Favela no Brasil é bairro de luxo perto de campo de refugiados, diz Drauzio
A primeira visita do médico Drauzio Varella a um campo de refugiados foi durante as gravações de Drauzio em Campo: Líbano e Jordânia, parceria da produtora Uzumaki com MOV, a nova produtora de vídeos do UOL. "Nunca tinha visitado um campo destes antes. É chocante porque, se você comparar com as favelas aqui, por exemplo, elas são um bairro de luxo perto daquilo", disse o oncologista em entrevista ao UOL ao comentar a série de três episódios, feita a convite da organização internacional MSF (Médicos sem Fronteiras).
Drauzio, visitou, durante dez dias, o campo de refugiados de Abu Farris, no Líbano, onde vivem cerca de 280 famílias, e as cidades de Majdal Anjar e Arsal, também em território libanês. Ele ainda passou por clínicas de MSF e um hospital da organização em Amã, na Jordânia, que atende vítimas de diferentes conflitos da região.
"Quando vi aquela geração de crianças e adultos, aquilo me lembrou uma situação de cadeia. As pessoas têm uma tristeza, uma desesperança no olhar", relatou.
O local visitado por Drauzio Varella é pequeno se comparado com os maiores campos de refugiados da ONU (Organização das Nações Unidas) pelo mundo, que funcionam como verdadeiras cidades improvisadas e abrigam milhares de pessoas em situação de vulnerabilidade.
O campo de Abu Farris é também antigo. Foi criado em 1947 por refugiados palestinos, que, segundo o médico, hoje moram em construções de alvenaria. Já os sírios em fuga do conflito que já dura oito anos não têm permissão para erguer suas casas e vivem em barracas cedidas pela ONU.
Drauzio contou que ficou impressionado com o número de crianças no campo de refugiados, a maior parte delas invisíveis, porque as que nascem no campo libanês são apátridas, ou seja, não têm direito à cidadania e precisariam ser registradas em missões diplomáticas sírias. As famílias, que mal têm condições financeiras para se sustentar, não conseguem bancar o traslado e o registro. Mesmo sem o registro de nascimento, todas são atendidas gratuitamente pela organização MSF.
Você chega e vê crianças por todo lado. Você olha e elas estão brincando, correndo. São como qualquer criança. Mas a gente não sabe como será o futuro delas. Imagine só quando elas chegarem à adolescência e não tiverem cidadania de país nenhum, nenhuma possibilidade de mudar de vida, sem poder trabalhar. O que vai acontecer com essa geração?
Drauzio Varella, médico, sobre as crianças nos campos de refugiados
Drauzio Varella, médico, sobre as crianças nos campos de refugiados
Atendimento diferente do que é feito em uma guerra
Drauzio Varella diz que o atendimento da equipe de MSF é bem diferente do imaginado em um cenário de guerra e pobreza. "Quando a gente pensa em campo de refugiados, imagina aqueles países da África, gente no meio da guerra, vítimas de malária e ebola. Na verdade, lá no Líbano, a organização MSF encontrou uma situação diferente e acabou se adaptando a essa nova realidade. Essas pessoas têm problemas como pressão alta, diabetes, doenças reumatológicas e cardiovasculares", conta o médico.
"Imagine um diabético sem insulina. Sem remédio para controle, as pessoas morrem", diz. O médico cita ainda que viu muitos casos de obesidade e as doenças decorrentes dela, além dos atendimentos às gestantes.
A MSF faz uma campanha de conscientização de planejamento familiar no campo e nas clínicas em que os refugiados são atendidos, mas, segundo o que o médico viu durante sua visita, a decisão sobre a adoção ou não de método contraceptivo por lá é uma decisão do homem, e não da mulher.
"A MSF oferece a pílula anticoncepcional, o DIU e outros métodos mais comuns. Mas o marido precisa autorizar a mulher a usar. Sem a permissão dele? Nada feito. A ONG ainda procura explicar, mas, se o marido diz que não, esquece. Ela não vai ter acesso a nada", relata Drauzio.
O médico afirma que o impacto da guerra nessas famílias será "brutal". "Essas pessoas tinham bens, um nível de vida razoável, e perderam absolutamente tudo o que tinham. E aí elas vêm para estes campos para levar uma vida miserável, sem qualquer condição ou dinheiro. O impacto é brutal."
"Além disso, muitos perderam filhos, mães e pais na guerra. É muito comum conversar com mulheres e homens que não sabem o paradeiro de dois, três filhos. Perderam o contato e não sabem o que aconteceu. Uns foram sequestrados pelo Estado Islâmico, outros se alistaram tanto no EI quanto no governo. Outros simplesmente desapareceram. De repente, o filho está de um dos lados da guerra e a família perde o contato, perde tudo e foge. Vai para o Líbano, e famílias inteiras se dispersam pela região."
Drauzio lembra ainda uma das entrevistas que fez com um sírio. "Perguntei a ele sobre a vontade de voltar a viver na Síria, e ele diz que sim, que voltaria. Mas para onde? Ele perdeu a casa, então vai voltar a viver em uma barraca idêntica à que vive no campo de refugiados", relata.
"A questão é que há paz no campo. Se ele volta para a Síria, ainda existe a questão de que não se sabe de que lado esta família estava na guerra, já que não existe neutralidade em uma situação desta. Vai colocar sua família em risco ao voltar a um lugar deste? Eles não têm alternativas, então ficam no Líbano vivendo sob estas circunstâncias", afirma o médico.
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