Entrevista de desligamento dá oportunidade para desabafar

Entrevista de desligamento dá oportunidade para desabafar

De denúncias sobre desvio de dinheiro a revelações sobre casos amorosos nas empresas, ouve-se de tudo nas conversas depois da dispensa

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Você já foi chamado para uma conversa pós-demissão? É assim: geralmente no dia seguinte, o funcionário — que foi dispensado ou que pediu para sair — é convidado pelo pessoal dos recursos humanos a analisar sua passagem pela empresa. Nesses encontros, que podem durar de 15 minutos a uma hora, os profissionais que fazem a entrevista costumam ouvir cobras e lagartos. Muitas vezes, também precisam estar com lenços de papel do lado, pois não são raras as crises de choro.
Foi o que aconteceu com uma profissional que assinava seu pedido de demissão após seis anos na mesma empresa: fragilizada, mesmo saindo por vontade própria, acabou se abrindo e chorando copiosamente, apesar da falta de intimidade com a pessoa que a entrevistava. Já um outro trabalhador aproveitou a ocasião para fazer revelações picantes sobre o relacionamento entre dois colegas, ambos casados. E tem quem vá além: revoltado com o chefe por ter sido demitido, um empregado soltou farpas e chegou a denunciar possíveis desvios de dinheiro por parte do superior.
Uma profissional de RH, que prefere não se identificar, lembra de uma reunião dessas que foi bem tensa. O funcionário que estava sendo demitido ficou nervoso, bateu várias vezes na mesa e acusou seu superior, que já era idoso, de ter ideias ultrapassadas e de não dar conta de nenhuma tarefa — o detalhe: o chefe também estava presente.
— Foi constrangedor — recorda.
Justa causa foi cancelada
Cada empresa elabora a sua política de demissão — enquanto algumas promovem encontros até com a presença do gestor, outras se limitam a pedir que um formulário seja preenchido. Em comum, o fato de todas as informações serem tratadas sigilosamente, garantindo que a pessoa possa falar sem medo de represálias.
— Tem que ter sangue frio, pois é normal as pessoas chorarem, se emocionarem e até pedirem mais uma chance — frisa a consultora de RH Marisa Marinho.
É raro, mas pode até acontecer de a demissão ser revertida justamente na conversa de desligamento. Ângela Estellita Lins, sócia-diretora da Heian Consultoria, lembra de um caso em que um funcionário, dispensado depois de acusações de desvios de verbas, levou para a entrevista documentos que provavam que ele não estava envolvido na história.
— A demissão, que tinha sido por justa causa, foi cancelada — conta Ângela. — Mas são poucos os casos assim.
Mas no bate-papo, que não é obrigatório, também há espaço para elogios e críticas construtivas. A ferramenta é usada pelo RH para medir e, se necessário, remediar, problemas organizacionais.
— É um instrumento que permite que se faça um diagnóstico dos motivos pelos quais as pessoas estão saindo da empresa. Mas é preciso saber diferenciar o que é emoção do que é realidade — acentua a consultora Jacqueline Resch.
Mas, tirando os casos em que as pessoas falam demais, será que os profissionais costumam realmente ser sinceros nas entrevistas demissionais? Leda Machado, coordenadora da pós-graduação em Gestão de Pessoas da HSM Educação, questiona a real eficácia desse método:
— Não pode ser uma ferramenta muito confiável, pois, geralmente, os profissionais querem sair bem da empresa e manter as portas abertas. A maioria prefere evitar o conflito, porque não tem ideia de como será o dia de amanhã.
Saiu, para seguir o namorado foragido
Ângela, da Heian, discorda. Para ela, quem se dispõe a conversar antes de sair, costuma fazê-lo com boa vontade.
— Em geral, como as pessoas já perderam o que tinham a perder ou deixaram o que não queriam mais, o momento costuma ser o mais sincero possível.
