À medida que as economias africanas crescem, um ataque insidioso à liberdade
de imprensa está em marcha. Jornalistas africanos independentes cobrindo o
desenvolvimento do continente agora são frequentemente perseguidos por causa de
reportagens críticas sobre o uso errado de dinheiro público, corrupção e as
atividades dos investidores estrangeiros.
Por que essa tendência perturbadora? No Ocidente, o cinismo quanto à democracia africana levou os governos a limitar as prioridades de desenvolvimento à redução de pobreza e à estabilidade; as liberdades individuais, como a liberdade de imprensa, saíram da agenda, permitindo que governantes autoritários persigam os jornalistas de forma mais agressiva.
Nos anos 90, líderes como Paul Kagame, de Ruanda, e Meles Zenawi, da Etiópia, foram elogiados pelo Ocidente como reformadores políticos e sociais. Hoje em dia, o Ocidente os louva por conquistar o crescimento e a manutenção da estabilidade, conseguidos em grande medida com um controle quase total sobre todas as instituições nacionais e a imprensa.
Depois, existe a influência da China, que ultrapassou o Ocidente como maior parceiro comercial da África, em 2009. Desde então, a China vem aprofundando os laços técnicos e de mídia com os governos africanos para conter a cobertura crítica que ambas as partes demonizam como neocolonialista.
Em janeiro, Pequim lançou um relatório governamental pedindo a aceleração da expansão da imprensa chinesa no exterior e o emprego de uma equipe de jornalistas de cem mil pessoas pelo mundo, principalmente em regiões prioritárias como a África. Somente nos últimos meses, a China instalou seu primeiro centro de notícias televisivas no Quênia e uma publicação impressa na África do Sul. A agência de notícias estatal Xinhua já opera mais de 20 sucursais na África.
Mais de 200 secretários de imprensa africanos receberam treinamento chinês entre 2004 e 2011 para produzir o que o chefe de propaganda do Partido Comunista, Li Changchun, chamou de cobertura "verídica" do desenvolvimento incentivado pelas atividades da China.
Os governos africanos e da China costumam concordar que a imprensa deveria se concentrar em conquistas coletivas e mobilizar o apoio público ao Estado, em vez de relatar assuntos desagregadores ou as chamadas notícias negativas.
Em nenhum outro lugar isso é mais aparente do que na Etiópia, que continua sendo um dos principais beneficiários da ajuda desenvolvimentista e cujo maior parceiro comercial e principal fonte de investimento estrangeiro é a China. As prisões na Etiópia, a exemplo das da China, agora estão cheias de jornalistas e dissidentes; os sites críticos são bloqueados.
Essa questão é particularmente problemática na Etiópia, país onde o jornalismo investigativo já salvou inúmeras vidas. Na década de 80, o tirânico presidente Mengistu Haile Mariam negou que houvesse fome na Etiópia, mesmo quando ela se tornou mais grave. O mundo só decidiu ajudar os milhões de etíopes famintos depois que jornalistas internacionais venceram o domínio total do ditador sobre a informação.
Quase três décadas mais tarde, a Etiópia ainda chafurda num ciclo de crises humanitárias e conflitos. Contudo, hoje em dia, os jornalistas não têm acesso independente a áreas delicadas e podem pegar até 20 anos de prisão se noticiarem os grupos de oposição, classificados como terroristas pelo governo.
"Não devemos bater fotos de crianças claramente desnutridas", um repórter baseado na Etiópia me contou recentemente. "Somos impedidos de ir a áreas e instalações de saúde onde vivem crianças com desnutrição severa ou sob tratamento."
O silêncio abala a capacidade dos grupos de ajuda de mobilizar rapidamente fundos quando o auxílio é necessário. E com a sociedade civil, a oposição política e a imprensa severamente controlada, praticamente não existe análise interna sobre como o governo usa bilhões de dólares da assistência internacional dos governos ocidentais.
Ruanda é outro caso preocupante. O volume comercial entre Ruanda e China quintuplicou entre 2005 e 2009. Durante o mesmo período, o governo extirpou praticamente toda imprensa e oposição críticas e começou a filtrar os sites de notícias ruandeses dissidentes baseados no exterior.
Enquanto os poderosos interesses econômicos e políticos ligados aos investimentos da China buscam aniquilar o jornalismo independente, a imprensa africana livre é mais necessária do que nunca, como uma instituição fundamental para o desenvolvimento, um guardião dos consumidores e uma forma para o público contextualizar as estatísticas oficiais de desemprego, inflação e outras preocupações sociais e econômicas.
Contudo, para o apoio à imprensa ser eficaz, será preciso mais do que apenas apoiar a formação jornalística e a capacidade editorial; para tais iniciativas darem certo, elas necessitam ser integradas a uma estratégia mais ampla de reformas políticas e da mídia.
(Mohamed Keita é coordenador de defesa para a África do Comitê para a Proteção dos Jornalistas.)
The New York Times News Service/Syndicate – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.
