O cérebro de quem tem jogo de cintura
Como ele é estimulado pelas experiências do cotidiano – e as melhores dicas para contornar dificuldades de memória
CRISTIANE SEGATTO
01/08/2014 12h27
- Atualizado em
01/08/2014 12h28
Kindle
Se fosse cientista, eu ia querer estudar o efeito do jeitinho
brasileiro sobre o cérebro. Não me refiro ao lado negativo do nosso
cultuado jogo de cintura. Nada do jeitinho brasileiro de ser desonesto,
de fugir das obrigações e de tentar levar vantagem sempre. Falo da
capacidade de encontrar soluções, negociar, transformar problema em
oportunidade. Dessa nossa disposição para pegar o touro à unha e fazer
uma limonada quando a vida nos empurra três limões.
Esse jeito de ser melhora o cérebro? Será que é capaz de produzir
alterações anatômicas, visíveis por ressonância magnética? Nos últimos
anos, graças ao avanço dos recursos de imagem, muitos pesquisadores têm
se dedicado a tentar enxergar como as condições de vida afetam o comando
central do corpo humano.Não é tarefa simples. A tecnologia oferece parâmetros objetivos (como o volume cerebral em determinadas regiões), mas o que se pretende medir é influenciado pela combinação de diversos fatores. Por isso, é tão difícil comprovar relações de causa e efeito.
Como afirmar que alguém tem muitos neurônios e conexões entre eles em determinada área cerebral, por ter sempre sido desafiado por situações que a vida lhe impôs? A causa pode ser essa, mas também pode ser porque se alimentou melhor, porque a genética contribuiu para que fosse assim ou por muitas outras razões.
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Um dos efeitos mais estudados é aquele provocado pela baixa escolaridade. Sabe-se que ela afeta a estrutura cerebral. A quantidade de neurônios ou de células extremamente importantes para o transporte de nutrientes entre eles (chamadas de células da glia) tende a ser menor em quem tem poucos anos de educação formal.
Isso não significa, porém, que um cérebro com menos volume seja incapaz de se reorganizar para funcionar de forma mais eficiente. Esse conceito embasa aquilo que os especialistas chamam de reserva cognitiva. Nada impede que alguém faça o melhor com o pouco que tem. Histórias de vida que sugerem isso, no Brasil, existem por todos os lados.
Conheço uma empregada doméstica que lê e escreve com grande dificuldade. Anotar um recado ou fazer uma lista de compras é dramático para ela. Mas a moça tem grandes habilidades e um enorme jogo de cintura. A vida manda o problema e ela devolve a solução. A última se chama WhatsApp, o serviço de troca de mensagens pelo celular.
Numa tarde dessas, o patrão estava no trabalho quando recebeu uma nova mensagem no telefone. Clicou sobre o ícone, pensando que fosse um texto enviado pela filha. Era a empregada. Num áudio eficiente, ela deu o recado completo. A receita estava pronta, ele deveria pôr o peixe no forno por alguns minutos um pouco antes do jantar, ela já terminara o trabalho e estava indo embora. Comunicação completa, com começo, meio e fim: “Tchau e até amanhã”.
Fazer tudo isso exige habilidades complexas. É um tremendo treino para o cérebro. Para escolher um celular, a moça precisa ter a capacidade de negociar com as diferentes operadoras e garantir a melhor oferta. Para aprender a usar os recursos, precisa exercitar a atenção e a comunicação. Não nasceu sabendo. Alguém a ensinou. Para gravar um áudio, precisou refletir sobre o conteúdo da mensagem que enviaria. Ela precisava ser curta e eficiente. Pensou também na escolha das palavras, no conteúdo da gravação e na adequação do tom. Pura sofisticação cerebral.
Ouvi outra história interessante de um médico competente e respeitado, que precisou dar um duro danado para se formar e construir a carreira. A mãe dele estudou muito pouco. Tem mais de 90 anos e administra um sítio. Recentemente, o filho telefonou para saber notícias. Ela estava feliz com o bom negócio que fizera ao vender 19 bezerros. O filho, neurologista, estava intrigado com a capacidade da mãe para fazer contas, naquela idade, sem nunca ter tido um aprendizado formal. Ela respondeu:
-- É simples, meu filho. Faço a conta, de cabeça, do valor de dez bezerros. Depois, somo mais dez e tiro um.
O que é isso, se não o mais genuíno raciocínio matemático?
Todos desejamos que cada brasileiro tenha acesso a educação de qualidade. Não só desejamos isso, como devemos lutar para que aconteça. É fundamental que o Brasil leia, estude e pense mais. Essa aspiração não entra em choque com minha curiosidade. Será que, diante da escassez de instrução formal e de oportunidades, o cérebro dos brasileiros pode, de alguma forma, se beneficiar da nossa capacidade de encontrar soluções criativas diante da adversidade.Tal comportamento é capaz de estimular a criação de novas conexões alternativas entre os neurônios (sinapses)? Ou, pelo menos, compensar a perda que a falta de educação formal pode causar?
Ler e aprender coisas novas são atitudes altamente benéficas para o cérebro, mas as experiências do cotidiano (mesmo na pobreza) oferecem outros estímulos importantes. Fazer compras com dinheiro curto é um exemplo. Quem diz isso é o médico Edson Amaro Jr., coordenador científico do Instituto do Cérebro do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Para comprar bem, mesmo com o orçamento apertado, é preciso andar de loja em loja (atividade motora), comparar preços (raciocínio), registrar mentalmente as ofertas (memória), prever os gastos (planejamento), interagir com os vendedores (comunicação) e ler nos olhos deles a intenção de cada um (empatia) para conseguir negociar.
