Corruptos públicos e privados Até recentemente, no Brasil, o empresário era considerado, em princípio, honesto e cumpridor das leis, mas .... maior vantagem econômica à empresa privada contratante.

País - Sociedade Aberta

Corruptos públicos e privados

Dalmo de Abreu Dallari
Até recentemente, no Brasil, o empresário era considerado, em princípio, honesto e cumpridor das leis, mas que, apesar disso,  na obtenção de contratos para a execução de obras e serviços comandados pelo setor público era muitas vezes coagido, por servidores públicos encarregados da escolha dos contratantes ou do controle da execução dos contratos, à utilização de artifícios ilegais enquadrados como práticas de corrupção. Isso implicando o pagamento de propinas aos agentes públicos, mas também proporcionando maior vantagem econômica à empresa privada contratante. Muitos tinham conhecimento dessas práticas, mas sempre se considerou corrupto o agente público, excluindo desse enquadramento e de eventual punição o agente privado beneficiário da corrupção. Muito recentemente ocorreu fundamental modificação dessas concepções. Com a intenção de ampliar as possibilidades de denuncia das práticas de corrupção e tendo em vista, acima de tudo, a identificação e  punição de agentes públicos corruptos, foram intensificadas as denúncias e ampliados os meios legais de investigação para obtenção de provas e punição dos responsáveis. Assim foi incluída na legislação brasileira a prática que se generalizou e ganhou grande ênfase no noticiário da imprensa e na linguagem do povo como delação premiada. Mas os efeitos dessa e de outras inovações da mesma inspiração foram muito mais amplos do que esperavam os seus proponentes, pois a ampla publicidade e a condenação enfática dessas práticas de corrupção  acabaram despertando as consciências para as agressões ao interesse público e para os tremendos prejuízos sofridos por todo o povo em decorrência de tais ilegalidades. Passou-se a dar publicidade aos valores extremamente elevados envolvidos nessas práticas de corrupção, revelando-se  que a par das propinas favorecendo os servidores públicos havia o desvio ilegal de somas altíssimas em benefício de empresas e empresários participantes da corrupção. E tudo isso aumentando o custo e muitas vezes comprometendo a qualidade das obras e dos serviços contratados por órgãos públicos com entidades privadas, implicando desvio ilegal do dinheiro do povo.
A partir de então – e isso é bem recente – não se deixou de tratar como corrupto o servidor público participante dessa trama, seja ele do mais alto nível da organização pública, como um Ministério ou uma das casas do Congresso Nacional, havendo ainda alguns casos de identificação de membros do Judiciário participantes de práticas de corrupção. Mas, a par disso, empresários muito poderosos, titulares e dirigentes de grandes empresas, passaram a ser publicamente identificados como corruptos e muitos deles foram enquadrados criminalmente e recolhidos à prisão. Evidentemente, os corruptos desse nível preservam ainda certos privilégios, em decorrência, sobretudo, de seu poder econômico. Assim, por exemplo, eles são defendidos pelos advogados mais prestigiosos da área criminal, que se valem de sua experiência e de seu aparato advocatício para obter condições mais favoráveis para os seus clientes presos.
Bem ilustrativo disso é o caso de grandes empresários ou de politicos de prestígio recolhidos num presídio comum, superlotado. Graças ao desempenho de seus advogados, eles obtêm, em primeiro lugar, a assistência de um médico com a recomendação de cuidados especiais, inclusive na alimentação. Com base nesse atestado, o advogados obtêm decisão judicial transferindo o preso para um ambiente mais favorável, sabendo-se, por ser público e notório, que os presídios brasileiros, de modo geral, estão superlotados, o que torna impossível um tratamento individualizado e facilita a prática de violências entre os presos ou entre estes e os agentes penitenciários.
A prisão de empresários e politicos corruptos leva à configuração de uma nova realidade brasileira e merece reflexão. Não teria sentido exigir que todos os presos, sem exceção, incluindo os empresários, sejam tratados com igualdade nos presídios, isso significando que todos devem ser  submetidos a condições degradantes e sofrer restrições que vão muito além da simples perda da liberdade de locomoção. Mas o conhecimento dessa nova realidade deve influir para que todos os responsáveis e aqueles que puderem exercer influência, ou atuando como agentes públicos ou militantes da cidadania, superem a absurda e injusta distinção entre corruptos públicos e privados e os presidiários comuns, exigindo que a todos seja preservada a dignidade e se dê efetividade ao preceito normativo da Declaração Universal dos Direitos Humanos segundo o qual « todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos ».  
* jurista
 copiado http://www.jb.com.br

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