Um recado subversivo para a Querida Família
EX-pintor do regime hoje faz arte satírica sobre Coreia do Norte
O artista norte-coreano Song Byeok em frente a seus trabalhos: arte satírica sobre Coreia do Norte Divulgação
RIO - O rosto do ditador Kim Jong-il, o Querido Líder morto no final
do ano passado, no corpo de uma Marilyn Monroe na mesma pose eternizada
no filme “O pecado mora ao lado”, na qual o vestido branco da atriz é
levantado na rua pelo vento da tubulação do metrô. A combinação
improvável é retratada em “Tire suas roupas”, o quadro mais emblemático
do norte-coreano Song Byeok, que, depois de trabalhar durante anos como
pintor de propaganda do regime comunista, fugiu do país e encontrou
refúgio na Coreia do Sul, em 2002.
Segundo Byeok, cada um dos dois ícones tentou, a seu modo, esconder dos outros algo a seu respeito ou de seu país, e a tela representa um conselho para que a Coreia do Norte se abra para o mundo.
A beleza de Marilyn Monroe foi apenas uma das milhares de descobertas do artista ao escapar de um país fechado em si mesmo, onde internet e celular permanecem de acesso restrito. Mas, para Byeok, o aspecto mais surpreendente da mudança não veio das telas de cinema ou de apetrechos tecnológicos. A transição mais radical foi conquistar a liberdade de expressão.
— Não sabia o que era liberdade. Não sabia nem mesmo que ela existia antes de chegar à Coreia do Sul. Liberdade para mim, hoje, é dizer o que quero e pintar o que desejo, expressar-me sem qualquer tipo de preocupação ou receio — disse, em entrevista ao GLOBO, por telefone, da Coreia do Sul, poucos dias após o fim de uma exibição de seu trabalho em Washington.
Nem sempre foi assim. Selecionado aos 24 anos para trabalhar a serviço das mensagens publicitárias da ditadura norte-coreana, Byeok disseminou slogans como “Vamos ser a bala (do revólver) do general Kim Jong-il”. E conta que não tinha o direito de escolher o conteúdo para preencher a tela em branco.
— Recebia tarefas para desenhar como se fosse um manual, explicando o que deveria pintar. E precisava seguir à risca cada detalhe — explica, fazendo a ressalva de que, apesar dos anos de dedicação à mensagem de Kim Jong-il, nunca o encontrou pessoalmente, pois esse tipo de reunião era destinada apenas a pessoas consideradas muito especiais pelo regime.
Com um trabalho que flerta com a pop art, Byeok subverte as regras impostas pelo regime ao retratar em cores fortes o distanciamento dos norte-coreanos em relação ao mundo exterior, como na tela “Deixe-me provar”, em que um soldado segura uma lata de sopa Campbell’s. Ele explora ainda temas como a devoção sem precedentes a seus governantes e a miséria da qual o país padece sem que isso resulte em convulsão social.
Esperança tímida de mudanças com Kim Jong-un
A revolução particular de Byeok começou há 12 anos, quando se desencantou pela primeira vez com um regime que considera o governante uma espécie de divindade. Junto com o pai, ele tentou atravessar um rio na fronteira com a China em busca de comida, forçado pela fome crônica na Coreia do Norte. No caminho, o pai acabou arrastado pela correnteza e seu corpo nunca foi encontrado. Byeok procurou guardas em busca de ajuda e acabou preso em um campo de trabalhos forçados, onde presenciou diversos atos de violência. A partir daí, começou a sonhar com uma vida diferente.
— Decidi que me mataria se não conseguisse fugir. Não podia voltar para o campo de trabalhos forçados. Preparei uma pequena dose de veneno que carreguei comigo, isso mostra o quão determinado eu estava. Fui até a margem do rio onde meu pai morreu e rezei. Em seguida, atravessei a fronteira para a China, onde encontrei algumas boas pessoas que me ajudaram a chegar à Coreia do Sul em 2002 — conta.
Do passado, ele não guarda nem mais o próprio nome. Song Byeok é um pseudônimo para marcar, segundo ele, um novo começo. Mas, por vezes, a pressão do regime ainda se faz sentir, mesmo longe de suas fronteiras.
Byeok conta que, no último ano, um estranho começou a rondar o estúdio onde trabalha e ele temeu se tratar de um agente do governo norte-coreano. O pintor pediu a um jornalista que o entrevistava que permanecesse por mais tempo no local, e o homem nunca mais retornou. Hoje, aos 44 anos, ele quer com seu trabalho atrair a atenção do público para a opressão do regime. E adota um otimismo tímido em relação ao novo líder norte-coreano:
— Tenho alguma esperança de que Kim Jong-un, por ser um líder mais jovem e ter tido outras experiências, possa trazer alguma mudança para o país.
Em seu trabalho, as crianças norte-coreanas são tema frequente de reflexão. Alegres, descalças ou com sapatos esburacados, de olhos fechados para a realidade do país, elas aparecem ao lado do ditador na tela “Um pai amoroso e seus filhos”. No lugar das crianças bem nutridas da propaganda oficial, o ditador abraça garotos esfarrapados como pedintes.
