Informação sem jornalistas. O triunfo dos sites virais
Abrindo com fotos instigantes como a que reproduzimos na capa de Oásis 191, o site Upworthy é o maior fenômeno da rede nos últimos tempos. Simples vitrina de conteúdos publicados em outros locais, ele bate todos os recordes de audiência e faz escola em todo o mundo. Um sucesso baseado principalmente nas redes sociais.Por: Serena Danna. Fonte: Jornal Corriere della Sera, Milão.
Numa sala abarrotada de gente no Highline Stage, o edifício onde anualmente se realiza a semana das mídias sociais em Nova York, Eli Pariser explica os resultados e estratégias do site Upworthy. Este militante da Internet – conhecido por seu livro muito esclarecedor a respeito dos algorritmos do Google, (Filter Buble, Ed. Penguin, 2011) lançou essa plataforma em março de 2012 em associação com o ex-diretor do jornal satírico norte-americano The Onion, Peter Koechley.
Se há pouco centenas de jornalistas, atores e estrategistas da Web compareceram a essa reunião, é porque existe uma razão: o Upworthy é o site com crescimento mais rápido da história da Internet. Em novembro do ano passado já atingira 87 milhões de visitantes únicos, quase três vezes mais que o The New York Times, e gerara 17 milhões de compartilhamentos no Facebook, publicando apenas 225 artigos. Para se ter uma ideia do que isso significa, um site como o Yahoo! publica em um mês 115 mil artigos nas redes sociais e gera menos de quatro milhões de interações. Aos investidores iniciais, entre os quais se conta Chris Hughes, cofundador do Facebook e hoje diretor da publicação The New Republic, juntaram-se recentemente Bill e Melissa Gates, cuja fundação financia uma seção dedicada à luta contra a pobreza.
Quando os leitores são cobaias
Para Eli Pariser, o principal objetivo do Upworthy é “ajudar as pessoas a encontrar conteúdos sérios porem divertidos, como, por exemplo, o vídeo de um idiota tentando fingir que faz surf no seu terraço”. A equipe do site (que não inclui nenhum jornalista) procura na Internet conteúdos que ela julgue interessantes, atribui-lhes 16 títulos diferentes (utilizando técnicas baseadas no Big Data) que submete a um grupo reduzido de leitores para saber qual funciona melhor, e depois lança-os nas redes sociais.
O primeiro pico de audiência apareceu graças a um vídeo do atual Presidente da Irlanda, Michael D. Higgins, que em 2010, quando ainda não era chefe de Estado, havia criticado um célebre animador de rádio americano desfavorável à reforma do sistema de saúde de Obama. Upworthy republicou-o dois anos mais tarde sob o título “Um militante do Tea Party decidiu discutir com o Presidente de um país estrangeiro. Antes não o fizesse”- e nesse dia, o site atraiu um milhão de visitantes.
“Devemos saciar a sede de curiosidade dos leitores”, estima Eli Pariser. “Para conseguir isso, mais vale ter poucos conteúdos de boa qualidade do que bombardear o público com milhares de artigos chatos e de má qualidade”.
Os títulos do Upworthy têm todos a mesma estrutura: duas curtas frases do gênero: “Nós não ouvimos suficientemente a voz dos nativos americanos. Eis a edificante mensagem de um deles”. O modelo é tão reconhecível que já gerou descendência (Distractify, ViralNova) e foi objeto de paródias na Web. “Agora que a informação nada nas mesmas águas que a estrela da telerrealidade Kim Kardashian”, explica Eli Pariser, “é preciso fazer a diferença. Para nós, isso significa levar as pessoas a se interessarem por temas importantes”.
A importância da viralidade
Entre os temas recorrentes do site Upworthy encontram-se o aquecimento global, a luta contra as doenças e o trabalho infantil. A história mais compartilhada em 2013 diz respeito a Zach Sobiech, um cantor americano que morreu de câncer aos 18 anos. Traduzido, o título ficaria assim: “Este rapaz extraordinário morreu. O que ele deixa para trás é maravilhoso”. Um dia após a publicação do vídeo, Sobiech era o artista mais descarregado no iTunes e o fundo para a investigação do câncer em seu nome recolheu centenas de milhares de dólares.
Segundo Eli Pariser, todo artigo que tenha uma vertente humana é interessante: “Se ninguém lê um artigo sobre o Afeganistão, isso não significa que o Afeganistão não ‘venda’, mas sim que o artigo está mal escrito, mal titulado ou mal apresentado”.
