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BOLSONARO APELA AO NACIONALISMO PARA ENCOBRIR SEUS CRIMES – MESMA DESCULPA USADA POR DITADORES
“O NACIONALISMO É o último refúgio dos canalhas”. Como toda a frase de efeito que resiste à força destruidora da passagem dos séculos, essa sentença proferida em 1775 pelo pensador inglês Samuel Johnson encerra uma pequena e importante lição histórica. Outra frase desgastada, porém profética, é a de Karl Marx no primeiro parágrafo do seu livro “O 18 de Brumário”: a história se repete “a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.”
No Brasil, a história da canalhice travestida de patriotismo já se repetiu como tragédia, como farsa, como picaretagem, como safadeza, em um moto-contínuo de altíssima velocidade. Agora, no governo Bolsonaro, vemos o nacionalismo canalha voltar à moda com toda força. Ao ouvir um par de verdades de Emmanuel Macron, o presidente que bate continência para a bandeira e para funcionários do governo americano se enrolou na bandeira nacional e saiu gritando “colonialista”!
Quando a ex-presidente chilena Michelle Bachelet, comissária dos Direitos Humanos na ONU, chamou atenção para as violações ocorridas no Brasil, o Bolsonaro também reagiu atacando a memória do pai dela, morto pelo ditador psicopata Augusto Pinochet, com a justificativa que era uma intromissão “na soberania brasileira”.
O apelo à retórica nacionalista é um recurso antigo usado por políticos brasileiros. Não foram raras as situações em que nossas elites fizeram uso de argumentos patrióticos e anti-colonialistas para justificar a realização ou manutenção de calhordices e crimes de proporções homéricas.
Se tivéssemos obedecido aos imperialistas em 1830, teríamos poupado mais de 1 milhão de vidas.
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Em 1826, negociamos um tratado com a Inglaterra, cujo primeiro parágrafo era cristalino:
“Não será lícito aos súditos do Império do Brasil fazer comércio de escravos na costa da África, debaixo de qualquer pretexto”.
A imposição britânica foi imperialista? Foi uma ingerência sobre nosso ordenamento jurídico? Violou nossa soberania? Sim, sim e sim. E bendito seja esse imperialismo. Se tivéssemos obedecido aos imperialistas em 1830, teríamos poupado mais de 1 milhão de vidas, número próximo aos que aqui desembarcaram entre 1830 e 1850.
No parlamento brasileiro, logo apareceram os escravocratas travestidos de patriotas para criticar o acordo. Defendiam a continuidade do tráfico de gentes, o mais vil e abjeto negócio da história do capitalismo. Em 1827, um deles, o deputado Cunha Mattos, denunciava:
Trecho de discurso do deputado Cunha Mattos, em 1827.
Cunha Mattos ainda disse: “Senhores, é moda do dia falar contra o tráfico de escravos: o abandonemos, mas que seja abandonado com honra, com dignidade, e sem intervenção da força armada inglesa”.
O também deputado Joaquim Ledo se enrolava na bandeira nacional e bradava: “Que vemos no tratado para a abolição do tráfico de escravos? Eterna vergonha, eterno opprobio, submettendo-se os brazileiros a penas cominadas por uma nação estrangeira (…).” No Brasil, como vemos nos discursos de Mattos e Ledo, não nos curvamos aos modismos bobos, como à civilização.
Durante a ditadura militar, quase um século e meio adiante na história, era notório o uso da tortura, o assassinato e o desaparecimento de adversários políticos como política de estado. Em 1972, a Anistia Internacional, agência ligada à ONU, produziu um documento em que relatava “surras severas, choques elétricos nos órgãos sexuais … de homens e mulheres, simulação de execuções e outros métodos de tortura psicológica”, como também relatos de “uma mulher estuprada por um de seus torturadores na frente de seu marido, e de crianças torturadas na frente de seus pais e vice-versa”. Tudo isso foi relatado em reportagem do New York Times. Por aqui, imperava o silêncio perturbador da censura.
A Comissão Internacional de Juristas, também ligada à ONU, denunciou, em 1970, o Brasil como um lugar em que a tortura se transformara em “arma política”. O relatório da comissão afirmava que, entre os métodos de tortura, havia o de “afundar a cabeça do prisioneiro em um balde cheio de água suja ou excremento” de forma a quase sufocá-lo.
O Papa Paulo VI também discursou contra a barbárie cultivada pelos militares brasileiros em discursos de sua janela no Vaticano, em 1970. O então ditador-presidente Emílio Garrastazu Médici respondeu às críticas do pontífice alegando que os que diziam tais coisas sobre o Brasil eram“maus brasileiros, comunistas e subversivos”. Maus brasileiros… Os militares brasileiros se agarraram com unhas, dentes, coturnos e óculos escuros ao patriotismo e às patriotadas.
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Reportagem do New York Times, 22 de outubro de 1970.
Durante o governo nos Estados Unidos de Jimmy Carter (1977-1981), as críticas ao regime brasileiro subiram de tom. Tanto pela defesa dos direitos humanos, que marcaria a trajetória de Carter, quanto pelo temor de que o Brasil caminhava para desenvolver tecnologia nuclear para fins militares. Ernesto Geisel, então ditador-presidente do Brasil, pôs fim ao acordo militar entre Brasil e EUA, assinado por Getulio Vargas nos anos 1950. Tudo isso em resposta a um relatório escrito por Carter com críticas ao Brasil por conta das violações dos direitos humanos.
Hoje, graças a documentos americanos, sabemos que Geisel deu seu aval à política de “execução sumária” de adversários do regime. Que bom foi esse imperialismo americano que jogou luz nos crimes cometidos pelo regime autoritário brasileiro.
Hoje, vemos o bolso-olavismo se apoderar dos símbolos pátrios. A bandeira do Brasil pendurada na janela e a camisa da CBF ostentada pelas ruas não significam amor ao país, mas amor a um projeto autoritário e retrógrado de país. O patriotismo se degenerou em bolsonarismo.
Bolsonaro, que nutre evidente desprezo pelas populações indígenas brasileiras, pela ciência, Ibama, ONGs, mas que ama madeireiros, grileiros, garimpeiros ilegais e produtores rurais de hálito medieval, é culpado, por ação e por omissão, pelas queimadas na Amazônia. Culpa que ele tenta encobrir apelando à soberania nacional.
El argumento de los autócratas ante la crítica: “amenazan mi soberanía nacional”. Usted carece de originalidad. Tendrá un mal final.
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Como bem disse o ex-chanceler do Chile Juan Gabriel Valdés, Bolsonaro repete o velho rosário dos ditadores, dos autocratas, dos autoritários, que diante de qualquer crítica, berram: “isso ameaça a minha soberania nacional!” Nacionalismo é o refúgio preferido dos canalhas políticos.
copiado https://theintercept.com
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