Alvo trocado na diplomacia econômica O Brasil deu para atribuir aos EUA a culpa pelos problemas em nossa indústria declinante......

País - Sociedade Aberta

Alvo trocado na diplomacia econômica

Jornal do BrasilMarcelo Coutinho*
O Brasil deu para atribuir aos EUA a culpa pelos problemas em nossa indústria declinante. Todo discurso do governo voltou-se para censurar o chamado tsunâmi monetário promovido pelo tesouro americano com a desvalorização do dólar. Com frequência também costumamos responsabilizar a Argentina pelos entraves. Brasília não mira na China, de onde vem a maior parte dos produtos que inundam as praças brasileiras. Prefere acertar nas laterais, porque já depende demais do Oriente para comprar uma briga. A seu ver, melhor mesmo é criticar a quem já estamos acostumados.
Não soubemos lidar com a globalização contemporânea quando ela começou. Nos anos 1970 até que o Brasil cresceu bastante, mas criamos também tantos problemas crônicos que o jeito foi falir na década seguinte. Após as reformas estruturais em direção ao mercado dos anos 1990, a sorte soprou as nossas velas econômicas mais uma vez.  Outro boom da economia global trouxe o crescimento de volta. Mas do mesmo jeito se foi com a crise de 2008. E agora também pagamos um preço com a reprimarização das exportações.
A globalização e a política externa se retroalimentam em toda a parte, gerando efeitos mutuamente constitutivos. Mas as nossas elites diplomáticas ainda não aprenderam a velocidade dessas mudanças e a melhor maneira de nos adaptarmos. Os hiperglobalistas de anos atrás estavam errados ao acharem que, movida quase unicamente pela lógica de mercado, a globalização anularia os Estados nacionais. Já os céticos também se mostraram equivocados ao acharem que o mundo caminhava para o choque de civilizações e a formação de blocos regionais rivalizantes que, supostamente, impediriam a difusão de valores como a democracia.
A um só tempo, agora temos a Primavera Árabe, derretimento na União Europeia e neoprotecionismo. Sempre na mesma tecla antiamericanista, o Itamaraty ainda não parou para pensar nos efeitos desse coquetel de transformações.Os métodos utilizados pelos americanos na Ásia para garantir o equilíbrio de poderes, também podem estar sendo usados neste momento pela China ao praticar um “offshore balancing” com os EUA utilizando o Brasil para isso.
Mais do que um espaço dos grandes países emergentes, o Bric seria um instrumento de Pequim para enfraquecer Washington, a começar pelo Hemisfério ocidental, catapultando artificialmente o Brasil de modo a incentivar suas inclinações anti-ianques e promover a perda da hegemonia americana no seu próprio continente. Enquanto Brasil e EUA discutem, com ameaças mútuas de retaliação comercial, Pequim segue seus planos de manter o Ocidente ocupado enquanto expande as bases materiais de desenvolvimento do Sudeste Asiático e adquire inclusive mercados latino-americanos. Divide para conquistar.
Embora adeptos do capitalismo, os mandarins marxistas acreditam que os processos produtivos afetam todos os demais aspectos da vida social, incluindo a organização política do mundo. Como diria Robert Cox, a produção gera a capacidade de exercer poder, que por sua vez determina a maneira pela qual a produção acontece. Apenas os estados capazes de sobreviverem às crises financeiras a partir de sólidos alicerces fiscais e produtivos conseguem ascender no sistema internacional. Os demais não obtêm o mesmo sucesso, como aconteceu com a Espanha inúmeras vezes desde o século 17, e acontece mais uma vez agora.
Para que não sejamos a Espanha de amanhã, precisamos enxergar o óbvio. As contas públicas brasileiras já não estão lá tão boas como há alguns anos. O nosso parque industrial já não caminha com as próprias pernas. E o único setor que se expande aqui de fato é o da prestação de serviços. A China virou o nosso grande desafio. Sem orientalofobia, esse é o alvo. Os brasileiros deveriam buscar uma cooperação inteligente com os norte-americanos para reequilibrar as relações econômicas com aquele que já move os moinhos do crescimento mundial.
