50 mil resgatados desde 1995 Não é só na Líbia: Brasil também vende escravos a céu aberto



Leonardo Sakamoto
 50 mil resgatados desde 1995 Não é só na Líbia: Brasil também vende escravos a céu aberto 



Não é só na Líbia: Brasil também vende escravos a céu aberto

Leonardo Sakamoto
Trabalhadores vítimas do tráfico de pessoas para o trabalho escravo são resgatados no Pará (Foto: Leonardo Sakamoto)
Imagens de mercados de compra e venda de seres humanos na Líbia, com leilões de escravos à céu aberto, chocaram o mundo. Migrantes da África subsaariana, que tentam alcançar a Europa fugindo da guerra e da pobreza, acabam capturados e transformados em mão de obra cativa. A situação é denunciada, há anos, pela sociedade civil, mas foi só com as imagens da CNN que o caso tornou-se comoção global.
Neste sábado (2), quando celebramos o Dia Internacional pela Abolição da Escravidão, gostaria de poder dizer que a possibilidade de você ''comprar alguém'' se limita às tristes situações de guerra ou a países com Estados tão enfraquecidos que se tornam incapazes de cumprir suas leis e convenções e tratados internacionais que proíbem essa prática.
A situação dantesca, contudo, se repete diariamente em outras partes do mundo, adotando formas escancaradamente abjetas ou mais sutis, mas ainda assim violentas por sua própria natureza. Seja em democracias ou ditaduras, exemplos capitalistas ou últimos bastiões socialistas, o trabalho escravo contemporâneo é uma realidade e está conectado com as principais redes de produção globais.
A pesca, por exemplo. Conheci James Kofi Annan, de Gana, na África, vendido como escravo aos seis anos de idade. Até os 13, trabalhou para pescadores, experimentando diariamente tortura, fome, negligência, abuso verbal e físico. Viveu com doenças dolorosas que nunca foram tratadas e lhe foi negado acesso a cuidados médicos. Escapou do cativeiro e conseguiu ir para a escola e estudou até concluir a universidade. Mas largou o emprego estável para criar uma ONG e ajudar outras crianças e famílias que estão nas mesmas condições pelas quais ele passou.
Ou a produção de carne bovina. Entrevistei Antônio, há alguns anos, no Sul do Maranhão. Ele havia sido comercializado junto com um grupo de outros 41 homens para limpar o pasto do gado na fazenda de Miguel de Souza Rezende na região amazônica. ''Nós fomos vendidos! Oitenta reais pra cada cabeça, os 42'', lembra. ''Quando completou 30 dias eu disse: meninos, quem quiser ir embora mais eu, nós vamos. Aí o cantineiro avisou nós: ''rapaz não sai de nenhum de vocês, se saírem vocês morrem. Tem muito jagunço na fazenda.'' Os esforços da sociedade civil, governos e empresas para erradicar esse no Brasil fez com que a situação pela qual passou Antônio seja menos comum. Mas ela ainda acontece.
Por exemplo, na fabricação das roupas que vestimos. Para que comércio de gente ocorre apenas em locais distantes, conto um caso na capital paulista. No dia 9 de fevereiro de 2014, dois migrantes bolivianos aguardavam pacientemente o dono de uma confecção de costura para a qual trabalhavam tentarem concluir a ''venda'' de ambos, estipulada em R$ 1 mil por cabeça. Se não fosse a solidariedade de outras pessoas que presenciaram a cena, o negócio teria sido concretizado e a Polícia Militar não teria sido chamada para por fim ao comércio de gente que ocorria em uma via pública.
Logo depois do ocorrido, a Repórter Brasil foi a Sucre, na Bolívia, e conseguiu encontrar uma das vítimas. “Não conhecemos nenhuma rua da cidade e não falamos português. Você acha que nós fugiríamos para onde?”, perguntou. Posteriormente localizado pelas autoridades, o dono da confecção afirmou que estava tentando ''ajudar'' os dois a conseguir outro emprego.
A Organização Internacional do Trabalho estima a existência de, pelo menos, 40 milhões de pessoas submetidas a trabalho escravo em todo o mundo, produzindo lucros anuais superiores a 150 bilhões de dólares. É um cálculo modesto, considerando que os processos migratórios forçados por conflitos armados e mudanças climáticas alimentaram fortemente o tráfico de seres humanos para a exploração econômica e sexual nos últimos anos.
No Brasil, não temos uma estimativa confiável de quantas pessoas estão sob essas condições. Mas dados do Ministério do Trabalho apontam que, desde 1995, mais de 50 mil pessoas foram, oficialmente, resgatadas da escravidão.
O país costumava ser considerado um exemplo global no combate ao trabalho escravo pelas Nações Unidas. Contudo, ações do governo Michel Temer, como a desastrosa tentativa de reduzir o conceito de escravidão contemporânea e dificultar a libertação de pessoas através de uma portaria publicada no dia 16 de outubro, têm sido vistas como preocupantes pela comunidade internacional.
A medida, suspensa por liminar pelo Supremo Tribunal Federal após forte indignação da sociedade, visava atender a reivindicações da bancada ruralista e de empresas do setor de constru idados médicos. Escapou do cativeiro e conseguiu ir para a escola e estudou até concluir a universidade. Mas largou o emprego estável para criar uma ONG e ajudar outras crianças e famílias que estão nas mesmas condições pelas quais ele passou.
Ou a produção de carne bovina. Entrevistei Antônio, há alguns anos, no Sul do Maranhão. Ele havia sido comercializado junto com um grupo de outros 41 homens para limpar o pasto do gado na fazenda de Miguel de Souza Rezende na região amazônica. ''Nós fomos vendidos! Oitenta reais pra cada cabeça, os 42'', lembra. ''Quando completou 30 dias eu disse: meninos, quem quiser ir embora mais eu, nós vamos. Aí o cantineiro avisou nós: ''rapaz não sai de nenhum de vocês, se saírem vocês morrem. Tem muito jagunço na fazenda.'' Os esforços da sociedade civil, governos e empresas para erradicar esse no Brasil fez com que a situação pela qual passou Antônio seja menos comum. Mas ela ainda acontece.
Por exemplo, na fabricação das roupas que vestimos. Para que comércio de gente ocorre apenas em locais distantes, conto um caso na capital paulista. No dia 9 de fevereiro de 2014, dois migrantes bolivianos aguardavam pacientemente o dono de uma confecção de costura para a qual trabalhavam tentarem concluir a ''venda'' de ambos, estipulada em R$ 1 mil por cabeça. Se não fosse a solidariedade de outras pessoas que presenciaram a cena, o negócio teria sido concretizado e a Polícia Militar não teria sido chamada para por fim ao comércio de gente que ocorria em uma via pública.



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