Ultimamente, tem-se falado muito dos artigos sobre a crise ucraniana ou a crise no Médio Oriente publicados pelo BuzzFeed e pelo site The Huffington Post, que atingiram uma audiência equivalente à das notícias sobre astros da televisão ou as fofocas sobre celebridades - o gênero de notícia mais lido no Ocidente. Esses artigos são todos apresentados da mesma maneira: fotografia, título sensacionalista, texto simples e eficaz desenvolvido em vários pontos. Emily Bell, professora da Escola de Jornalismo da Universidade de Colúmbia, pergunta se “propor técnicas habitualmente utilizadas para mostrar fotos de cavalos parecidos com celebridades da televisão para explicar questões complexas de geopolítica” será “demasiado trivial”, ou se, pelo contrário, é um meio de adaptar o mundo contemporâneo aos modelos de consumo do público jovem.
Se esta questão continua em aberto, o que doravante parece evidente, é o papel fundamental desempenhado pela viralidade no domínio da informação. Sítios como o Upworthy ou o BuzzFeed – uma vitrina de vídeos de gatinhos fofos que se tornou um modelo controvertido de jornalismo – colonizam cada vez mais a informação na Internet, a ponto de os títulos tradicionais mais respeitados cederem frequentemente à tentação das listas, publicando matérias como os 20 jogadores de futebol mais bem pagos do mundo.
Uma informação baseada no compartilhamento pelos leitores deve visar a viralidade. “Antes da Internet, os artigos tornavam-se populares quando eram retomados pelos outros jornais e citados em publicações sérias”, escreve a blogger e autora de numerosos artigos sobre as consequências culturais das novas tecnologias, Annalee Newitz, no site io9. “Hoje em dia, esses textos tornam-se populares se as pessoas os compartilharem no Facebook, no Twitter, no Pinterest ou no Reddit. Cada vez menos pessoas leem uma história se esta não tiver sido publicada na rede por alguém”.
Sem obrigação de refletir
Sempre segundo Annalee Newitz, não são somente os memes de Internet (unidades de informação que se compartilham na Web, muitas vezes devido à sua dimensão humorística) que se tornam virais, mas “todos os assuntos que contenham alguma verdade certa ou útil e que não obriguem a refletir”. Assim, a fotografia de um gatinho que se estende ao sol partilha uma característica fundamental com um vídeo de apresentação de um iPhone 5 ou um inquérito sobre a NASA: “Não são documentos abertos à interpretação”, acrescenta a blogger. “Ajudam a esclarecer, tal como o faziam as previsões de Nate Silver ( o blogger estatístico do New York Times) durante as eleições norte-americanas”. Em suma, para se tornar viral, é preciso evitar-se a ambiguidade.
Dependência das redes sociais
Jonah Berger, autor de Contagious, um ensaio sobre a viralidade (Ed. Simon & Schuster, 2013), vai mais longe e identifica seis princípios que tornam os conteúdos virais: o valor social, a facilidade de memorização, a ressonância emotiva, a “observalidade” (o fato de se tratar de um tema evidente aos olhos de todos), a utilidade e o estilo narrativo.
Utilizar o compartilhamento como principal critério para avaliar a força de um produto coloca dois problemas. O primeiro diz respeito aos investimentos publicitários: o tráfego ligado aos conteúdos virais não tem público de referência. “Um dia é um vídeo sobre adoráveis bichinhos que atrai as mulheres de meia-idade, no dia seguinte será a galeria de fotos de alguma celebridade nua que atrairá os adolescentes. Em que medida pode um site construir uma relação profunda e sólida com as marcas se o seu público não tem consistência?”, interroga Bryan Goldberg no site PandoDaily que analisa as novas tecnologias e as start-ups.
O outro problema pode se resumir assim: dado que o trampolim viral por excelência são as redes sociais, os sites deste gênero dependem totalmente delas. Quando o Facebook mudou o algorritmo que gera o seu fio de atualidade (os conteúdos que aparecem na nossa página principal e cuja visibilidade depende do número de vezes que são compartilhados pelos nossos amigos), afirmando querer privilegiar os conteúdos de qualidade em detrimento das fotografias “contagiosas”, muitos sítios registraram uma diminuição no compartilhamento dos seus conteúdos.
Mas os novos parâmetros utilizados por Mark Zuckerberg, o presidente e diretor-geral do Facebook, para estabilizar a hierarquia dos artigos sobre o fio de atualidade não são claras. E é difícil na sua decisão a vontade de brincar de deus ex-maquina do compartilhamento nas redes.
Copiado http://www1.folha.uol.com.br/
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