes. Leal considera que o modelo administrativo brasileiro apoiado no
inquérito policial é ultrapassado e já superado nas nações
desenvolvidas. "Nesses países não existe a figura do delegado, mas
daquele policial que foi capacitado a nível de gestor", destaca. Política de aproximação avançou no governo do PT, com o modelo de UPPs no RJ"A
polícia tem que fazer o seu trabalho e encaminhar os casos para o
Judiciário, para que este cumpra a sua atribuição de forma correta, sem a
interferência de qualquer pseudo delegado-juiz", acrescenta. Segundo
ele, a proposta de expandir a atribuição do delegado para a esfera
jurídica terá como resultado o afastamento do crime da sua resolução,
além da burocratização do processo criminal. "Será um desafio do futuro
presidente fazer essa mudança", considera.
Leal se baseia nos
dados oficiais acerca da violência no Brasil para analisar as medidas
emergenciais que devem ser adotadas pelo novo presidente. O especialista
compara os índices de esclarecimento dos delitos com o modelo
brasileiro, apontado nas estatísticas entre 4% a 8%, com os números de
países vizinhos que utilizam outros modelos de administração policial,
como o Chile, que tem nível de solução dos crimes entre 80% a 90%. "Lá
[no Chile] não existe a figura do delegado. O policial responsável pela
ocorrência faz o levantamento das provas e encaminha para o Ministério
Público, que dá continuidade a investigação", explica.
A
desburocratização é o fator mais relevante no processo de investigação e
resolução de um delito, segundo o agente federal. "Quando a Polícia
Militar é chamada para um local de ocorrência, por exemplo, tem que
fazer um boletim, comunicar a Polícia Civil, que por sua vez vai fazer a
perícia, e todos vão para a delegacia. Enquanto isso, o criminoso está
livre para destruir provas e usar o tempo a seu favor", ressalta Leal.
"Se
quisermos ter uma polícia de primeiro mundo e não sermos comparados com
o México, que lidera no mundo os índices de criminalidade, teremos que
promover as mudanças necessárias", defende, considerando a tarefa árdua e
muito difícil. Para o país comemorar as estatísticas positivas na
segurança pública, Leal sugere a formação de uma equipe governamental
capacitada, que tenha nos resultados e estudos internacionais um
caminhos seguro para mudar a realidade brasileira. "O presidente eleito
deve priorizar a formação de uma equipe de estudiosos no setor,
especialistas que pensem nos interesses da sociedade, para construir um
excelente trabalho para o futuro e prevenir os índices registrados no
México". Taxa de homicídio representa maior preocupação
Compartilhando
do mesmo pensamento apresentado por Silva Filho em relação aos índices
de criminalidade no país, o pesquisador no Núcleo de Estudos da
Violência da Universidade de São Paulo (USP), Bruno Paes Manso, acredita
que o principal desafio que o presidente eleito deve encontrar será a
redução das estatísticas de homicídio nos estados, que atualmente atinge
56 mil casos por ano. Manso avalia que os estados brasileiros já
demonstraram a capacidade de reduzir os números da violência em curto
prazo, mediante políticas de segurança eficientes. Um sinal de que esta
teoria funciona é a variação dos índices de região para região.
Atualmente, os números apresentaram queda em São Paulo e no Rio de
Janeiro, mas cresceram no nordeste, mantendo o país no topo da
classificação mundial de violência.
"O novo presidente deve ter
como meta a criação das políticas públicas voltadas para a solução desta
questão prioritária. Isso é até um dever moral do governo", destacou
Manso. Nos últimos 30 anos, na visão do analista, o Brasil não fez o seu
dever de casa no setor, assumindo apenas um papel de coadjuvante na
busca dos avanços na segurança nacional. Manso ressalta que esta postura
tem que mudar, especialmente a prática de transferir para as contas dos
estados as responsabilidades federais na área de segurança. "A
federação só aparece nos momentos críticos, como salvador da pátria, o
ator que manda o helicóptero para fazer os encaminhamentos para
presídios federais. Essa postura tem que mudar, o governo tem que
assumir o seu papel de protagonista também neste setor", destacou o
especialista da USP.
O professor da Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUC-RS) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, Rodrigo Ghiringhelli Azevedo, conceitua que a redução da taxa
de homicídio nos estados é fundamental para melhorar a imagem do país no
exterior e uma política nesta linha deve ser implementada pela nova
gestão. Assim como o governo do PT conseguiu retirar a nação brasileira
do mapa da fome, o mesmo deve acontecer com os indicadores da violência,
segundo a opinião do analista. Homicídios
contra crianças de 0 a 9 anos a cada 100 mil habitantes: vermelho para
homens e amarelo para mulheres. No ranking mundial da violência
divulgado pelo Unicef, Brasil é um dos líderesPapel da União deve ser melhor definido
Avaliando
de uma forma ampla o cenário da segurança nacional na tentativa de
prever possíveis medidas do presidente eleito, Rodrigo Ghiringhelli
Azevedo acredita que a definição do papel da União no setor é a questão
transcendental na atualidade. O especialista ressalta que, desde o
segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso houve uma
ampliação da atuação do governo federal na área, com a implantação do
Fundo Nacional de Segurança Pública. Porém, não foi criada nenhuma
regulamentação para amparar os investimentos. Com isso, Azevedo destaca
que pode acontecer articulações entre federação, estados e municípios
"no sabor da conveniência".
Azevedo afirma que há necessidade de
uma emenda constitucional para regularizar essa relação entre os entes
federativos, que possa atribuir à União um papel mais decisivo, uma vez
que a sua atuação tem sido mais periférica nos últimos anos. "Esse
quadro provoca um entrave na área de segurança nacional, que deve ser
resolvido de forma prioritária", destaca.
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