Copiado : http://nytsyn.br.msn.com/colunistas/a-quest%c3%a3o-da-imprensa-livre-na-%c3%a1frica?page=2
Por que essa tendência perturbadora? No Ocidente, o cinismo quanto à democracia africana levou os governos a limitar as prioridades de desenvolvimento à redução de pobreza e à estabilidade; as liberdades individuais, como a liberdade de imprensa, saíram da agenda, permitindo que governantes autoritários persigam os jornalistas de forma mais agressiva.
Nos anos 90, líderes como Paul Kagame, de Ruanda, e Meles Zenawi, da Etiópia, foram elogiados pelo Ocidente como reformadores políticos e sociais. Hoje em dia, o Ocidente os louva por conquistar o crescimento e a manutenção da estabilidade, conseguidos em grande medida com um controle quase total sobre todas as instituições nacionais e a imprensa.
Depois, existe a influência da China, que ultrapassou o Ocidente como maior parceiro comercial da África, em 2009. Desde então, a China vem aprofundando os laços técnicos e de mídia com os governos africanos para conter a cobertura crítica que ambas as partes demonizam como neocolonialista.
Em janeiro, Pequim lançou um relatório governamental pedindo a aceleração da expansão da imprensa chinesa no exterior e o emprego de uma equipe de jornalistas de cem mil pessoas pelo mundo, principalmente em regiões prioritárias como a África. Somente nos últimos meses, a China instalou seu primeiro centro de notícias televisivas no Quênia e uma publicação impressa na África do Sul. A agência de notícias estatal Xinhua já opera mais de 20 sucursais na África.
Mais de 200 secretários de imprensa africanos receberam treinamento chinês entre 2004 e 2011 para produzir o que o chefe de propaganda do Partido Comunista, Li Changchun, chamou de cobertura "verídica" do desenvolvimento incentivado pelas atividades da China.
Os governos africanos e da China costumam concordar que a imprensa deveria se concentrar em conquistas coletivas e mobilizar o apoio público ao Estado, em vez de relatar assuntos desagregadores ou as chamadas notícias negativas.
Em nenhum outro lugar isso é mais aparente do que na Etiópia, que continua sendo um dos principais beneficiários da ajuda desenvolvimentista e cujo maior parceiro comercial e principal fonte de investimento estrangeiro é a China. As prisões na Etiópia, a exemplo das da China, agora estão cheias de jornalistas e dissidentes; os sites críticos são bloqueados.
Essa questão é particularmente problemática na Etiópia, país onde o jornalismo investigativo já salvou inúmeras vidas. Na década de 80, o tirânico presidente Mengistu Haile Mariam negou que houvesse fome na Etiópia, mesmo quando ela se tornou mais grave. O mundo só decidiu ajudar os milhões de etíopes famintos depois que jornalistas internacionais venceram o domínio total do ditador sobre a informação.
Quase três décadas mais tarde, a Etiópia ainda chafurda num ciclo de crises humanitárias e conflitos. Contudo, hoje em dia, os jornalistas não têm acesso independente a áreas delicadas e podem pegar até 20 anos de prisão se noticiarem os grupos de oposição, classificados como terroristas pelo governo.
"Não devemos bater fotos de crianças claramente desnutridas", um repórter baseado na Etiópia me contou recentemente. "Somos impedidos de ir a áreas e instalações de saúde onde vivem crianças com desnutrição severa ou sob tratamento."
O silêncio abala a capacidade dos grupos de ajuda de mobilizar rapidamente fundos quando o auxílio é necessário. E com a sociedade civil, a oposição política e a imprensa severamente controlada, praticamente não existe análise interna sobre como o governo usa bilhões de dólares da assistência internacional dos governos ocidentais.
Ruanda é outro caso preocupante. O volume comercial entre Ruanda e China quintuplicou entre 2005 e 2009. Durante o mesmo período, o governo extirpou praticamente toda imprensa e oposição críticas e começou a filtrar os sites de notícias ruandeses dissidentes baseados no exterior.
Enquanto os poderosos interesses econômicos e políticos ligados aos investimentos da China buscam aniquilar o jornalismo independente, a imprensa africana livre é mais necessária do que nunca, como uma instituição fundamental para o desenvolvimento, um guardião dos consumidores e uma forma para o público contextualizar as estatísticas oficiais de desemprego, inflação e outras preocupações sociais e econômicas.
Contudo, para o apoio à imprensa ser eficaz, será preciso mais do que apenas apoiar a formação jornalística e a capacidade editorial; para tais iniciativas darem certo, elas necessitam ser integradas a uma estratégia mais ampla de reformas políticas e da mídia.
(Mohamed Keita é coordenador de defesa para a África do Comitê para a Proteção dos Jornalistas.)
The New York Times News Service/Syndicate – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.
Copiado : http://nytsyn.br.msn.com/colunistas/a-quest%c3%a3o-da-imprensa-livre-na-%c3%a1frica?page=2
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