COREIA DO NORTE APRENDEU COM LÍBIA A NUNCA ENTREGAR SUAS ARMAS NUCLEARES, DIZ CHEFE DE INTELIGÊNCIA

This undated picture released from North Korea's official Korean Central News Agency (KCNA) on January 12, 2014 shows North Korean leader Kim Jong-Un (front L) inspecting the command of Korean People's Army (KPA) Unit 534.    AFP PHOTO / KCNA via KNS    REPUBLIC OF KOREA OUT   THIS PICTURE WAS MADE AVAILABLE BY A THIRD PARTY. AFP CAN NOT INDEPENDENTLY VERIFY THE AUTHENTICITY, LOCATION, DATE AND CONTENT OF THIS IMAGE. THIS PHOTO IS DISTRIBUTED EXACTLY AS RECEIVED BY AFP    ---EDITORS NOTE--- RESTRICTED TO EDITORIAL USE - MANDATORY CREDIT "AFP PHOTO / KCNA VIA KNS" - NO MARKETING NO ADVERTISING CAMPAIGNS - DISTRIBUTED AS A SERVICE TO CLIENTS        (Photo credit should read KNS/AFP/Getty Images)


31 de Julho de 2017, 9h45
O EX-SENADOR AMERICANO DAN COATS, diretor de Inteligência Nacional do governo Trump, causou grande surpresa na última sexta-feira no Fórum de Segurança de Aspen ao falar a verdade sobre a política externa norte-americana.
O ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, 33, não é louco, segundo Coats. “Há uma lógica por trás de seus atos”, afirma. Segusndo ele, o líder do país asiático baseia suas ações no fato de os EUA já terem demonstrado que a Coreia do Norte precisa manter seu arsenal nuclear para garantir “a sobrevivência do regime”.
“Penso que Jong-un percebeu a capacidade de barganha das nações que possuem armas nucleares, que têm um grande poder de dissuasão”, afirma. E acrescenta: “A lição que aprendemos com a Líbia, que desmantelou seu programa nuclear, (…) foi infelizmente esta: se você tem bombas atômicas, nunca deve se desfazer delas. Se não tem, trate de obtê-las.”
Trata-se de uma evidência gritante, principalmente depois da derrubada, com a ajuda dos EUA, do longevo ditador da Líbia, Muammar Gaddafi, em 2011. Porém essa realidade nunca – ou quase nunca – havia sido reconhecida por um alto funcionário do governo americano. Vamos à sequência cronológica dos fatos:
Em dezembro de 2003, a Líbia anunciou a entrega de seus estoques de armas biológicas e químicas, bem como o desmonte de um rudimentar programa de armas nucleares.
Comemorando a decisão, o então presidente americano, George W. Bush, declarou: “Aqueles líderes que abandonarem a busca por armas químicas, biológicas e nucleares – e seus vetores de lançamento – encontrarão um caminho livre para a melhora das relações com os Estados Unidos e outras nações democráticas”. Paula DeSutter, secretária de Estado adjunta de Verificação e Conformidade do governo Bush, explicou: “Queremos que a Líbia sirva de exemplo para outros países”.
Em 2011, os Estados Unidos, a ONU e a Otan realizaram uma série de bombardeios para ajudar os insurgentes líbios a derrubarem o governo. O próprio Gaddafi foi capturado por uma facção rebelde – o ditador teria sido sodomizado com uma baioneta e depois assassinado.
Um acontecimento como esse deve ter atraído a atenção da cúpula do governo norte-coreano, que também viu o Iraque ser desarmado e invadido – e seu ditador executado por uma multidão em fúria.
De fato, a Coreia da Norte chegou a comentar o caso publicamente, à epoca. O ministro das Relações Exteriores do país declarou: “A crise líbia é uma grave lição para a comunidade internacional”. Segundo ele, o acordo que levou à entrega das armas de destruição em massa da Líbia havia sido “uma tática para desarmar o país”.
Mas o governo Obama negou esse fato descaradamente. Um repórter disse ao então porta-voz do Departamento de Estado, Mark Toner, que os norte-coreanos não viam o que estava acontecendo como um incentivo para desistir de seu programa nuclear. “A situação atual da Líbia não tem absolutamente nenhuma ligação com o abandono de seu programa e arsenal nucleares”, respondeu Toner.
Mas os norte-coreanos sabem ler; portanto estão perfeitamente a par das motivações da elite da política externa americana, que já explicou em diversas ocasiões por que os EUA desejam o desarmamento de países pequenos. Não é por medo de que os EUA sejam atacados por armas de destruição em massa, pois nações como a Coreia do Norte sabem que seriam imediatamente aniquiladas. Em vez disso, os mandachuvas norte-americanos dizem abertamente que o problema reside no poder de dissuasão do armamento não convencional – eles desestimulam um ataque dos EUA a países menores e mais fracos.
Há muitos exemplos disso. Por exemplo, em uma circular de 2001, o então secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, declarou:
“Muitas dessas [pequenas nações inimigas] são ferrenhamente hostis aos Estados Unidos, e estão se armando para nos dissuadir de usar forças convencionais e nucleares para intervir em crises regionais (…).
“O acesso universal a essas tecnologias [de armas de destruição em massa] pode engendrar respostas ‘assimétricas’ que, embora não possam derrotar nossas forças, podem cortar o acesso a áreas cruciais na Europa, Oriente Médio e Ásia. (…) uma abordagem ‘assimétrica’ pode limitar a nossa capacidade de empregar nosso poderio militar.”
think tank Project for a New American Century – um grupo de pressão neoconservador que teve muita influência sobre o governo de George W. Bush – reiterou essa posição em um influente artigo intitulado “Reconstruindo as Defesas Americanas”:
“Os Estados Unidos também devem contrapor-se aos efeitos da proliferação de mísseis balísticos e armas de destruição em massa, que em breve poderão permitir que Estados menores exerçam uma influência dissuasiva sobre o exército americano, ameaçando nossos aliados e até o próprio território nacional. De todas as missões atuais e vindouras das forças armadas dos EUA, essa deve ser prioritária.”
“No mundo pós-Guerra Fria, em vez da União Soviética, os Estados Unidos e seus aliados se tornaram a principal ameaça à defesa de nações como Iraque, Irã e Coreia do Norte – os países que mais tentam desenvolver armamento com poder de dissuasão.”
O próprio Dan Coats reconhece isso em um artigo de opinião de sua coautoria, publicado em 2008. “Uma República Islâmica do Irã com armamento nuclear será estrategicamente insustentável”, escreve ele, mencionando o efeito dissuasivo das armas não convencionais. “Para evitar que o Irã adquira a capacidade de nos dissuadir, talvez tenhamos que atacá-los”, explica.
Veja o vídeo e a transcrição dos comentários de Coats abaixo:

