É HORA DE DECLARAR GUERRA AOS FILMES DE HOLLYWOOD QUE EXALTAM MODELOS ULTRAPASSADOS DE MASCULINIDADE

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É HORA DE DECLARAR GUERRA AOS FILMES DE HOLLYWOOD QUE EXALTAM MODELOS ULTRAPASSADOS DE MASCULINIDADE


A REVISTA The Hollywood Reporter publicou uma matéria surpreendente no começo de janeiro, mostrando que os estúdios de cinema estão evitando filmes sobre sexo. Uma cinebiografia de Hugh Hefner está parada, um filme de James Franco sobre uma prostituta russa de 15 anos foi por ora abandonado, e um remake de “Nasce uma Estrela” também está sendo reavaliado.
“À medida que Hollywood começa a tomar pé da situação após o movimento #MeToo, o erotismo tem sido uma das primeiras baixas das telonas. Na esteira do escândalo de Harvey Weinsten, os estúdios querem passar longe do sexo”, escreveu Tatiana Siegel. Já Alyssa Rosenberg, em artigo no Washington Post, espera que os envergonhados executivos de Hollywood estejam reconhecendo “o fim de uma forma muito restrita de pensar o sensual”. No lugar de filmes que objetificam mulheres, ela sugere mais filmes que retratem o sexo e a sexualidade de forma inteligente.
Já passou da hora de esse movimento acontecer. E ele pode contemplar também um outro gênero cinematográfico que distorce o comportamento dos homens: os filmes de guerra. Hollywood já se mostrou capaz de produzir excelentes obras (basta pensar em “Três Reis”, “Glória Feita de Sangue”, e “Os Melhores Anos de Nossas Vidas”), mas a maior parte é bem problemática. Muitos dos principais filmes de guerra do período pós-11 de setembro não apenas retratam a violência de uma forma muitas vezes gratuita e, algumas vezes, racista. Eles também esboçam clichês de masculinidade que variam de simplistas a monstruosos.
É o caso, por exemplo, da reencarnação de Rambo e John Wayne no mais recente blockbuster de guerra, “12 Heróis”, produzido por Jerry Bruckheimer, que também esteve por trás de “Falcão Negro em Perigo”. “12 Heróis” é um filme extravagante sobre uma equipe das Forças Especiais do Exército dos EUA que lutou contra o Talibã no Afeganistão no período imediatamente posterior ao 11 de setembro. Numa das cenas mais importantes do filme, o líder dos Boinas Verdes [como os soldados das Forças Especiais são conhecidos], representado por Chris Hemsworth (o galã insuportavelmente lindo da franquia “Thor”), dizima um enxame de soldados do Talibã com seu rifle flamejante enquanto galopa em seu destemido corcel (sim, ele está montado a cavalo). Da mesma forma que a arma de Hemsworth faz ra-ta-tá e os vilões caem como dominós baleados, a cena vai ticando um clichê hollywoodiano atrás do outro: o pistoleiro casca grossa, o guerreiro de farda camuflada, o bem contra o mal, o moderno sobre o profano, o homem em todo seu esplendor.
Sempre que escrevo sobre o impacto dos filmes de guerra sobre o mundo real — já me insurgi contra “Sniper Americano“, “A Hora Mais Escura” e “13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi” — recebo respostas como “Relaxa, são só filmes, não leve tão a sério, eles não fazem mal nenhum”. E é aí que se torna necessário dizer que filmes podem criar ou reforçar narrativas de história e de gênero que influenciam o que as pessoas pensam e como agem. Meninos e homens desenvolvem sua noção de masculinidade a partir de uma série de fontes que incluem os filmes que assistem (obviamente, é possível discutir até que ponto isso é verdade). Chegou a hora de Hollywood se afastar dos filmes de guerra que, embora sejam gratificantes para os cofres dos estúdios e para um conceito de patriotismo com bandeirinhas tremulantes, perpetuam um modelo de masculinidade que nos agride a todos.
Não me entendam mal, soldados costumam praticar atos de coragem e merecem crédito por cada um deles. Já cobri guerras no Afeganistão, no Iraque, na Somália e na Bósnia, já presenciei o heroísmo de soldados de muitas nacionalidades, e também covardia e abuso. Essa não é a questão. O que importa é que estamos no fim da segunda década da nossa guerra perpétua, e os filmes de combate que povoam os nossos complexos de cinemas e as nossas mentes continuam a se dedicar a uma narrativa marcial de “homens-exterminadores” que deveria ter sido eliminada tempos atrás.