Sobreviver em meio às adversidades exige que o cérebro trabalhe muito – e bem. É difícil saber se o ambiente em que vivemos deixa marcas físicas nele. Será que o cérebro ganha ou perde volume por causa de experiências altamente desafiadoras – advindas da riqueza ou da pobreza? Será que essas experiências, determinadas por certas condições de vida, podem nos proteger de doenças degenerativas como o Alzheimer e outras formas de demência?
Não sabemos. Enquanto a ciência avança, nos resta cuidar bem daquilo que a natureza nos deu. Tudo o que faz bem ao corpo e à mente (atividade física, boa alimentação, desafios intelectuais, sono reparador, não fumar e ter laços sociais) contribui para a manutenção da saúde do cérebro como um todo e da memória, em particular. Depois dos 50 anos, muitos notam que a memória não é mais a mesma. É algo natural, que começa décadas antes. Não é, necessariamente, sinal de doença. Se esse é seu caso, preparei um pequeno guia para ajudá-lo a superar dificuldades corriqueiras. São dicas simples, válidas para gente de qualquer idade. Experimente e me conte se elas funcionam. Fico por aqui, curiosa para espiar o cérebro de quem tem jogo de cintura. O pior do jeitinho brasileiro é a mania de deixar tudo para a última hora e fazer as coisas como dá. O melhor é nossa capacidade de superar limitações e continuar no páreo.
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CRISTIANE SEGATTO
25/07/2014 21h39
- Atualizado em
31/07/2014 15h33
Kindle
>> Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana:
Para descobrir a idade de alguém, observe as mãos. Essa estratégia,
quase sempre infalível, não funciona com Adib Jatene, de 85 anos, o mais
célebre dos cirurgiões cardíacos brasileiros. Com poucas rugas e unhas
muito bem aparadas, as mãos dele parecem 20 anos mais jovens. Comandadas
por um cérebro admirável, elas executaram 40 mil operações. Há poucos
meses, Jatene abandonou as salas de cirurgia. Tem consciência das
limitações físicas impostas pelo tempo. Isso não significa a
aposentadoria. Sua agenda continua lotada. Todos os dias, atende
pacientes no Hospital do Coração (HCor), em São Paulo. Circula pelos
corredores numa cadeira motorizada ou apoiado numa bengala. Há três
meses, foi submetido a uma cirurgia de coluna. Um estreitamento na
medula provocava-lhe dores terríveis. Está em recuperação. “Se fosse dar
valor a isso, ficaria inutilizado”, diz. “Nunca me queixo.”Sempre que pode, ele dá uma escapada até a oficina do Instituto Dante Pazzanese, hospital cardiológico que mantém um laboratório de equipamentos médicos. Jatene tem lugar cativo e seu nome está inscrito na bancada. É lá que se revela uma de suas vocações mais genuínas e pouco conhecidas: Jatene tem cabeça de engenheiro e espírito de Professor Pardal. Trabalha, com entusiasmo, na criação de uma versão barata da caríssima bomba implantável capaz de substituir, temporariamente, o coração de pacientes inscritos na fila de transplante.
E SE A MEMÓRIA FALHAR?
Dicas práticas para contornar as dificuldades mais comuns
NOMES SÃO UM PROBLEMA?
O que pode ajudar
• Quando conhecer alguém, procure dizer o nome (uma ou mais vezes) durante a conversa.
• Sempre que for apresentado a alguém, pense se gosta ou não daquele nome.
• Pense em gente que você conhece com o mesmo nome.
• Associe o nome a uma imagem. Se a pessoa se chama Vitória, tente imaginá-la no alto do pódio, recebendo uma medalha. Não ria! Quanto mais detalhes você criar, mais facilmente lembrará o nome quando precisar.
• Para garantir, anote o nome na agenda ou no celular.
NUNCA SABE ONDE DEIXA AS COISAS?
O que pode ajudar
• Coloque objetos de uso corriqueiro (chaves, óculos de sol etc) sempre no mesmo lugar.
• Para outras coisas, repita em voz alta onde as deixou. Não tenha vergonha.
• Se desconfiar de que esquecerá onde colocou algo, pare e observe bem a cena.
• Se ainda assim acha que não conseguirá se lembrar, anote o lugar num papel ou numa agenda.
VAI ESQUECER O QUE ALGUÉM DISSE?
O que pode ajudar
• Se acha que pode esquecer, peça para a pessoa repetir.
• Peça para ela falar devagar. Fica mais fácil se concentrar no que importa.
• Pense no que ela disse e reflita sobre o significado daquilo.
• Se a informação for complicada (uma recomendação médica), use o gravador do celular ou anote.
NÃO PODE SE ESQUECER DE TAREFAS?
O que pode ajudar
• Anote na agenda a data e a hora do que é preciso fazer.
• Deixe mensagens para você mesmo na porta da geladeira, na mesa do escritório ou em outro local de fácil acesso.
• Peça para um amigo ou parente lembrá-lo de encontros ou tarefas importantes.
• Coloque, em lugar visível, um objeto relacionado àquilo que você precisa se lembrar de fazer. Se não pode se esquecer de comprar ração para o cachorro, deixe a embalagem vazia perto da porta.
• Se precisa tomar remédio em horários certos, programe um alarme. Ou anote, num pequeno calendário, cada dose ingerida ao longo do dia.
(Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras)
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