Bilionário vira inimigo público nº 1 após entrar na política
Tbilisi, Geórgia – Num morro com vista para esta antiga cidade, o homem mais rico da Geórgia construiu para si uma fortaleza pós-moderna envidraçada, cujo interior é uma bela construção à la Escher, com orbes e ilusões ópticas.
A sacada do bilionário oferece a visão de um rio sinuoso e, além dele, do domo de vidro azul, futurista e em formato de ovo, sobre a residência de seu ex-amigo, o presidente Mikheil Saakashvili. Embora ambos os palácios tenham passarelas suspensas a grande altura, qualquer semelhança é mera coincidência.
"Ele queria vir, mas não o convidei", disse Bidzina Ivanishvili, cujo patrimônio líquido foi estimado pela Forbes em US$ 6,4 bilhões. Ele caminhava a passos largos, passando por telas de Roy Lichtenstein e Damien Hirst, do tamanho da parede – cópias de alta qualidade que tomaram o lugar dos originais no fim do ano passado quando, segundo suas palavras, "a seguradora disse ter sentido um mau cheiro e eu comecei a remover as coisas".
Ivanishvili, filantropo recluso, apelidado de "o Conde de Monte Cristo" pelo presidente, fez estremecer o cenário político da Geórgia ao anunciar em outubro que usaria sua fortuna para fazer oposição ao governo. Foi um desafio chocante para Saakashvili, que domina sem problemas a política georgiana desde a guerra de 2008 com a Rússia, e as autoridades agiram imediatamente para detê-lo.
O conflito, já possuidor dos atributos de um romance do século XIX, ganhou nesta semana os contornos de uma encarada prolongada. Em 4 de abril, as autoridades mantiveram a decisão de revogar a cidadania georgiana de Ivanishvili, o que o impede de disputar cargos ou financiar partidos para as eleições parlamentares de outubro. Sua posição pareceu menos resoluta no dia 5, quando legisladores propuseram uma emenda à Constituição para permitir que pessoas sem cidadania disputem cargos.
Ivanishvili convidou diplomatas de Tbilisi ao seu quartel-geral para condenar a decisão ligada à cidadania.
"Não acho que isso tenha muito efeito sobre mim, mas teve um efeito enorme em Saakashvili", declarou Ivanishvili durante entrevista. "Ele ficará desacreditado. A euforia ainda existente nos Estados Unidos e na Europa, onde ele tenta levá-los a crer que é um democrata, essa euforia desaparecerá."
Georgian businessman and billionaire Bidzina Ivanishvili at his business center in Tbilisi, Georgia, April 3, 2012. Ivanishvili, Georgia’s richest man, sent tremors through his country’s political scene when he announced his support for President Mikheil Saakashvili’s opposition.  (Justyna Mielnikiewicz/The New York Time)
Há tempos Ivanishvili, 56 anos, é tema de boatos nesta cidade. Depois de fazer fortuna nos setores metalúrgico e bancário da Rússia, ele voltou à aldeia natal, Chorvila, e começou a dar casas, estradas e dinheiro aos vizinhos, como um senhor feudal. A lenda só fez crescer com as histórias sobre seus dois filhos albinos – o mais velho, Bera, é um rapper famoso – e uma coleção de animais selvagens que incluiria zebras e pinguins.
Durante anos, ele espalhou com prodigalidade – e anonimato – a riqueza acumulada na Rússia. Ivanishvili foi o comprador misterioso que pagou US$ 95,2 milhões pelo quadro de Picasso "Dora Maar com Gato" no leilão da Sotheby's, em 2006, agitando os marchands. Na Geórgia, ele financiou anonimamente projetos da igreja, como a catedral de domo dourado que se projeta sobre a capital, e governamentais, como a reforma de 500 escolas, dando dinheiro para aumentar os salários estatais e comprar botas para o exército. ("Eles corriam por aí de chinelo", disse.)
Ivanishvili disse que seus laços com Saakashvili foram finalmente cortados durante um telefonema, em janeiro de 2008, quando pediu para o presidente nunca mais ligar. Ele disse ter tomado todo o cuidado para ocultar seus planos políticos, falando aos sussurros com a esposa até mesmo em casa, por medo de estar sendo vigiado. O bilionário disse ter preparado voos para deixar o país duas vezes, mas terminou por cancelá-los.
"A decisão foi esta: eu precisava destruir completamente minha visão de mundo ligada à filantropia, bem como meu relacionamento com ele, e o fato de que, durante 55 anos, reafirmei que não entraria na política. Eu me atormentei bastante."
O governo da Geórgia agiu imediatamente depois da notícia surpreendente de Ivanishvili.
Quatro dias depois, o bilionário perdeu a cidadania georgiana, porque jamais teria informado as autoridades ser um cidadão francês. (A lei do país permite a dupla cidadania somente com permissão especial. Ivanishvili também possuía cidadania russa, mas abriu mão dela em dezembro.) Duas semanas depois, o Banco Central confiscou milhões de dólares como parte de uma investigação de lavagem de dinheiro em seu banco. A seguir, o partido do governo apresentou limites para o financiamento das empresas a campanhas políticas, o que impediria suas empresas de bancar candidatos.
Georgian businessman and billionaire Bidzina Ivanishvili at his business center in Tbilisi, Georgia, April 3, 2012. Ivanishvili, Georgia’s richest man, sent tremors through his country’s political scene when he announced his support for President Mikheil Saakashvili’s opposition.  (Justyna Mielnikiewicz/The New York Time)
Giga Bokeria, consultor de segurança nacional de Saakashvili, disse não estar preocupado com a possibilidade de Ivanishvili comprar votos dos cidadãos georgianos, mas afirmou que o uso ilimitado de sua riqueza – segundo avaliações, ela somaria mais de um terço do Produto Interno Bruto do país – "vai corromper o processo político em si".
Ele disse que a oposição da Geórgia estava começando a adotar práticas saudáveis, como a admissão de uma derrota política.
"Uma nova cultura política estava aparecendo, incluindo a ideia de que os partidos deveriam caminhar com as próprias pernas, e agora aparece esse cara imensamente rico no cenário. Esses grupos não estão procurando formar apoio, é só um grande oligarca – ele dá as ordens e define a melodia."
O governo também acusou Ivanishvili de agir em nome da Rússia, oferecendo como prova suas extensas propriedades naquele país – US$ 1,1 bilhão nas contas do magnata –, as quais ele estaria liquidando. Saakashvili raramente menciona Ivanishvili pelo nome, mas alude a ele com frequência, alertando contra "novas forças políticas", "forças das trevas" e uma infusão de dinheiro russo.
Uma das respostas de Ivanishvili foi adotar uma estratégia de governo, contratando lobistas em Washington para divulgar as medidas que estão sendo tomadas contra ele. Aspectos do caso – como o questionamento agressivo de oposicionistas por um órgão estatal de auditoria – foram criticados por autoridades norte-americanas.
"Durante anos, com o nosso dinheiro, Saakashvili teve lobistas fortes, brincou com nosso dinheiro e tentou mentir, montando uma fachada de democracia", acusou Ivanishvili. "Eu também posso me dar ao direito de contratar empresas lobistas, nos EUA e em outros lugares, e podemos tentar mostrar a situação real."
A plataforma política de Ivanishvili é vaga e, em alguns aspectos, pomposa. Ele propõe renunciar ao cargo de primeiro-ministro depois de dois anos, período suficiente, a seu ver, para criar um sistema judiciário independente e eliminar o que chama de "corrupção da elite". Questionado se o impasse terminaria com demonstrações nas ruas, ele respondeu com serena confiança.