— Na Coreia do Norte, há um ditado que diz que as crianças são as rainhas do país e o seu futuro. Mas milhares de crianças passam fome até a morte e, ainda assim, se forem convidadas a cantar para o líder, vão louvá-lo com alegria. O culto ao líder é algo que aprendemos desde a infância. Elas pensam que são felizes.
COPIADO : http://oglobo.globo.com/
Segundo Byeok, cada um dos dois ícones tentou, a seu modo, esconder dos outros algo a seu respeito ou de seu país, e a tela representa um conselho para que a Coreia do Norte se abra para o mundo.
A beleza de Marilyn Monroe foi apenas uma das milhares de descobertas do artista ao escapar de um país fechado em si mesmo, onde internet e celular permanecem de acesso restrito. Mas, para Byeok, o aspecto mais surpreendente da mudança não veio das telas de cinema ou de apetrechos tecnológicos. A transição mais radical foi conquistar a liberdade de expressão.
— Não sabia o que era liberdade. Não sabia nem mesmo que ela existia antes de chegar à Coreia do Sul. Liberdade para mim, hoje, é dizer o que quero e pintar o que desejo, expressar-me sem qualquer tipo de preocupação ou receio — disse, em entrevista ao GLOBO, por telefone, da Coreia do Sul, poucos dias após o fim de uma exibição de seu trabalho em Washington.
Nem sempre foi assim. Selecionado aos 24 anos para trabalhar a serviço das mensagens publicitárias da ditadura norte-coreana, Byeok disseminou slogans como “Vamos ser a bala (do revólver) do general Kim Jong-il”. E conta que não tinha o direito de escolher o conteúdo para preencher a tela em branco.
— Recebia tarefas para desenhar como se fosse um manual, explicando o que deveria pintar. E precisava seguir à risca cada detalhe — explica, fazendo a ressalva de que, apesar dos anos de dedicação à mensagem de Kim Jong-il, nunca o encontrou pessoalmente, pois esse tipo de reunião era destinada apenas a pessoas consideradas muito especiais pelo regime.
Com um trabalho que flerta com a pop art, Byeok subverte as regras impostas pelo regime ao retratar em cores fortes o distanciamento dos norte-coreanos em relação ao mundo exterior, como na tela “Deixe-me provar”, em que um soldado segura uma lata de sopa Campbell’s. Ele explora ainda temas como a devoção sem precedentes a seus governantes e a miséria da qual o país padece sem que isso resulte em convulsão social.
Esperança tímida de mudanças com Kim Jong-un
A revolução particular de Byeok começou há 12 anos, quando se desencantou pela primeira vez com um regime que considera o governante uma espécie de divindade. Junto com o pai, ele tentou atravessar um rio na fronteira com a China em busca de comida, forçado pela fome crônica na Coreia do Norte. No caminho, o pai acabou arrastado pela correnteza e seu corpo nunca foi encontrado. Byeok procurou guardas em busca de ajuda e acabou preso em um campo de trabalhos forçados, onde presenciou diversos atos de violência. A partir daí, começou a sonhar com uma vida diferente.
— Decidi que me mataria se não conseguisse fugir. Não podia voltar para o campo de trabalhos forçados. Preparei uma pequena dose de veneno que carreguei comigo, isso mostra o quão determinado eu estava. Fui até a margem do rio onde meu pai morreu e rezei. Em seguida, atravessei a fronteira para a China, onde encontrei algumas boas pessoas que me ajudaram a chegar à Coreia do Sul em 2002 — conta.
Do passado, ele não guarda nem mais o próprio nome. Song Byeok é um pseudônimo para marcar, segundo ele, um novo começo. Mas, por vezes, a pressão do regime ainda se faz sentir, mesmo longe de suas fronteiras.
Byeok conta que, no último ano, um estranho começou a rondar o estúdio onde trabalha e ele temeu se tratar de um agente do governo norte-coreano. O pintor pediu a um jornalista que o entrevistava que permanecesse por mais tempo no local, e o homem nunca mais retornou. Hoje, aos 44 anos, ele quer com seu trabalho atrair a atenção do público para a opressão do regime. E adota um otimismo tímido em relação ao novo líder norte-coreano:
— Tenho alguma esperança de que Kim Jong-un, por ser um líder mais jovem e ter tido outras experiências, possa trazer alguma mudança para o país.
Em seu trabalho, as crianças norte-coreanas são tema frequente de reflexão. Alegres, descalças ou com sapatos esburacados, de olhos fechados para a realidade do país, elas aparecem ao lado do ditador na tela “Um pai amoroso e seus filhos”. No lugar das crianças bem nutridas da propaganda oficial, o ditador abraça garotos esfarrapados como pedintes.
— Na Coreia do Norte, há um ditado que diz que as crianças são as rainhas do país e o seu futuro. Mas milhares de crianças passam fome até a morte e, ainda assim, se forem convidadas a cantar para o líder, vão louvá-lo com alegria. O culto ao líder é algo que aprendemos desde a infância. Elas pensam que são felizes.
COPIADO : http://oglobo.globo.com/
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