O caso mais recente da petroquímica demonstra bem como falhamos em estabelecer uma estratégia cooperativa. Há até pouco tempo, acreditávamos que o jogo da produção energética estava do nosso lado. Enquanto nos vangloriávamos, perfilando ao lado dos grandes emergentes e pedindo dinheiro emprestado para a China, os EUA foram lá e inverteram a situação com o gás natural não convencional.
A impressionante queda nos preços do gás de xisto provocada pelo aumento da produção americana atraiu as empresas para os EUA, ameaçando até mesmo os investimentos dados como certos no Brasil como o Complexo Petroquímico de Itaboraí, no Rio de Janeiro. Isso não teve nada a ver com o câmbio, mas com escolhas ruins e ineficiência nos negócios, decorrentes da inexistência de uma unidade de inteligência estratégica atrelada à diplomacia econômica.
Fruto do nosso erro, perdemos a oportunidade de nos consolidarmos no mercado energético a partir das parcerias internacionais certas. Os americanos teriam sido perfeitos nisso porque dispunham de capital e urgência, e se tivessem encontrado no Brasil a segurança necessária não teriam se voltado para uma fonte nova de abastecimento energético que acabou se transformando na verdadeira galinha dos ovos de ouro no lugar do Pré-Sal.
De certa forma, os americanos fizeram conosco o que fizemos com a Bolívia após o episódio da nacionalização dos hidrocarbonetos. Sem boas parcerias confiáveis no exterior, procura-se em casa o suprimento das fontes vitais da economia, deslocando interesses. Agora o governo brasileiro vem dizer que a competição com as indústrias norte-americanas será um problema para o Brasil. Logo os EUA podem se transformar em exportadores de itens petroquímicos básicos, o que sufocaria nossa indústria nascente.
Isso agora é verdade, mas poderia ter sido diferente se não estivéssemos tão vaidosos em demonstrar precipitadamente nossa força frente à grande potência, à qual sempre culpamos de tudo que nos acontece. Outro exemplo da nossa infantilidade anti-imperialista ocorre na discussão sobre as reformas nos organismos econômicos internacionais. Acreditamos que, aliados aos Brics, asseguraríamos mais cotas no FMI sob pressão. Só que para isso é preciso que os americanos ratifiquem o acordo, senão nada se implementa. Neste caso também o melhor seria uma aproximação mais cautelosa com a potência asiática, sem parecer um distanciamento do Ocidente. Uma equidistância criteriosa seria uma estratégia mais apropriada. A arquitetura do sistema internacional está fazendo água, mas ninguém tem coragem de implodi-la, porque simplesmente não se sabe o que viria depois. China e Rússia não apresentam alternativa viável.
O governo brasileiro apostou na derrocada ocidental e pulou para o barco que parecia mais firme. Agora está a toda hora se queixando do barco que estaria afundando, isto é, dos países ricos, cujas políticas monetárias expansionistas estão de fato nos afetando negativamente. Acontece que os americanos encontraram uma fórmula bastante tradicional de aumentar sua própria competitividade em tempos difíceis. Imaginar a esta altura do campeonato que eles estivessem preocupados com a diminuição da nossa é no mínimo risível. Tão risível quanto eles questionarem o nosso protecionismo. O Brasil cutucou a onça com vara curta e agora vai ter que aguentar inclusive contestações na OMC.
Isso tudo faz parte das relações internacionais, e não será apenas com declarações mais duras que o lado mais fraco mudará a situação. O Brasil não pode esperar que os EUA nos ajudem sem ganhar nada em troca, sendo a cada oportunidade trocados por nós pelos seus maiores concorrentes.
São dois cenários possíveis. Se as economias americana e europeia voltarem a crescer com a injeção de liquidez por parte dos seus bancos centrais, todos serão beneficiados, inclusive nós. Já se elas não se recuperarem, só restará a China, que não tem, esta sim, qualquer interesse em preservar as exportações industriais brasileiras. O nome do jogo neste momento se resume a sobreviver, garantindo algum crescimento futuro, ainda que em mais outro voo de galinha. É isso ou continuar atirando flechas a esmo, como os povos originários das Américas em uma história remota.
* Marcelo Coutinho, professor do Iuperj e da UFRJ, é autor do livro 'Relações internacionais: Evolução e teorias da ciência do mundo'.
Tags: aberta, coluna, Coutinho, marcelo, Sociedade
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