"Se eu for às ruas, posso reunir cem mil pessoas em três minutos, mas não quero isso. Até as eleições. Depois das eleições, se houver falsificação, defenderemos nossos votos."

A coalizão parlamentar de Ivanishvili, Sonho Georgiano de Ivanishvili, espera receber metade dos votos nas eleições de outubro. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Democrático Nacional e vazada à mídia do país em março sugeriu que ela ficaria longe disso, dando 47 por cento dos votos ao partido de Saakashvili, com a coalizão de Ivanishvili arrastando-se com dez por cento. Contudo, a mesma pesquisa mostrou que a grande maioria do público apoia Ivanishvili em sua luta para retomar a cidadania.

Pessoas abordadas nas ruas em abril estavam incertas quanto a Ivanishvili como político, mas deliravam com sua filantropia, seu apoio a museus e teatros, e as riquezas concedidas aos vizinhos em Chorvila.

Nodar Melikidze, 48 anos, desempregado, disse que Ivanishvili pagou pelo tratamento de câncer de um de seus amigos.

Lela, de 54 anos, que não informou o sobrenome por medo de represálias, disse que a decisão de 4 de abril sobre a cidadania a deixou com um gosto amargo na boca. "Eles mostraram ter muita confiança em si mesmos, sem se preocupar com a opinião das pessoas", ela declarou. "Eles passaram por cima de nós. Muita gente não iria votar em Ivanishvili, mas, ao tomar essa decisão, o governo ignorou o povo."

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