De quem é a culpa? Mas acredito que casos de violência contra a mulher não podem ser tratados apenas academicamente como se fossem questões simples. Estou no mínimo curiosa para entender os fundamentos que levaram este juiz culpar a Lei. **nomes foram alterados para preservar a identidade dos entrevistados

De quem é a culpa?


Campanha contra Violência sobre as mulheres. Foto Lúcio Távora/ObritoNews

Nestes últimos dias tenho lido dos mais diversos comentários sobre o lançamento do livro “A discriminação do gênero-homem no Brasil em face à Lei Maria da Penha”, do juiz criminalista Gilvan Macêdo dos Santos. Por conta da polêmica gerada, o evento que estava marcado para terça-feira (19) no salão do Tribunal de Justiça de Pernambuco foi cancelado.

Em suas 450 páginas, a proposta do autor é “abordar a solução do cenário de inconstitucionalidades e injustiças contra o homem advindo da Lei Maria da Penha”. O assunto trazido logo no desenho da capaprocura passar a ideia de que há mulheres que provocam homens por já terem conhecimento sobre a Lei Maria da Penha – e que estes têm de se controlar para não agredi-las. Muitos até ficariam de braços cruzados.
O que quero abrir aqui transcende essa discussão, e aborda algo que nenhuma lei ampara: a falta de caráter. Conheci Rafael** um homem de 58 anos que casou com uma mulher no auge da sua juventude. Segundo ele, a princípio, sua esposa era uma mulher doce, encantadora, mas que, com o passar do tempo, foi se transformando. Rafael não soube me explicar o motivo. Ela fazia exigências para que ele pudesse entrar em casa, outras vezes já chegou a quebrar algo de vidro em sua cabeça e até a esfaqueá-lo. Quando ela fez isto, ameaçou: “se você for à polícia, quando voltar eu estarei toda cortada, vamos ver em quem eles vão acreditar!”.
Ficou anos ao lado dessa mulher. Pelos filhos, disse ele.
Quando as crianças cresceram, se separaram. E a ex-esposa? Faz tratamento psiquiátrico há 20 anos. Em uma ocasião, se encontraram e ela fez mais uma de suas exigências. Desta vez ele não atendeu. No dia seguinte, recebeu uma intimação para prestar esclarecimentos. Ela o denunciou com base na Lei Maria da Penha.
Outro caso que conheci foi o de um policial, chamado Marcos**. Apesar de ele já ter se separado da sua esposa, ainda havia algumas roupas na antiga casa. “Eu tinha ido deixar meus filhos. Ela ficou dentro de casa e acenou para eu entrar, peguei minhas roupas e saí. O problema é que de onde ela estava, as câmeras não a pegavam. Fui denunciado por invasão de propriedade”. Hoje ele anda com óculos escuros ‘especiais’, nele há uma câmera. E tem orgulho de mostrar. Diz que todos os homens deveriam usar.
Nestes dois casos há uma roupagem diferente. Uma linha tênue entre distúrbio e falta de caráter por querer tirar vantagem de um aparato legal que visa assegurar direitos individuais. Não é um episódio isolado, muitas pessoas procuram brechas em diversas leis para se beneficiar. Por que a Maria da Penha seria diferente?
Segundo a pesquisa do Instituto Avon/Data Popular publicada em 2015, 37% dos homens acham que as mulheres os desrespeitam mais por conta da Lei Maria da Penha e outros 81% dos homens são favoráveis a que esta Lei seja usada também para protegê-los. O problema é que hoje nenhum homem é morto pelo simples fato de ser homem. Em sua maioria, morrem por violência urbana. Ou seja, não é crime de gênero.
Milhares de mulheres são assassinadas por ciúmes ou por motivos de posse. Homens que se acham no direito de serem donos dessa figura feminina, e decidem para onde ela vai, com quem, com que roupa – e na maioria das vezes elas nem vão, só para não chatear o companheiro ou para não apanhar.
Infelizmente, muitas mulheres quando se separam e encontram outro amor são mortas também. De acordo com levantamento realizado pelo Senado, 74% das pessoas acham que as vítimas não denunciam por medo do agressor, 36 % por dependência financeira e 34% pelos filhos. Será ainda que a culpada é Lei Maria da Penha?
O juiz pode ter sido infeliz, e ter uma visão turva da realidade quando resolveu apontar o dedo para a Lei. Não é ela que precisa de reparos, mas as pessoas. Há sim, homens que batem em mulheres – isso é incontestável- e há também mulheres que tiram proveito da própria lei para usar e conseguir o que querem: incriminar seus parceiros. E é aí que entra a investigação policial para dar um pente fino.
O problema é que, até constatar que a denúncia era falsa, centenas de mulheres que realmente sofrem de violência física, psicológica ou patrimonial ficam esperando na ‘fila’ para serem atendidas. Ao invés de os policiais estarem prendendo homens perigosos que cometem crimes hediondos, estão tendo suas ações atrasadas por denúncias de ódio. Pastas e mais pastas de falsos crimes atrasam a punição dos verdadeiros.
A Lei Maria da Penha não é questão de dar privilégios às mulheres ou discriminar os homens. É um instrumento que ampara as mulheres e que dá coragem para que denunciem seus agressores. Há milhares de mulheres que, pelo incentivo desta Lei, delatam e escapam das estatísticas. E desde a sua criação, em 2006, ela vem ensinando que se deve sim meter a colher em briga de marido e mulher.
Pisamos em ovos quando falamos desses assuntos. Mas em tudo nessa vida há questão de dois lados. O que não podemos deixar de constatar é que provavelmente histórias contadas neste texto são mínimas se comparadas aos números de feminicídio. Ainda não li o livro, que afinal está sendo vendido apenas em Recife. Mas acredito que casos de violência contra a mulher não podem ser tratados apenas academicamente como se fossem questões simples. Estou no mínimo curiosa para entender os fundamentos que levaram este juiz culpar a Lei.
**nomes foram alterados para preservar a identidade dos entrevistados
copiado https://osdivergentes.com.br

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