Governo de pequenas causas
Com única agenda da reforma da Previdência, Bolsonaro gasta primeiros 6 meses com projetos menos importantes
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) completa seis meses à frente do Palácio do Planalto hoje com a rotina dividida entre o esforço para aprovar a reforma da Previdência e propostas até então secundárias na agenda nacional, como a contagem de infrações na carteira de motorista, críticas à hipersexualização no Carnaval e o fim do tratamento de autoridades por "Vossa Excelência" em órgãos federais.
Em conversa presenciada pela reportagem, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse saber que exerce o papel de transmissor do comprometimento do governo com a reforma da Previdência enquanto Bolsonaro prefere cuidar de costumes.
Na opinião do cientista político da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Sérgio Praça é preciso diferenciar o que é retórica e o que são propostas formais de políticas públicas. Ao mesmo tempo em que tomou medidas importantes, como o envio da reforma previdenciária ao Congresso, avalia, o governo se dedicou a temas "bobos, sem valor real e sem perspectivas de se transformarem em algo concreto".
"O Ministério da Economia está completamente focado na reforma, mas o próprio presidente não. Ele não tem paciência, vocação para projetos legislativos tradicionais. É um assunto que ele deixa para o Paulo Guedes e acabou. Acho que o presidente tem dificuldade de se concentrar em algo por muito tempo. Toda semana tem uma novidade. Vai de tema em tema sem se aprofundar", afirma.
Após ser exonerado do cargo de ministro da Secretaria de Governo, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz criticou a quantidade de "coisas artificiais que tiram o foco" do que está sendo feito de bom no governo, em entrevista à revista Época. Ao tratar também de desavenças internas tornadas públicas nas redes sociais, o ex-ministro ainda declarou ser preciso parar com a "fofocagem desgraçada".
Enquanto isso, a pesquisa Ibope divulgada na quinta-feira (27) mostra que a aprovação do governo Bolsonaro voltou a oscilar negativamente e é a pior desde o início do mandato. O trabalho foi encomendado pela CNI (Confederação Nacional da Indústria). Atualmente, 32% dos brasileiros avaliam o governo como ótimo ou bom. O índice é o mesmo dos que classificaram a gestão como ruim ou péssima.
Fim do horário de verão
Pela primeira vez desde 1985, ninguém terá que adiantar o relógio em uma hora em outubro. Pelo menos, não neste ano. Em abril, Bolsonaro assinou decreto que acaba com o horário de verão em 2019. Ainda não se sabe se a medida será estendida para o ano que vem, mas, se depender do presidente, a tendência é que sim.
"Justo anseio da população brasileira. Eu concordo que eu sempre reclamei do horário de verão", declarou Bolsonaro.
Segundo ele, a decisão foi tomada após estudos do Ministério de Minas e Energia mostrarem não haver mais motivo para o horário de verão devido a mudanças na rotina da população nos últimos anos, que modificou o perfil do consumo de energia elétrica.
Dados fornecidos pela pasta mostram que, entre 2013 e 2016, os valores economizados foram caindo ano a ano, indo de R$ 405 milhões a R$ 147,5 milhões.
Fim de multa para motoristas com criança fora da cadeirinha
O governo federal encaminhou projeto de lei ao Congresso Nacional que põe fim à multa para condutores que transportarem crianças fora de cadeirinhas de retenção. Pelo texto, o objeto é obrigatório no banco de trás para crianças até sete anos e meio.
As regras atuais afirmam que o descumprimento é considerado infração gravíssima com multa de R$ 293,47 e retenção do veículo. Caso o projeto seja aprovado, o motorista flagrado nesta situação receberá somente uma advertência escrita, sem pesar no bolso. A perda de sete pontos na carteira ficaria mantida.
Segundo a Casa Civil, a medida foi tomada em "busca de caráter mais educativo". A pasta também alegou estar corrigindo a legislação, porque a obrigatoriedade da cadeirinha estava prevista apenas em resolução do Contran (Conselho Nacional de Trânsito), e não em lei, como determinado pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Bolsonaro defendeu que o primeiro responsável pela segurança da criança é "o papai e a mamãe" e questionou se as pessoas realmente não terão cuidado com os filhos caso o Estado não esteja em cima delas. Ele então alegou que a sanção era aplicada apenas em locais de alta renda para alimentar o que chama de "indústria da multa".
