*Por Rodrigo Janot
Entender o que se passa com o complexo de barragens em Minas Gerais, exploradas há anos pela mineradora Vale S.A., e com olhos atentos perceber as consequências de décadas de acordos não cumpridos, falta de fiscalização governamental, planos de gestão e de segurança mal elaborados na área ambiental, investimentos pífios em controle e monitoramento de riscos, não é tarefa tão simples mesmo para mim, um “nascido e criado” como diz o ditado popular, em terras mineiras.
Conheci a região de Macacos, em Nova Lima, ainda menino. Fui testemunha do crescimento e potencial turístico que o povoado ganhou com a descoberta de suas belezas naturais. E recentemente, de forma triste, reapresentado ao local através de um chamado desesperado do Instituto Sebastião, entidade criada para atender moradores e comerciantes que possuem casas e propriedades em áreas consideradas de risco, próximas as barragens administradas pela empresa mineradora. Nos relatos sofridos, me deparei com o descaso, a falta de justiça e a ausência de condições mínimas de dignidade humana.
A companhia Vale S.A., antes do Rio Doce, criada por Getúlio Vargas e que opera neste país há quase 80 anos, com atuação em 14 estados brasileiros e cinco continentes, esbanjando em seus comerciais de TV uma espécie de marketing de sustentabilidade ambiental e preocupação com o desenvolvimento humano, parece não se importar com cada vida destruída, cada sonho interrompido
Mesmo depois das tragédias consideradas crimes ambientais em Mariana (novembro/2015) e Brumadinho (janeiro/2019), a Vale S.A. insiste em não compreender sua responsabilidade e declara em manchetes nas reportagens dos veículos de imprensa, que se esforça para dar uma “satisfação aos investidores” na busca de uma espécie de “obsessão por segurança”. Obsessão esta não vista na garantia do resgate da dignidade dos atingidos ou conforto pela perda de entes queridos, na agilidade em repor os prejuízos materiais aos lares destruídos que foram conquistados com uma vida inteira de trabalho ou mesmo, alguma preocupação mais eficaz com a real possibilidade de novos desastres.
Agora continuamos assistindo atônitos a possibilidade de um novo rompimento de barragem acontecer, desta vez em Barão de Cocais, onde moradores assustados dizem que não dormem tranquilos e embaixo de seus travesseiros já deixam uma muda de roupa pronta, a espera que a sirene toque e saiam correndo de suas casas na confirmação da tragédia anunciada. Não há como pedir paciência e compreensão dos atingidos e de quem vive a agonia do perigo iminente, mas estender a mão “paternalista” da empresa multinacional para investidores, dando a chamada “satisfação ao mercado”.
A companhia Vale S.A., antes do Rio Doce, criada por Getúlio Vargas e que opera neste país há quase 80 anos, com atuação em 14 estados brasileiros e cinco continentes, esbanjando em seus comerciais de TV uma espécie de marketing de sustentabilidade ambiental e preocupação com o desenvolvimento humano, parece não se importar com cada vida destruída, cada sonho interrompido. Fato é que, em janeiro de 2012, a Vale foi eleita pela Public Eye People´s, “premiação” realizada desde o ano 2000 pelas Ong's Greenpeace e Declaração de Berna, a pior empresa do mundo em ações voltadas para direitos humanos e meio ambiente.Diante dos fatos que aqui enumerei, depois de todos os relatos colhidos na região de Macacos e, já aposentado como Subprocurador Geral da República, mas muito animado em exercer a advocacia novamente, estou pronto para ajudar a resgatar um pouco da cidadania perdida aos que hoje estão à mercê de uma gigante do mercado. De forma Pro Bono como chamam os advogados, eu e o procurador paulista aposentado Márcio Elias Rosa, meu parceiro nesta empreitada, queremos compreender quais garantias esta empresa já ofereceu à população atingida pelo impacto causado por suas atividades na região e se suas ações emergenciais são suficientes para moradores e comerciantes recuperarem renda, autonomia e voltarem a dormir tranquilos.
Não temos tempo para esperar e nem podemos tolerar crimes praticados sob a justificativa de “desastres ambientais” ou, a máxima de que aqui só existem corruptores porque temos corruptos de sobra ou ainda, que este é o jeito brasileiro de se fazer negócio em nosso país
Esta é uma excelente oportunidade para que o governo mineiro e o governo federal, através de uma política de soberania nacional, estabeleçam regras claras às empresas que aqui atuam para que tenham foco em gestões voltadas para planos de segurança que atendam não o mercado, mas garantam integridade de vidas humanas, preservação ambiental e conservação do solo brasileiro. Que sejam exigidos programas de compliance eficientes com políticas e diretrizes estabelecidas para o negócio e suas atividades no sentido de evitar desvios de conduta de técnicos ou descumprimento de normas fundamentais, tão importantes na previsibilidade de riscos e acidentes.
Empresas só podem ser grandes se tiverem a compreensão que precisam ter uma atuação transparente e investir em diretrizes normatizadoras que as ajudem a promover mudanças nas suas rotinas internas de acordo com as exigências legais do país que atuam. Sabemos que já temos uma legislação norteadora criada em 2013, a intitulada Lei Anticorrupção, mas o caminho é longo para que as empresas internalizem todas as normas.
Com a experiência que reuni como Procurador Geral da República, quando atuei na operação Lava Jato, constatei que se faz urgente exigir um compromisso claro das empresas brasileiras e das que neste país quiserem atuar. Não temos tempo para esperar e nem podemos tolerar crimes praticados sob a justificativa de “desastres ambientais” ou, a máxima de que aqui só existem corruptores porque temos corruptos de sobra ou ainda, que este é o jeito brasileiro de se fazer negócio em nosso país.
* Rodrigo Janot é ex Procurador Geral da República, bacharel em Direito, mestre em Direito Comercial pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e pós-graduado em Direito na Scuola Superiore di Studi Universitari e di Perfezionamento S. Anna, Pisa/Itália. Também é subprocurador aposentado do Ministério Público Federal, professor do Centro de Ensino Unificado de Brasília (UNICEUB) e do Complexo de Ensino Renato Saraiva (CERS), e comanda o escritório Rodrigo Janot Advogados Associados.
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