DAN COATS: Isso é uma potencial ameaça à existência dos Estados Unidos e é uma séria preocupação.
LESTER HOLT: Em relação às opções à nossa disposição, sabemos que não temos muitas. Muitas delas têm a ver com tentar entender a cabeça de Kim Jong-un, mas suponho que poucas coisas sejam tão difíceis quanto tentar prever o comportamento de alguém.
COATS: Ele tem demonstrado um comportamento que gera certos questionamentos em relação a que tipo de pessoa ele é, como pensa e como se age. Mas chegamos à conclusão de que, embora um tipo muito incomum, louco ele não é. Há uma lógica por trás de seus atos – a lógica da sobrevivência do seu regime, a sobrevivência do seu país. Penso que Jong-un percebeu a capacidade de barganha das nações que possuem armas nucleares, que têm um grande poder de dissuasão. A lição que aprendemos com a Líbia, que desmantelou seu programa nuclear, e com a Ucrânia – que fez o mesmo – foi infelizmente esta: se você tem bombas atômicas, nunca deve se desfazer delas. Se não tem, trate de obtê-las. Estamos vendo muitos países tentando adquiri-las atualmente – e nenhum deles com mais afinco do que a Coreia do Norte…
Foto do topo: O líder norte-coreano Kim Jong-un inspeciona a unidade de comando 534 do Exército Popular da Coreia em 12 de janeiro de 2014.
Tradução: Bernardo Tonasse
copiado https://theintercept.com/2017/07/31/

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