Embora “12 Heróis” seja comercializado como história real baseada em um livro de não ficção escrito por Doug Stanton, nada no livro de Stanton se aproxima da cena de clímax em que Hemsworth, montado a cavalo, corajosamente abre seu caminho a bala por um corredor polonês de talibãs em busca do paraíso. Há uma passagem no livro em que o soldado das Forças Especiais representado por Hemsworth anda a cavalo pelo cenário pós-batalha coberto de cadáveres, mas que se desenrola depois do calor da luta. Quando perguntei à equipe de relações públicas do filme a respeito dessa diferença, eles me enviaram a seguinte declaração de Stanton: “Essa cena é uma fusão de cenas de ataques a cavalo que a Aliança [afegã] do Norte conduziu contra o Talibã, e que os soldados [norte-americanos] a cavalo acompanharam e apoiaram. Mas, da forma como aparece no filme, a cena não consta do meu livro”.
Inventar é o que Hollywood faz de melhor, mas é difícil saber se é digna de riso ou de choro esse nível de invenção em um filme que pretende mostrar o heroísmo dos soldados dos EUA. A coragem que eles efetivamente tiveram aparentemente não foi suficiente para um encantador de filmes como Bruckheimer. Eles pediram cobertura aérea contra alvos do Talibã enquanto atravessavam a cavalo gélidas passagens de montanhas, recebendo tiros dos inimigos e se abrigando em cavernas antigas com guerrilheiros, sobrevivendo à base de castanhas e pão dormido? Como posso fazer um filme assim, alguém reescreva essa história! Nessa de reescrever o enredo, a coragem dos soldados afegãos, que cavalgaram atirando sob uma chuva de balas, foi transposta para os americanos (daí a imagem promocional de “12 Heróis”, que acompanha este artigo). É uma espécie de falsa bravura cinematográfica.
Mas não precisa ser assim. O melhor filme de guerra do ano passado, “Thank You for Your Service“, baseado no livro de não ficção escrito por David Finkel, se concentra nos problemas de um grupo de soldados que voltam para casa depois de um período de destacamento no Iraque. O filme só tem duas cenas de batalha, e ambas são insuportáveis de assistir, porque a violência é assustadora, não gloriosa — o oposto do divertido joguinho de tiro de Bruckheimer. Os homens em “Thank You for Your Service” sofrem de estresse pós-traumático e percebem aos poucos que o combate que dava sentido à sua permanência no Iraque causou danos a suas psiques. Ninguém nesse filme parece o Thor, ninguém age como o Thor, e o estilo de masculinidade à la John Wayne que esses homens podem ter tentado copiar é exposto como uma construção artificial e prejudicial.
Adivinha o que vou dizer agora.
Em três dias, “12 Heróis” arrecadou nas bilheterias quase o dobro do que “Thank Your for Your Service” conseguiu em três meses. E os mais de 15 milhões de dólares em ingressos vendidos para “12 Heróis” na primeira semana são ninharia perto da bilheteria de “Sniper Americano” — o filme machão sobre Chris Kyle, um sniper do Navy SEALs, a força especial da Marinha americana –, que arrecadou mais de 500 milhões de dólares desde 2014. De quem é a culpa pelo lixo de guerra lucrativo que Hollywood despeja nos nossos sábados à noite: os estúdios de cinema ou os espectadores que adoram consumir essa idiotice masculina?
Respondo com gosto a essa pergunta: ambos. Mas primeiro devemos colocar sob escrutínio o poder de produtores, diretores e atores, porque suas escolhas exercem muita influência. Não se trata simplesmente de escolher esquecer da vida por 90 minutos diante de uma tela, mas de investir grandes volumes de tempo e recursos para fazer filmes distorcidos sobre homens na guerra (quase nunca esses filmes são sobre mulheres). Sei que parece absurdo imaginar que esses cineastas (surpresa, quase todos homens) possam ser persuadidos a repensar o que fazem. A única coisa que poderia ser ainda mais delirante seria imaginar que a indústria do cinema pudesse deixar de fazer filmes que objetificam mulheres — o que, segundo a Hollywood Reporter, já estaria acontecendo.
É, então há esperança.
Tradução: Deborah Leão
copiado https://theintercept.com/

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