Como se tornar um escritor

Como se tornar um escritor  

Jornal do BrasilWander Lourenço*  
Observe que para se tornar escritor é preciso antes se constituir um leitor digno de compreender a concepção de uma obra de ficção em toda a sua estrutura através das diretrizes do ato de narrar, conforme explicitou Benjamin. Com a perspicácia de quem passeia por sobre um pântano de areia movediça, com vozes subterrâneas ou abismos, ignotas cavernas e sofisticadas armadilhas, o escritor em formação precisará percorrer o espaço da narrativa com o cuidado de uma presa difícil e arredia, habituada ao perigo do percurso repleto de apólogos, parábolas, símbolos, sons, fábulas, signos, cores, alegorias e mitos. Daí a importância da leitura que, por mais que sirva para iniciar o futuro literato como espectador do árduo ofício literário, sobretudo o impelirá a uma formação intelectual que será utilizada como parâmetro ou lição para a posterior escrita de um livro, que seja digno de ser lido por um ser seu semelhante ou um elemento extraterrestre provindo de um hemisfério ou galáxia equidistante a se locomover ao redor do planeta Terra.
Para se tornar escritor é necessário ter a coragem de desafiar a cronologia vaga e imaginária da fabulação, para correr riscos sem aversão ou medo de se aventurar a uma escritura que lide com a divinamente humana invenção propositada por um verbo bíblico do Gênesis, conforme sobrescrito por Moisés. Para se tornar escritor é preciso adestrar a imaginação, qual um cavalo alado dos contos de fada e infância, a deslizar por sobre fórmulas de elaboração de gêneros e métodos práticos de confabulação ficcional, a fim de se propor um diálogo ou ruptura significativa aos padrões da tradição fincada pela frágil pena de um escriba consagrado pela memória do tempo, a que chamamos de posteridade.
Para se tornar escritor é necessário afinar talento e estilo na Harpa de um habilidoso artesão conhecido por Homero a lavorar, humanamente, com o seu mágico instrumento os manuscritos eternizados pelas reminiscências de Cronos, pois que da mesma argila de que se fez o Adão o autor se prestará a ser um Deus de mentira a moldar personagens à imagem e semelhança de criaturas fictícias. Para se tornar escritor é preciso navegar por mares nunca dantes navegados por nós ou Camões, sem manual de cabotagem, mapa de tesouro ou bússola, de maneira que a precisão da existência se submeta ao lúdico da travessia a inspirar a quimera da alquimia de se transformar ideia em histórias, para concertar a ópera dos homens concebida por Dionísio ou Apolo, conforme o fizera Orfeu.
Caberia, enfim, dizer ao protótipo de escritor que a literatura é uma dama exigente e promíscua que, embora se incline a tantos outros amantes que com ela se deitam em palácios ou alcovas, sem pudor cobrará atenção e exclusividade daquele que se arvora a desafiar a Providência por intermédio de um faz de conta de luz a se moldar pela vara de condão que, decerto, esboça a Floresta povoada por ruídos e sombras, a que chamamos criação.    
* Wander Lourenço de Oliveira, doutor em letras pela UFF, é escritor e professor universitário.  - wanderlourenco. COPIADO : http://www.jb.com.br/

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