Campanha de Bolsonaro lembra Chávez, mas democracia brasileira é mais forte que a venezuelana, vê analista americano
Professor da American University, Matthew Taylor diz que o discurso adotado pelo candidato do PSL ao longo da campanha se assemelha a táticas de Maduro e Chávez. Ele lembra que os chavistas promoveram uma 'erosão gradual' das instituições democráticas, com ataques progressivos ao Judiciário e ao Legislativo.
Autor de diversos livros e pesquisas sobre a democracia brasileira, o cientista político americano Matthew Taylor, professor da American University, em Washington D.C, diz que as declarações do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL), filho do candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL), de que bastariam um "cabo e um soldado" para fechar o Supremo Tribunal Federal (STF) são mais um sinal de "alerta" às instituições democráticas do Brasil.
"Eu acho que esse é um momento de grande alerta para o Brasil e a democracia brasileira. Eu me pergunto até que ponto Eduardo Bolsonaro estava falando seriamente ou se reagiu de forma mais enfática do que gostaria. Mas eu acho que temos, sim, razão para estar profundamente preocupados", afirmou, em entrevista à BBC News Brasil.
Em vídeo gravado em julho, disponível na internet, Eduardo Bolsonaro aparece numa sala de aula de um cursinho para interessados em ingressar na Polícia Federal, em Cascavel (PR). Ele é perguntado por um aluno sobre o que poderia ser feito caso o STF impugnasse a candidatura ou diplomação do pai dele por fraude eleitoral. Eduardo respondeu, em tom de ameaça, que o tribunal "terá que pagar para ver o que acontece" e argumentou que dificilmente haveria reação popular se um ministro do Supremo fosse preso.
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A declaração gerou forte reação entre ministros da Corte. O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, afirmou que "atacar o Poder Judiciário é atacar a democracia", enquanto Celso de Mello - decano do Supremo - disse que a fala foi "inconsequente e golpista".
Taylor pondera que o comentário do deputado pode ter sido "irrefletido" e vê como positivo o fato de Jair Bolsonaro ter reagido dizendo que "qualquer um que queira fechar o Supremo precisa ir a um psiquiatra". Mas o pesquisador americano enxerga semelhanças entre a postura do candidato do PSL à Presidência ao longo da campanha com a adotada por Hugo Chávez e Nicolás Maduro, na Venezuela, embora ideologicamente Bolsonaro e os chavistas estejam em lados opostos. E diz que o Brasil precisa ficar atento a eventuais propostas de mudanças na composição e indicação de membros de tribunais e do Ministério Público.
O cientista político lembra que Bolsonaro disse que, se eleito presidente, não vai escolher o futuro procurador-geral da República de uma lista tríplice elaborada pelo Ministério Público, como tem sido a praxe desde 2003.
O candidato do PSL também chegou a propor - e depois voltou atrás - aumentar o número de ministros do STF de 11 para 21, prática semelhante à adotada por Chávez para formar uma maioria que apoiasse o governo no tribunal.
"O receio que eu tenho é de que Bolsonaro atue de forma a lentamente erodir as instituições democráticas como Chávez fez de forma muito eficiente na Venezuela. Eu comparo frequentemente a Venezuela e a administração de Chávez à metáfora de ferver um sapo. O sapo não foge da panela e não percebe que vai morrer quando você vai ajustando a temperatura lentamente", disse à BBC News Brasil.
O professor da American University é autor dos livros Judging Policy: Courts and Policy Reform in Democratic Brazil (Julgando política: Tribunais e reforma política no Brasil democrático) e Corruption and Democracy in Brazil: The Struggle for Accountability (Corrupção e democracia no Brasil: a luta por fiscalização), este último em coautoria com o Timothy J. Power, diretor do Programa de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford.
Taylor também foi professor e pesquisador do Woodrow Wilson Centre, um dos proncipais centros de pesquisa em política e relações exteriores dos Estados Unidos, com sede na capital americana.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
BBC News Brasil - O comentário de Eduardo Bolsonaro de que bastariam um cabo e um soldado para fechar o Supremo devem ser visto como alerta às instituições democráticas ou pensar isso seria exagero?
