Pablo Uchoa
Da BBC Brasil em Washington
Atualizado em 22 de outubro, 2013 - 07:16 (Brasília) 09:16 GMT
Apenas um consórcio apresentou oferta e o governo vai receber o mínimo estipulado nas regras
"Sucesso" para o governo,
"aquém" nas palavras do mercado. As opiniões divergentes sobre o leilão
da maior bacia petrolífera do Brasil, o campo de Libra, ilustram um caso
típico de resultado que pode ser visto sob uma ótica positiva ou
negativa, dependendo de onde se enxergue.
Ótica negativa: sob o novo marco para a
exploração do petróleo, aprovado em 2010, não se viu a participação
maciça de empresas estrangeiras, como era a aposta de apenas alguns
meses atrás.
Apenas um consórcio apresentou
oferta e o governo vai receber o mínimo estipulado nas regras – um bônus
de assinatura de R$ 15 bilhões mais 41,65% do petróleo produzido após
descontados os custos de produção (o chamado lucro-óleo).
Ótica positiva: o resultado não foi simplesmente
um "acordo de estatais" entre a Petrobras e suas equivalentes chineses,
como temiam alguns críticos, mas atraiu duas gigantes privadas do
setor, a francesa Total e anglo-holandesa Shell, que juntas detêm 40% da
empreitada.
Se o governo receberá pagamento mínimo pelo
acordo, isso também quer dizer que o negócio é mais lucrativo para a
Petrobras, um alívio para uma empresa com problemas de caixa e cuja
capacidade de operar todas as bacias, como requer o modelo, sempre foi
questionada pelos críticos.
Referindo-se ao resultado, a diretora da Agência
Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Magda
Chambriard, disse que "sucesso maior que este é difícil de imaginar".
"A qualidade técnica que conseguimos reunir, com
empresas como a Petrobras, que explora e produz 25% do petróleo em
águas profundas do mundo e alterna recordes com a Shell, que também está
no consórcio, vai entrar para a história do país", disse a presidente
da ANP.
Descontando o entusiasmo
Mas analistas ouvidos pela BBC Brasil preferiram
descontar o entusiasmo, acreditando que as razões para questionar o
modelo até agora continuam válidas.
"Apesar de haver um consórcio vencedor com duas
empresas privadas internacionais, a participação ficou aquém do que era
esperado", disse Marcelo Torto, da corretora Ativa, no Rio de Janeiro.
"Houve interesse, mas algumas questões continuam pesando muito e
afastando os investidores estrangeiros do pré-sal."
Torto sintetizou os questionamentos do mercado
em três linhas principais. Primeiro, há as dúvidas sobre a capacidade da
Petrobras de arcar com os pesados investimentos inerentes ao seu
protagonismo no modelo.
Segundo, ele disse, ainda não está claro o poder
de interferência que terá a estatal recém-criada para gerir os
contratos do pré-sal, a PPSA, nas decisões estratégicas do consórcio.
Entoando o coro do mercado, Torto avaliou que a falta de "regras mais
claras" sobre os poderes de veto da PPSA traz insegurança para
investidores.
Por fim, o especialista explicou que as
exigências das regras de conteúdo local implicam temores de atrasos e
possíveis aumentos de custo "que poderiam ser reduzidos se navios e
plataformas pudessem ser encomendados de outros fornecedores
internacionais".
Na disputa pelo modelo mais adequado, o governo
até agora ganhou as quedas de braço com os críticos. Mas há quem
acredite que as mudanças na dinâmica da economia global e brasileira,
assim como da geopolítica das fontes de energia globais, podem obrigar o
Brasil a relaxar as regras para os futuros leilões do pré-sal.
"Se o governo quiser acelerar os investimentos e
o crescimento, vai olhar para o setor do petróleo como uma fonte para
isso", disse à BBC Brasil o especialista em América Latina da
consultoria Eurasia Group, em Washington, Luiz Augusto de Castro Neves.
"Para tanto, precisa propiciar mais abertura
para o investimento estrangeiro, e isso demanda uma flexibilização maior
das regras."
'Bilhete de loteria'
Seis anos atrás, quando foi descoberto o
petróleo na camada pré-sal da costa brasileira, o então presidente Luiz
Inácio Lula da Silva qualificou o potencial energético como "um bilhete
de loteria" que o Brasil tinha ganhado.
Isso foi, entretanto, antes do advento de novas
fronteiras no campo da energia, como a exploração de gás de xisto nos
EUA, uma alternativa que os analistas acreditam capazes de transformar o
panorama energético mundial.
Um dos efeitos até 2035 pode ser que os Estados
Unidos deixem de ser importadores e passem a exportar energia, com os
correspondentes efeitos sobre o preço do petróleo no mercado
internacional.
Castro Neves diz que as recentes descobertas de
petróleo e gás em outros países do mundo colocam o Brasil na posição de
competir pela atenção dos investidores com economias que oferecem outras
vantagens para as empresas que pretendem atrair.
É um ambiente global muito diferente daquele em
que o governo brasileiro delineou as regras que esperava impor às
companhias interessadas em participar do pré-sal, afirma o analista.
"Houve um excesso de confiança que gerou o modelo do pré-sal. Nos últimos três ou quatro anos, o mundo mudou", ele disse.
"O Brasil ainda é um ator promissor no campo
energético mundial, mas está tendo de adaptar um pouco as suas políticas
a esse cenário menos favorável."
Para Castro Neves, "cada vez fica mais claro que
o pré-sal é um bilhete de loteria, mas com um prazo de validade",
compara. "Se você não tirar (o petróleo) do chão a tempo, pode ficar
tarde demais."
Incertezas políticas
Analistas acreditam que o governo já venha
sinalizando uma boa vontade em rever algumas das regras do pré-sal para
atrair mais investidores estrangeiros no futuro.
A dúvida é como isso poderia ser feito em ano de
eleições presidenciais (em 2014) sem passar a impressão de se estar
reconhecendo um erro, diz o analista da consultoria Eurasia.
Apesar das dificuldades, ele acredita que "seria
um erro" não reavaliar o modelo do pré-sal diante do pouco interesse
que tem gerado entre os investidores internacionais.
Um desafio para o Planalto será equilibrar o
desejo do mercado por menos controle sobre os contratos petroleiros com
as reivindicações dos protestos de rua que se opõem ao que chamam de
"privatização" do setor e pedem, na via oposta, maior destinação de
recursos do governo para a educação e a saúde.
Mesmo que consiga encontrar formas de caminhar
sobre a corda bamba, avalia Torto, da corretora Ativa, as mudanças podem
não conquistar a confiança dos investidores na intensidade desejada.
"Por um lado, podem vir melhorias (nas regras do
pré-sal, na visão dos investidores)", ele diz. "Por outro lado, podem
surgir incertezas porque você não tem a estabilidade do marco
regulatório", completa o analista.
"Qualquer revisão do modelo pode ser positiva, mas também pode deixar os investidores com o pé atrás.
Governo vê sucesso, mas
analistas ainda questionam modelo de exploração e acham que Brasil terá
de relaxar regras em futuros leilões.
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