Coordenadora de RH da Bioxxi, empresa que presta serviços de esterilização, Carolina Palombina conta que já entrevistou uma funcionária que não teve qualquer medo de se expor:
— Nós tivemos uma profissional que revelou que estava se demitindo apenas porque queria o dinheiro da rescisão para ir atrás do namorado, que era foragido da Justiça.
Conversa pode beneficiar os dois lados
Na Bioxxi, empresa de serviços de esterilização, que tem 400 funcionários — a maioria em nível operacional — o mais comum é os demitidos se recusarem a ter a conversa de desligamento. No ano passado, dos que saíram, apenas 38% participaram.
— Como o relacionamento direto com o gestor é comum aqui, muitos não veem sentido em falar com um consultor de RH ou psicólogo — acredita a coordenadora de RH da empresa, Carolina Palombini. — E não é o tipo da coisa que é possível incentivar, porque não dá para falar sobre demissão com quem está trabalhando.
Mas, quem prefere sair sem a última conversa, pode perder uma chance não apenas de colaborar com melhorias na organização, como até de refletir sobre a própria carreira.
— É um momento bom para catarse, porque as pessoas têm a possibilidade de se abrir. A não ser que a ruptura tenha sido traumática, a conversa pode trazer ganhos pessoais — afirma Ângela Estellita Lins.
E, é claro, a ferramenta também ajuda as empresas, que utilizam os dados obtidos nessas conversas para detectar problemas relativos à gestão de pessoas, liderança, remuneração e ambiente. Como as informações são confidenciais, elas acabam sendo traduzidas em gráficos e estatísticas.
— São estudos que colaboram para aperfeiçoar os processos internos — avalia a consultora Jacqueline Resch.
Instrumento para avaliar seleção e liderança
No entanto, por mais que o bate-papo possa ser bom para os dois lados, o RH precisa ter bom-senso para avaliar até que ponto o que está sendo dito pelo empregado de saída condiz com a realidade.
— É preciso encontrar a verdade "do meio" — ressalta a consultora de RH Marisa Marinho. — Se ele está acusando o gestor, é preciso ter cuidado para não cometer nenhuma injustiça. E vice-versa.
— Se a pessoa é demitida e se surpreende, a entrevista de desligamento poderá ser mais influenciada pelo estado emocional. Mas, quando uma queixa se repete, pode apontar para uma necessidade de ação — acrescenta Jacqueline Resch.
Uma das funções mais lembradas pelos especialistas é a importância que o papo pós-demissão tem na avaliação do processo de seleção.
— Se muitas pessoas estão saindo de um mesmo cargo, pode ter havido algum erro na hora da contratação. A partir do que foi dito no desligamento, é possível fazer uma readequação do perfil da vaga — sugere Carolina, da Bioxxi.
Empresa adota conversa para reter talentos
A entrevista também permite identificar falhas de gestão e, quando necessário, traçar planos de desenvolvimento de lideranças, como oferecimento de serviços de coaching para chefes, por exemplo.
— E até faz com que os chefes conduzam melhor o processo de demissão, porque sabem que o funcionário que está sendo desligado terá voz — ressalta Ângela, da Heian.
Para intensificar a retenção da talentos, a NHJ do Brasil, que aluga e vende módulos habitáveis e conteineres marítimos, está elaborando um questionário para implementar a conversa pós-demissão, prática ainda não adotada.
— Esta é uma das formas mais eficazes para se obter informações importantes em relação ao ambiente de trabalho e aos próprios empregados, que não se abrem enquanto o vínculo laboral é mantido. O que, aliás, é compreensível — diz o gerente de RH da NHJ, Antônio Carlos Muniz.
Mas Leda Machado, coordenadora da pós-graduação em "Gestão de pessoas" da HSM, faz um alerta:
— A empresa precisa ter a cultura da gestão de pessoas e de dar feedback aos empregados. O diagnóstico de clima tem de ser feito diariamente.
COPIADO : http://oglobo.globo.com/

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