"Quando essa lei foi aprovada, os agentes públicos foram multar nas escolas da zona sul do Rio de Janeiro. Não foram na zona oeste. Então, a intenção é multa pela multa. Continua valendo a pontuação. [...] Então, tem a punição, sim. Apenas não vai meter a mão no bolso do pobre brasileiro", disse.
As fiscalizações eletrônicas nas ruas e estradas do país afora também estão na mira do presidente. Ele chegou a prometer que não haveria mais a instalação de novos equipamentos e, volta e meia, faz críticas aos radares. No entanto, ainda não houve ação efetiva de grande impacto.
Mudanças na CNH e sem aula para "cinquentinha"
Outro tópico que entrou na lista dos afazeres do presidente nesse primeiro semestre é a CNH (Carteira Nacional de Habilitação). Bolsonaro apresentou projeto de lei que aumenta de 20 para 40 os pontos necessários para o motorista ter a carteira cassada. Se pudesse, ia além e ampliava o limite para 60 pontos, declarou.
O prazo de validade do documento também aumenta de cinco para dez anos e fica extinta a exigência de exame toxicológico para motoristas profissionais, segundo o projeto. O uso de simulador na autoescola para carros vira facultativo.
O Contran, por sua vez, suspendeu por um ano, a partir de setembro, a obrigatoriedade de aulas para obter a ACC (Autorização para Conduzir Ciclomotor) facilitando o acesso às motocicletas de até 50 cilindradas. Se quiser, o interessado pode ir direto para as provas teórica e prática, fora os exames médico e psicológico. Caso reprovado, terá de fazer aulas práticas.
Tchau para a "tomada do PT"
Oficialmente, as tomadas de três pinos e plugue hexagonal são obrigatórias no país desde 2011. Na prática, convivem numa salada de adaptadores e reclamações de parte da sociedade. Até hoje, nem no Palácio do Planalto as tomadas de três pinos são padrão em salões e gabinetes. Palco de controvérsias desde que surgiram na vida dos brasileiros, devem ver seu fim no atual governo.
Segundo reportagem do Valor Econômico, o governo federal prepara norma para acabar com a obrigatoriedade do uso desse padrão de conectores e permitir que outros padrões sejam vendidos e instalados. Ao jornal, secretário do Ministério da Economia chamou a tomada de três pinos de "excrescência".
Nos bastidores, ganhou o apelido de "tomada do PT" por ter sido impulsionada e ratificada no mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O modelo de três pinos foi escolhido, após estudos técnicos, por oferecer mais segurança ao usuário e aos equipamentos. O terceiro pino leva energia elétrica excedente direto para o solo, quando há aterramento. Portanto, diminui riscos de choques elétricos e de aparelhos queimados por problemas na rede.
Várias associações são contra mudanças. Mas há quem acredite que a imposição do modelo de três pinos tenha sido aplicada por lobby de empresas, prejudique a utilização de equipamentos importados e não tenha valor efetivo, pois construções mais antigas não têm sistema de aterramento.
Fim das urnas eletrônicas e do acordo ortográfico
Assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Filipe Martins foi ao Twitter em abril para defender o fim da tomada de três pinos, das urnas eletrônicas "inauditáveis" e do acordo ortográfico da língua portuguesa.
Antes e durante as eleições do ano passado, Bolsonaro reclamava do que chamava de método pouco confiável de urnas eletrônicas para a apuração de votos e chegou a insinuar que, se ele não saísse vencedor do pleito, seria porque as máquinas estavam fraudadas.
As acusações, sem provas, foram rebatidas pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O então presidente da Corte, Dias Toffoli, lembrou que o próprio Bolsonaro foi eleito parlamentar sempre pelas urnas eletrônicas.
Bolsonaro não retomou mais críticas diretas às urnas eletrônicas desde que assumiu o mandato, porém, o assunto permanece no ar passível de sofrer mudanças pela vontade do presidente.
Até o momento, a cogitação de o Brasil sair do acordo ortográfico dos países de língua portuguesa foi levantada publicamente apenas por Filipe Martins. O acordo foi assinado em 1990 e tornado obrigatório no país em 2016. Caso a ideia seja levada adiante, pode gerar novas reviravoltas nas escolas e na diplomacia.
Turismo gay, não
Bolsonaro costuma dar declarações de querer melhorar o turismo no Brasil e de como o país ainda explora pouco seus recursos naturais em comparação com outras nações. No entanto, nada de o Brasil se tornar referência em turismo voltado ao público LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) na visão do presidente.
A jornalistas, em abril, Bolsonaro disse que o Brasil "não pode ser um país do mundo gay, do turismo gay". Na ocasião, disse ainda que "temos famílias" e "quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade".
Cerca de um mês depois, assinou o Plano Nacional do Turismo 2018-2022 cortando incentivos para o público LGBT. O texto original desenvolvido no governo de Michel Temer (MDB) continha "sensibilizar o setor para a inclusão das pessoas idosas e do público LGBT no turismo". Nesse trecho, só sobraram os idosos no documento atual.
Cancún à brasileira
Um dos maiores desejos de Bolsonaro é transformar uma unidade de conservação ambiental entre Angra dos Reis e Paraty, no Rio de Janeiro, num balneário ao estilo de Cancún, na costa mexicana, com resorts de luxo.
A Estação Ecológica de Tamoios reúne 29 ilhas num raio de 1 km, representando 5,69% da Baía da Ilha Grande. Na avaliação do presidente é um desperdício o Brasil não aproveitar o potencial turístico da região e a área "não preserva absolutamente nada".
O local cercado por mata atlântica conta com restrições para pesca, mergulho recreacional, ancoragem e visitação pública. Embarcações também não podem transitar por ali. Entre os moradores estão apenas golfinhos, baleias, pinguins, focas, lobos-marinhos, além de peixes como badejos, garoupas e robalos. Devido à natureza exuberante que abriga espécies ameaçadas, a estação tem servido como fonte de pesquisas científicas.
Atualmente, um dos maiores desafios ao se manter a reserva é combater a pesca predatória. O próprio presidente foi flagrado pescando sem autorização na estação em 2012, quando deputado federal. A multa foi anulada em dezembro do ano passado e o servidor responsável pela autuação, exonerado de um cargo de chefia em março.
Para o sonho sair do papel, segundo Bolsonaro, basta "uma caneta Bic" revogando decreto de 1990 que determinou a proteção ambiental na região. Contudo, a Constituição Federal estabelece que qualquer mudança em área de proteção deve ser aprovada por meio de lei. Ou seja, tem de passar pelo Congresso Nacional.
Menor em clube de tiro se pai quiser
Desde que tomou posse, o governo federal editou sete decretos sobre flexibilização de posse e porte de armas de fogo e munições, entre ida e vindas de mudanças nos textos. Atualmente, três decretos e um projeto de lei serão avaliados pelo Congresso Nacional. Os demais foram revogados. Ainda assim, é esperado que trechos deles considerados inconstitucionais pela oposição sejam levados novamente ao STF.
Um dos pontos alterados é a permissão para que menores de 18 anos praticarem tiro desportivo em clubes da modalidade somente com a autorização de um dos responsáveis legais. Antes, era preciso uma autorização judicial.
A necessidade de se restringir à prática nos locais autorizados pelo Comando do Exército e utilizar arma de fogo da agremiação ou do responsável, quando por este acompanhado, permanece.
Ao blog Olhar Olímpico, o 1º Vice-Presidente da Confederação Brasileira de Tiro Esportivo, Jodson Edington Junior, não vê risco à segurança das crianças e adolescentes com a nova medida. Ele afirma que o tiro é um esporte seguro, diferentemente de outras modalidades que não impõem qualquer restrição à sua prática por menores.
Outros pontos de destaque dos decretos editados incluem a expansão da quantidade de pessoas que passam a ter direito ao porte de arma --ou seja, o direito de andar armado--, o aumento da potência de armas liberadas para civis e a flexibilização de regras para o uso de armas de fogo para os membros da categoria chamada CAC (colecionadores, atiradores esportivos e caçadores).
Ao assinar o decreto em maio, Bolsonaro negou que a medida desrespeite as leis em vigor. "Nós fomos ao limite da lei. Não inventamos nada nem passamos por cima da lei."
O que é golden shower?
Dois homens dançam em cima de um ponto de táxi no centro de São Paulo durante bloco de rua no Carnaval. Eles interagem entre si, às vezes com gestos obscenos, e, por fim, um urina no outro --ato conhecido como "golden shower". Em tradução literal, ducha dourada.
A cena foi replicada em vídeo por Bolsonaro no Twitter com a seguinte legenda: "Não me sinto confortável em mostrar, mas temos que expor a verdade para a população ter conhecimento e sempre tomar suas prioridades. É isto que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro. Comentem e tirem suas conslusões (sic)".
No dia seguinte, em outro tuíte, o presidente perguntou "o que é golden shower?", para constrangimento inclusive de aliados e assessores do Planalto. Nas redes sociais, a hashtag "#goldenshowerpresident" virou uma das mais comentadas no mundo ao lado de festival de memes ironizando o questionamento. Nem tudo, porém, foi levado na brincadeira.
Milhares de pessoas denunciaram a publicação por conter material impróprio, apenas para adultos, e houve quem tenha pedido impeachment de Bolsonaro. O Twitter manteve a postagem no ar, mas com advertência prévia de "mídia sensível".
O vídeo permaneceu na conta oficial do presidente por 16 dias, até os advogados das pessoas mostradas nas imagens entrarem com pedido de mandado de segurança no STF demandando a exclusão da publicação. Bolsonaro se antecipou à possível ordem judicial e apagou o post.
Bananas e abacates
Bolsonaro ainda reservou tempo de seu primeiro semestre como presidente para defender as frutas produzidas no Brasil. Mais especificamente, bananas e abacates.
Em 7 de março, durante transmissão ao vivo nas redes sociais, o presidente reclamou do "fantasma" da importação de bananas do Equador e questionou como que a fruta daquele país pode "andar por volta de 10 mil km, passando pelo Canal do Panamá e pelo Porto de Santos, e chegar de forma competitiva na Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo)" enquanto parte da economia do Vale do Ribeira é mantida pela produção de bananas.
O presidente nasceu em Glicério, interior de São Paulo, mas passou parte da infância em Eldorado, no Vale do Ribeira, onde ainda mantém amigos de infância. Após ser eleito, Bolsonaro recebeu representantes de bananicultores e, no ano passado, já falava em colocar um "ponto final" nas bananas do Equador.
Apesar da reclamação de Bolsonaro na transmissão ao vivo, cerca de uma semana antes a Justiça havia suspendido a importação das bananas equatorianas atendendo alegação de produtores brasileiros de que as frutas estavam trazendo consigo vírus inédito no país que poderia comprometer as safras brasileiras. Os bananicultores também reclamam do custo de impostos e de produção.
A discussão toda, porém, não reflete o impacto da banana na balança comercial entre o Brasil e Equador. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, o intercâmbio comercial entre os dois países em 2018 foi de US$ 1 bilhão, sendo que o Brasil exportou US$ 905 milhões e importou US$ 112 milhões.
As bananas não aparecem entre os seis produtos mais importados pelo Brasil, ficando atrás de chumbo refinado, conservas de peixes, chocolates, preparações alimentícias com cacau e madeira.
No início de maio, Bolsonaro voltou ao tópico "frutas" e comemorou nas redes sociais a abertura do mercado argentino ao abacate brasileiro. Segundo ele, a primeira carga chegou em 30 de abril ao país vizinho, com demanda de cerca de 360 toneladas por semana. A expectativa agora é que o Brasil passe a exportar a fruta para o Chile, acrescentou.
A reportagem procurou abacates brasileiros em supermercados no centro de Buenos Aires no início de junho, quando Bolsonaro estava na cidade para visita oficial ao presidente da Argentina, Mauricio Macri. Nas gôndolas dos estabelecimentos visitados, havia somente abacates chilenos.
Uso da Bíblia para julgar no STF
Bolsonaro afirma ser católico, mas defende a indicação de um ministro evangélico para o STF na vaga a ser aberta com a aposentadoria obrigatória do decano Celso de Mello, prevista para novembro de 2020. Outra será aberta em julho de 2021, com a saída de Marco Aurélio Mello.
Apesar de o Supremo ter ministros e ex-ministros que professam religião, o tópico nunca havia sido preponderante na escolha de um nome para a Corte, ao menos de forma pública.
Ao participar da Convenção Nacional das Assembleias de Deus Madureira, em Goiânia, no final de maio, Bolsonaro questionou se "não está na hora de termos um ministro do Supremo Tribunal Federal evangélico" e quantos atualmente são cristãos assumidos.
Em meados de junho a jornalistas no Planalto, Bolsonaro voltou a citar a possibilidade ao comentar decisão do STF que equiparou homofobia ao crime de racismo.
Embora tenha negado querer misturar política e religião, o presidente explicou acreditar que um ministro evangélico poderia demonstrar seus argumentos a favor de valores familiares --na prática, conservadores-- com base em trechos da Bíblia em plenário, por exemplo. "Não custa nada ter alguém lá", comentou.
copiado https://noticias.uol.com.br/
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