Matthew Taylor - Esse é um momento de grande alerta para o Brasil e a democracia brasileira. É um momento de preocupação para muitos brasileiros. Mas o comentário foi em resposta a uma pergunta e não me pareceu ter sido refletida. Eu me pergunto até que ponto Eduardo Bolsonaro estava falando seriamente ou se reagiu de forma mais enfática do que gostaria.
Também acho que a resposta do pai dele foi correta quando disse que qualquer pessoa que fale em fechar o Supremo precisa consultar um psiquiatra. Então, esse é um sinal positivo. Mas eu acho que temos, sim, razão para estar profundamente preocupados com o fato de termos um candidato que é um expoente de um braço mais radical do Exército, que já defendeu o regime militar e que se guia por uma retórica de lei e ordem num país que historicamente teve abusos a direitos civis e continua a ter hoje.
O receio que tenho é de que Bolsonaro atue de forma a lentamente erodir as instituições democráticas como Chávez fez de forma muito eficiente na Venezuela. Eu comparo frequentemente a Venezuela e a administração de Chávez à metáfora de ferver um sapo. O sapo não foge porque você vai ajustando a temperatura lentamente.
BBC News Brasil - Que comportamentos adotados por Chávez e Maduro podem servir ao Brasil como exemplos de alerta de uma eventual guinada antidemocrática?
Taylor - A Venezuela é um exemplo poderoso, porque é um exemplo de erosão lenta das instituições e dos atores democráticos a ponto de essas instituições deixarem de apresentar qualquer risco ou desafio ao Executivo. Chávez começou lentamente, nomeando juízes para a Suprema Corte que eram membros do seu partido ou que compartilhavam de seus objetivos políticos.
Aos poucos, ele passou não apenas a nomear quem fosse do seu grupo político, mas também a se livrar de oponentes na Suprema Corte. Ou seja, ele começou formando novas maiorias para, então, ativamente remover quem se opusesse a ele nos tribunais. O controle das Cortes por Chávez, em 2002 e 2003, removendo os membros da oposição, permitiu que o Judiciário adotasse medidas contrárias ao Legislativo em disputas entre Congresso e Executivo.
O Brasil deve ficar em alerta em relação a esse padrão. Mas acho que a proteção institucional para indicações e aprovação dessas indicações aos tribunais é mais forte no Brasil. Se Bolsonaro manifestar e mantiver a intenção de mudar o processo de mudança das nomeações ao Supremo ou Ministério Público, isso será um alerta de objetivos antidemocráticos.
BBC News Brasil - O senhor vê semelhanças, portanto, entre o discurso de Bolsonaro e o de Chávez?
Taylor - Claramente, Chávez adotava um tom de campanha similar ao de Bolsonaro. Num sistema político em que os partidos tradicionais são desacreditados por escândalos, má gestão e crises, Chávez apareceu se apresentando como um "outsider" e, assim como Bolsonaro, ele tinham um passado militar. Claro que há grande diferença ideológica entre eles, mas nós podemos ver algumas semelhanças também no discurso.
A diferença é que Chávez desde cedo se estabeleceu como populista, no sentido de que todo o movimento era sobre ele, como um líder do povo, 'el Pueblo'. Não vejo Bolsonaro fazendo o mesmo. Ou pelo menos não tão enfaticamente. Isso é importante porque permitiu a Chávez concentrar em si poder e fazer nomeações para cargos baseadas na lealdade das pessoas a ele. As instituições passaram a ser ocupadas por quem claramente se identificasse como chavista. Não vejo o mesmo movimento no Brasil.
A campanha de Bolsonaro apresentou propostas preocupantes em relação à preservação das instituições, mas o populismo não está presente da mesma forma. O fato de ter Paulo Guedes como conselheiro econômico e uma figura central na campanha indica que Bolsonaro percebe que um populismo daquela forma não funcionaria ou teria de ser disfarçado. Ele não teria a mesma possibilidade de concentrar poderes ao ponto de negligenciar o poder dos mercados, da sociedade ou da democracia como um todo.
BBC News Brasil - Mas ele também é identificado por alguns apoiadores como 'o mito' ou a única pessoa capaz de mudar o país...
Taylor - Sim. Mas o fato é que Bolsonaro já deu pistas de que estaria aberto a discutir com outras forças políticas. Eu não quero sugerir com isso que ele (Bolsonaro) não seja radical. Mas Chávez tinha algumas características particulares. Era um homem que tentou um golpe, falhou e chegou a ser preso. Ele usou essa trajetória para criar uma marca forte. Quanto a Bolsonaro, é difícil identificar quanto do apoio dele vem de pessoas nostálgicas do regime militar (que o encaram como mito) ou de pessoas que simplesmente estão cansadas da política tradicional e querem punir todos os partidos políticos. Bolsonaro pode ser chamado de mito por quem o apoia pela figura "militarista", mas muitos o enxergam não como mito, mas sim como alguém que não repetiria a mesma forma de fazer política de sempre de Brasília.
BBC News Brasil - Há quem diga que o PT também seria uma ameaça à democracia por já ter defendido reduzir a autonomia do Judiciário e do Ministério Público. Como o senhor vê esse receio?
Taylor - Sim, nós não podemos esquecer que o PT já ameaçou adotar medidas antidemocráticas no passado e recebeu a mesma resposta de repúdio que Bolsonaro tem recebido. Ainda assim, o partido continua a defender, por exemplo, a regulação da mídia. É o tipo de medida que sofre oposição diante do temor de que poderia levar a uma erosão progressiva do regime democrático. Mas eu tenho um temor menor de que Haddad pudesse se tornar um Maduro, porque já tivemos experiência de 13 anos do PT no poder.
Embora o PT tenha expressado admiração pelo regime de Chávez e Maduro, ele nunca tentou replicar as medidas mais autoritárias desses dois presidentes da Venezuela. Não temos um histórico de gestão de Bolsonaro para avaliar isso, mas acho que as instituições da democracia brasileira têm anticorpos mais poderosos que os da democracia da Venezuela.
BBC News Brasil - Num vídeo divulgado ontem, Bolsonaro disse que quando for eleito vai 'acabar com os marginais vermelhos' e disse que Haddad e Lula apodreceriam na cadeia. Pode haver uma perseguição a opositores após as eleições?
Taylor - Os instrumentos que um presidente da República no Brasil tem para perseguir oponentes são, felizmente, razoavelmente fracos. E suspeito que parte desse discurso seja eleitoreiro. Ele se beneficia com a estratégia de atacar o PT e classificar seus integrantes como criminosos, porque isso alimenta a imagem que ele vende como "outsider". Mas uma das coisas que me preocupam é que, se a oposição a Bolsonaro for muito fortemente associada ao PT e a Haddad, isso prejudique a habilidade de democratas brasileiros de agirem de forma contundente em defesa das instituições.
E Bolsonaro e seus apoiadores sabem disso. Por isso, eles tentam associar manifestações de preocupação com a democracia ao PT, a ponto de incluir ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no mesmo grupo de "esquerdistas".
BBC News Brasil - Quais os riscos dessa tática de desqualificar a oposição?
Taylor - Nós vemos isso em regimes autoritários de esquerda, como o da Venezuela. Lá, Maduro e Chávez foram eficientes em vender a imagem de que a oposição é um grupo único, homogêneo, embora a oposição seja bem dividida na Venezuela. Mas acho relevante que a gente observe sinais que mostram que Bolsonaro é um pouco diferente do que suas declarações radicais sugerem.
Ele voltou atrás em uma série de afirmações e parece estar disposto a alcançar algum tipo de acordo, reconhecendo que seria custoso fazer inimigos no Ministério Público, por exemplo. É importante prestar atenção à retórica, mas temos de dissociar isso da prática. Acredito que algumas de suas declarações mais radicais tendem a ser esvaziadas quando chegar o momento de as colocar em prática.
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