falsário ESPANHOL
História de um cara-de-pau
Com mentiras e meias verdades, Francisco Nicolás Gómez tenta implicar as instituições que utilizou em suas fraudes
Desmontando o 'pequeno Nicolás'
História de um cara-de-pau
Francisco Nicolás Gómez tenta implicar as instituições que utilizou em suas fraudes
A primeira vez que ouvi falar de Francisco Nicolás Gómez Iglesias foi
no último mês de agosto. Eu tinha deixado a Casa do Rei no fim de
julho, onde atuei com diretor de Comunicação desde março de 2012, e
estava em plenas férias quando recebi um telefonema de Jorge Cosmen, CEO
da companhia de ônibus Alsa, um empresário de ótima reputação e amigo
meu. Ele me ligou para contar que conheceu, em um almoço em Ribadeo (na
Espanha), um sujeito estranho que dizia que trabalhava para a Casa Real e
para o gabinete da vice-primeira-ministra espanhola. Era o Pequeno
Nicolás.
A história que Cosmen me contou era de outro planeta e me deixou inquieto. Ele me disse que um conhecido seu lhe havia pedido para se encontrar com este jovem porque ele tinha algo importante para lhe contar, ao que respondeu dizendo que estava de férias e só voltaria a Madri em setembro. Em um telefonema posterior, o intermediário disse que o rapaz poderia ir até Ribadeo. Cosmen, então, aceitou o encontro e reservou uma mesa no restaurante San Miguel. A primeira surpresa já veio um dia antes do encontro, quando Nicolás telefonou para ele para confirmar sua presença e acrescentar que uma terceira pessoa participaria do almoço: ninguém menos do que o rei Felipe VI, da Espanha.
Jorge Cosmen ficou muito surpreso, mas telefonou ao restaurante para avisar que seriam três pessoas e para pedir uma mesa mais discreta. E ali veio a segunda surpresa: o dono do restaurante disse que já sabia que o novo comensal era o Rei porque alguém tinha telefonado dizendo ser do Palácio da Zarzuela (residência da família real espanhola) para reservar as mesas em volta para seguranças.
No dia do almoço, recebeu a terceira surpresa. Enquanto esperava seus convidados, surgiu nas ruas de Ribadeo um cortejo de três carros e algumas motos de escolta – dois Audi de luxo e um “grande” BMW. Diante de todo o mundo, a porta do BMW se abriu e do carro saiu um jovem com rosto inocente, o que foi uma grande decepção para os curiosos reunidos nas ruas. O almoço transcorreu sem grandes novidades e o rapaz não parou de falar da importância da Alsa para a marca Espanha e, que nos Palácios da Zarzuela e da Moncloa (sede do Governo espanhol), para quem ele dizia trabalhar, a empresa era vista com muito bons olhos. Era, sem dúvida, a fase de encantamento. Mas Nicolás se via diante de alguém que, longe de se deixar impressionar, se pôs a perguntar sobre aquele personagem. Eu disse não saber quem era este garoto e que tudo parecia ser uma grande invenção. Foi também o que afirmou María Pico, chefe de gabinete da vice-primeira-ministra, Soraya Sáenz de Santamaría, a quem Cosmen também telefonou para obter mais informações.
O problema para Nicolás é que naquele mês de agosto María Pico recebeu outros telefonemas vindos de Sotogrande (grande condomínio particular na Andaluzia), reportando atitudes semelhantes da parte de Nicolás. Por isso, ao fim do recesso de verão, a chefe de gabinete comentou o assunto com a vice-premiê e esta recomendou reportar o caso à polícia, porque alguém havia roubado a identidade de um funcionário do Governo. Pouco depois, Fran, Nicolás ou como quer que se chame (os caras-de-pau costumam adotar vários codinomes) fez outra aparição estelar na sacada da Prefeitura de Pinto, durante uma homenagem prestada ao ciclista Alberto Contador, onde conseguiu subir dizendo que era o marquês de Togores e assistente no gabinete da vice-primeira-ministra. Ele já vinha utilizando o personagem do marquês de Togores durante meses para penetrar no exclusivo clube Puerta de Hierro, em Madri, e impressionar as pessoas que ele convidava para almoçar.
Depois de rastrear as redes sociais e encontrar as dezenas de fotos que o rapaz postou ao lado de figuras importantes de toda a Espanha, e de fazer algumas rápidas investigações, as autoridades começaram a se preocupar de verdade. A tecnologia também atinge os caras-de-pau. Antes, esses personagens se limitavam a praticar o name dropping (citar personalidades públicas pelo primeiro nome) para demonstrar que são próximas da nata do país. Mas Nicolás lançou o selfie dropping: exibia fotos suas acompanhando pessoas importantes para justificar suas mentiras e suas meias verdades.
Em um determinado momento, María Pico decidiu telefonar para o impostor e perguntar abertamente se ele trabalhava para o gabinete da vice-primeira-ministra. Ele hesitou, titubeou, balbuciou um “sim” e depois perguntou quem estava do outro lado da linha. Quando María se identificou e o advertiu que estava cometendo um crime, Nicolás recuou e começou a dizer que tinha apenas 20 anos e que nunca havia roubado a identidade de ninguém.
Pouco depois, chegou uma denúncia de um homem chamado Javier Martínez, do vilarejo de La Hiruela, que acusou Nicolás de lhe roubar 25.000 euros na tentativa de venda de uma casa em Toledo, avaliada em 15 milhões de euros (uma denúncia que, ao que parece, foi retirada). Em seguida, veio sua prisão, há 40 dias, no bairro de Chamberí, em Madri, em uma operação policial digna do detento. Depois de passar 72 horas na cadeia, foi colocado em liberdade para responder a acusações de falsidade ideológica, fraude e roubo de identidade. No registro policial de seu domicílio foram encontrados vários relatórios falsificados do Centro Nacional de Inteligência espanhol (CNI), falsas autorizações para entrada de veículos no Palácio da Moncloa, uma sirene de carro de polícia e dois emblemas autênticos da Guarda Civil e da Polícia Nacional. No auto, a juíza afirma que observa em Nicolás “uma florida idealização delirante do tipo megalomaníaca”. Neste momento, a investigação está submetida a segredo de justiça, ampliado na semana passada.
O problema é que agora Francisco Nicolás Gómez Iglesias, de 20 anos, decidiu “puxar o tapete” e ameaça levar ao conhecimento público informações sensíveis para o Estado, enquanto afirma, sem vergonha nenhuma, que colaborava com o CNI, a Moncloa e a Zarzuela. Ele afirma, inclusive, que tem provas que demonstram tudo o que alega e anuncia uma rodada de aparições na televisão, afirmando que vai dar entrevistas de graça. No sábado, durante uma entrevista no canal Tele5, repetiu isso 10 vezes, enquanto circulava a notícia de que a produtora de TV Mandarina tinha pagado 100.000 euros por sua participação no programa.
Em menos de 48 horas, as três instituições atingidas – a Casa Real, a Moncloa e o CNI – desmentiram veementemente seu envolvimento, mas ele continua atirando pedras em todos os telhados para ver se consegue quebrar alguma telha. Com mentiras e meias verdades, ele pretende implicar as entidades que utilizou em suas fraudes. Algumas delas são tão exageradas que caem com seu próprio peso. Se ele disse que se encontrou várias vezes com Soraya Sáenz de Santamaría e que até esteve com ela em seu carro oficial, e a vice-premiê afirma que nunca o viu na vida, a história acaba aí.
Mas a mais grave de todas as alegações é a de que ele trabalha como colaborador do CNI e que denunciou práticas “ilegais” de alguns de seus agentes. (Ele diz que era um “Charly”, termo que não existe no jargão dos Serviços Secretos e que deve ter sido inventado por algum personagem do TDT Party – grupo de emissoras de televisão ultraconservadoras da Espanha). O CNI nega qualquer colaboração com Nicolás e confirma apenas que, em setembro de 2013, ele esteve em sua sede em Aravaca, acompanhando um empresário da firma de eventos Executive Forum, para convidar o diretor Félix Sánz Roldán para um café da manhã – convite que não foi aceito. O Centro acredita que Nicolás utilizou essa visita para observar o escritório e colher detalhes que lhe serviriam para executar suas enganações.
Em seu comunicado transmitido ontem, o CNI diz que “o secretário de Estado Diretor do CNI se coloca à disposição dos órgãos de controle que a lei estabelece” e que “foram colocadas ao conhecimento da Advocacia Geral do Estado as declarações públicas do senhor Gómez Iglesias no caso de serem constitutivas de delito”.
Como agia Gómez Iglesias? A verdade é que trabalhava muito. Passou anos criando uma imagem de personagem bem relacionado, dos jovens da Fundação para a Análise e os Estudos Sociais (FAES) até o setor empresarial, passando pela administração municipal de Madri. Deixava-se ver no palco do estádio Santiago Bernabéu ou nos eventos políticos e empresariais dos principais hotéis madrilenhos, nos quais dava um jeito de se sentar em um lugar de destaque. E tirava fotos, sem parar, que postava em sua conta do Facebook.
O passo seguinte era fazer-se de mediador entre alguém que tinha um problema e outro que podia solucioná-lo. E aí sua lábia, sua cara-de-pau, desempenhava um papel importante. Foi capaz de pedir dinheiro aos advogados de Jordi Pujol, ou de Javier de la Rosa, para conseguir acabar com a investigação ou obter um indulto. De tentar mediar negócios no México para uma importante construtora espanhola ou de fazer crer que tinha contatos importantes na Guiné Equatorial e que podia conseguir contratos muito benéficos “para os espanhóis”. Chegou até a dizer que participou ativamente das negociações para a instalação da Eurovegas em Madri.
É verdade que foi visto em muitos atos e reuniões das quais, além
disso, há provas confiáveis em forma de foto. Mas não é verdade, é
mentira, que visitou Moncloa, Zarzuela e o CNI em várias ocasiões. As
três instituições negaram.
Nos filmes de costumes espanhóis, era frequente contar como se aplicava o chamado golpe do bilhete de loteria. Um golpe no qual o enganado acreditava ter logrado o golpista, e por isso nunca podia denunciá-lo. