GIVANILDO CASA GRANDE

Sábado

GIVANILDO CASA GRANDE

Passava a poupa digital da ponta do indicador sobre a televisão para conferir a cor e a textura da poeira quando ouviu o toque da campainha. Olhou pelo olho mágico da porta que dava para a rua. Viu que era Givanildo, o vizinho do lado direito de quem estivesse de frente para sua casa.

Aquilo era incomum, nunca se visitaram. Nunca se freqüentaram os vizinhos. Estranhou a presença de Givanildo à sua porta. Mais estranho era perceber que Givanildo era a imagem e a semelhança da finada Dona Neuza, sua mãe.

Abriu a porta. Givanildo sorriu um sorriso que abrigava alguma partícula de sarcasmo mal ocultado, talvez propositalmente. O vizinho estendeu a mão para cumprimentar Thor Nelson: “Olá, Thor! Como vai? E seu pai, tem notícia do velho?”

Givanildo era o mais velho dos três filhos da finada Dona Neuza. Formou-se em Administração de Empresas e Contabilidade. Possuía uma imobiliária: “Oi, Givanildo. Não... Não tenho notícias de meu pai...” Disse Thor Nelson.

“Sabe por que estou aqui? [...] É que vou aumentar o meu muro” Givanildo era figura cativa da coluna social do jornal local. A cada ano comprava um carro maior para sua garagem, colocava mais silicone nos peitos e nas nádegas da esposa, e também, todos os anos, aumentava um tanto a casa que herdara de sua mãe. Talvez o pai de Thor tivesse razão ao dizer que o vizinho tinha um complexo de Napoleão latente, pois era baixinho e arrogante como o imperador francês.

Thor já pressupunha a razão da visita: “Sim!?” Respondeu com ar de tédio.

“É. Vou aumentar o meu muro novamente. Sabe como é. Sua casa não tem nenhum dispositivo de segurança, os ladrões podem facilmente pular para o meu quintal passando pelo seu. E tem mais, a Elaine gosta de privacidade, gosta de ficar bem à vontade em nossa piscina”

Thor Nelson, com evidente desdém, respondeu ao que o vizinho explicava: “Tá [...]”

“E isso vai gerar alguma despesa com materiais e mão de obra. Mas é uma melhoria da qual até sua velha casa irá se beneficiar. Afinal, cada vez que invisto em minha casa as casas vizinhas acabam sendo mais valorizadas no mercado imobiliário por estar ao lado de uma construção de alto padrão, endente? Também terei que reinstalar minha cerca elétrica. E o pessoal não faz isso de graça. Já perguntei. Aliás, nada é de graça, não é mesmo?”

“Givanildo, to desempregado, meu pai tá desaparecido. Não posso nem contar com a aposentadoria dele. Até tranquei a faculdade. A coisa tá feia, amigo. Não tenho como contribuir com nada. To levando as contas com um bico que to fazendo, cuidando dum doente”

“É, mas de qualquer jeito a sua casa irá se valorizar. E outra; você tem obrigação de contribuir, o muro que cerca sua casa está dentro de meu terreno, é meu. Você o usa o tempo inteiro sem que eu te cobre nada. Já disse isso ao seu pai, o Veloso”

“Givanildo, eu não quero discutir com você o mérito dessa questão, amigo. Eu agora não posso contribuir com nada. Espere meu pai voltar, aí você conversa com ele”

“Um, sei. Vou falar com o meu advogado, aí vejo se é mesmo o caso de esperar que seu pai volte pra conversar sobre a obrigatoriedade de sua contribuição”

“Givanildo, converse com quem você quiser. E tem mais; o muro não está em seu terreno conforme você vem dizendo. É só olhar pelo padrão da energia, ele demarca em qual terreno o muro está situado de fato. Meu pai já disse isso há muito tempo pra senhora sua mãe, já disse pra você inclusive. Esse muro tá dentro do nosso terreno”

Givanildo puxou a calça para cima pegando pelas laterais do cinto, acomodou a parte inferior da barriga dentro da calça, apalpou sua bolsa escrotal, e fez uma firula como se fosse embora no decorrer da conversa; chegou a dar um passo; retornou com a mão estendida para o vizinho; disse que já não tinha tempo para continuar a conversa, e se despediu: “Depois eu falo com o seu pai, se é que ele vai voltar mesmo”

“Passe bem!”

“Passe bem...”
COPIADO : http://jefhcardoso.blogspot.com/

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