Clima extremo. A natureza dá suas respostas
Eventos climáticos extremos, como enchentes, secas, tornados, ondas de calor e frio, têm aumentado em frequência ou intensidade em todo o mundo. A maioria dos cientistas confirma: essa tendência é um sintoma das mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global
Por Eduardo Araia
Janeiro de 2015 foi o 4º mês mais quente da história em São Paulo, diz o Inmet: a média das temperaturas máximas ficou em 31,5 graus centígrados no primeiro mês do ano.
Medições foram feitas no Mirante de Santana, na Zona Norte, desde 1943. Mas, no dia 19 de janeiro, a temperatura máxima chegou a 36,5 graus, a mais alta do ano.
Um ano antes, o mês de janeiro de 2014 dificilmente vai ser esquecido por dezenas de milhões de brasileiros. Sempre segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a temperatura média enfrentada pelos paulistanos, por exemplo, foi de 31,9 °C, a mais elevada desde que a cidade começou suas medições, em 1943. No Rio de Janeiro, a média foi de 36,2 °C, a maior das últimas três décadas, e em Porto Alegre, de 33,1 °C, a maior desde 1916. A prolongada e severa estiagem faz com que até hoje, quando já avançamos pelos meses mais frescos do outono, a maior parte dos reservatórios paulistanos ainda estejam quase vazios, anunciando a possibilidade de racionamentos se a situação de seca verificada no ano passado ocorrer também neste ano.
O impacto do aquecimento global será "grave, abrangente e irreversível", segundo um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês) recentemente divulgado. Autoridades e cientistas reunidos no Japão afirmam que o documento é a avaliação mais completa já feita sobre o impacto das mudanças climáticas no planeta.
Integrantes do IPCC dizem que até agora os efeitos do aquecimento são sentidos de forma mais acentuada pela natureza, mas que haverá um impacto cada vez maior sobre a humanidade. Mudanças climáticas vão afetar a saúde, a habitação, a alimentação e a segurança da população no planeta, segundo o relatório. O texto afirma que a quantidade de provas científicas do impacto do aquecimento global dobrou desde o último relatório, lançado em 2007.
"Ninguém neste planeta ficará imune aos impactos das mudanças climáticas", disse o diretor do IPCC, Rajendra Pachauri, a jornalistas. O secretário-geral da Associação Mundial de Meteorologia, Michel Jarraud, disse que se no passado as pessoas estavam destruindo o planeta por ignorância, agora já não existe mais esta "desculpa".
Enchentes e calor
O relatório foi baseado em mais de 12 mil estudos publicados em revistas científicas. Jarraud disse que o texto é "a mais sólida evidência que se pode ter em qualquer disciplina científica".
Nos próximos 20 a 30 anos, sistemas como o mar do Ártico estão ameaçados pelo aumento da temperatura em 2 graus Celsius. O ecossistema dos corais também pode ser prejudicado pela acidificação dos oceanos.
Na terra, animais, plantas e outras espécies vão começar a "se deslocar" para pontos mais altos, ou em direção aos polos.
Um ponto específico levantado pelo relatório é a insegurança alimentar. Algumas previsões indicam perdas de mais de 25% nas colheitas de milho, arroz e trigo até 2050.
Enquanto isso, a demanda por alimentos vai continuar aumentando com o crescimento da população, que pode atingir nove bilhões de pessoas até 2050.
"Na medida em que avançamos [as previsões] no futuro, os riscos só aumentam, e isso acontecerá com as pessoas, com as colheitas e com a disponibilidade de água", disse Neil Adger, da universidade britânica de Exeter – outro cientista que assina o relatório.
Enchentes e ondas de calor estarão entre os principais fatores causadores de mortes de pessoas. Trabalhadores que atuam ao ar livre – como operários da construção civil e fazendeiros – estarão entre os que mais sofrerão. Há também riscos de grandes movimentos migratórios relacionados ao clima, além de conflitos armados.
Quem paga a conta?
Em lugares como a África, as pessoas estarão particularmente vulneráveis. Muitos que deixaram a pobreza nos últimos anos podem voltar a ter condições de vida miseráveis.
Os Estados Unidos, principalmente a sua costa leste, vão se lembrar muito também deste inverno que se finda no Hemisfério Norte. Tempestades de neve de força incomum atingiram o país, causando o cancelamento de milhares de voos, inúmeros acidentes de trânsito, interrupção de aulas e muitas atividades profissionais, e baixando as temperaturas a marcas árticas. Na Inglaterra, o problema maior foi um tanto diferente: grandes partes do país viveram o seu janeiro mais úmido desde 1910, com um recorde histórico de chuvas na cidade de Oxford, que superou uma marca alcançada em 1852.
“Os extremos estão ficando mais extremos”, observa o pesquisador José Marengo, do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Eventos extremos são aquelas ocorrências que ficam nos 10% superiores ou inferiores de uma variável particular – por exemplo, um volume de chuvas pode ser inferior a 10% da média, o que configura seca severa, ou 90% acima da média, o que vai resultar numa enchente histórica. É exatamente nessas pontas da tabela que as novidades climáticas têm aumentado nos últimos tempos – e seu impacto, em termos de vidas humanas e danos às propriedades, torna-as motivo de enorme interesse.
Se uma alteração no clima desse porte começa a ser sentida, a pergunta se torna inevitável: isso seria apenas resultado das variações climáticas normais ou consequência do aquecimento global? Para um bom número de especialistas, a tendência a flertar com a última hipótese é perceptível. O rigoroso inverno de 2010-2011 no norte e no noroeste da Europa, por exemplo, foi ligado a uma redução da área de gelo marinho nos mares de Barents e Kara (no norte da Escandinávia e da Sibéria) resultante do aquecimento do clima local e causadora de mudanças no padrão de ventos na região, de acordo com uma pesquisa de Vladimir Petoukhov, do Potsdam Institute for Climate Impact Research, da Alemanha. Enquanto a redução de gelo nos polos tem sido documentada por fotos de satélite, a Rússia tem apresentado invernos mais frios e verões mais quentes.
Temperaturas mais elevadas dos oceanos
Segundo a Organização Meteorológica Mundial (WMO, na sigla em inglês), ligada às Nações Unidas, 13 dos 14 anos mais quentes aconteceram no século 21. O recorde são os anos de 2010 e 2005 (0,55 °C), seguidos por 1998, anos marcados pelo aquecimento muito poderoso provocado pelo fenômeno El Niño.
Nos oceanos, em 2013 foram registradas temperaturas excepcionalmente elevadas na Grande Baía Australiana, assim como em partes do nordeste e no centro-sul do Oceano Pacífico e em grande parte do Oceano Ártico. A temperatura na superfície dos mares foi a maior desde 2010. Acompanhando 2004 e 2006, 2013 foi o sexto ano mais quente dos registros, 0,35°C acima da média de 1961-1990 e igual à média mais recente de 2001-2010, segundo a WMO.
“Seja em frequência ou intensidade, virtualmente todo ano tem quebrado recordes, e em algumas ocasiões por várias vezes numa única semana”, declarou Omar Baddour, pesquisador da WMO, vinculada à ONU, à agência AFP. O secretário-geral da instituição, Michel Jarraud, acrescenta: “A temperatura média de 2014 confirma a tendência de aquecimento a longo prazo. A taxa de aquecimento não é uniforme, mas a tendência subjacente é inegável. Dadas as quantidades recordes de gases de efeito estufa na nossa atmosfera, as temperaturas globais continuarão a subir para as próximas gerações.”
Mas, embora reconheçam que as alterações nos eventos extremos seriam um indício inicial de que o clima está de fato mudando, e que as projeções sobre os efeitos do aquecimento global implicam modificações nos eventos extremos, os cientistas têm sido extremamente cautelosos em admitir que o que está acontecendo tem mesmo relação com o aquecimento global (o primeiro documento mais contundente a esse respeito deve ser o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima, o IPCC, a ser divulgado em abril). O motivo é simples: faltam registros suficientes, que cubram grandes regiões do globo de forma regular e por longos períodos de tempo, para compor esse quadro com a precisão científica exigida e dele extrair as devidas conclusões.
“O IPCC, em sua primeira avaliação sobre mudança climática (1992), não considerou se os eventos climáticos extremos haviam aumentado em frequência e/ou intensidade globalmente porque as informações eram muito esparsas para fazer disso um exercício válido para todo o mundo”, afirmou o climatologista australiano Neville Nicholls em um estudo apresentado na reunião do IPCC em Oslo (Noruega), em 2009. “Em 1995, em sua segunda avaliação, o IPCC examinou a questão e concluiu que ‘no todo, não há evidência de que os eventos climáticos extremos, ou a variabilidade climática, tenham aumentado, em sentido global, através do século 20, embora dados e análises sejam pobres e não compreensíveis’.” Nicholls salientou a seguir que mudanças em extremos haviam sido observadas em algumas regiões, mas que a ausência de dados climáticos confiáveis em todas as áreas relacionadas a tais eventos – sobretudo nos países em desenvolvimento – ainda impede que as pesquisas avancem nesse setor.
No Brasil há deficiência de dados
“Ninguém pode concluir 100% que nada como isso (casos de eventos extremos do porte atual) tenha acontecido nos últimos 200 anos, mas a suspeita está aí – mesmo que seja apenas uma suspeita”, declarou Jean-Pascal van Ypersele, vice-presidente do IPCC, à agência AFP. É esse, de certa forma, o pensamento de Marengo (integrante da equipe brasileira no IPCC). De acordo com ele, eventos extremos mais frequentes e/ou intensos já estão sendo observados nas últimas cinco ou seis décadas. “Para afirmarmos algo nessa área, tem de haver antes muitos estudos”, ressalta.
O Brasil é uma amostra da deficiência de dados que os estudiosos ressaltam nessa questão. “No Sul e no Sudeste, as chuvas aumentaram nas décadas de 1990 e 2000, na comparação com 50 a 60 anos atrás”, observa Marengo. “Há também mais noites quentes no inverno, o que indica tendência de invernos mais quentes.” Mas a precisão vai-se reduzindo conforme a região muda. Em partes do Nordeste e da Amazônia, houve um aumento de veranicos, com estiagem, na estação chuvosa, afirma o pesquisador, mas no Centro-Oeste e no Pantanal há poucas informações disponíveis. “Existem ali anos com enchentes, outros com seca, tudo seguindo uma dinâmica própria.”
Detectar o momento em que as alterações nos eventos climáticos extremos estarão indiscutivelmente ligadas ao aquecimento global vai ser um trabalho de monitoramento exaustivo, ano após ano, diz Marengo. Amenizar o impacto desses fenômenos implica seguir o roteiro já conhecido de mitigação do aquecimento global na parte em que o homem interfere: adotar princípios de uma economia com baixa emissão de gases-estufa, usar mais fontes de energia renováveis e reflorestar bastante, por exemplo. Esforços mundiais nesse sentido até existem, mas caminham a passos ainda vagarosos demais para as necessidades do planeta. Enquanto isso, resta a seus habitantes adaptar-se ao que vier – às secas, às chuvas, ao calor e/ou ao frio extremados, enfim, às vontades de um tempo cada vez mais caprichoso e surpreendente.
copiado http://www.brasil247.com/pt
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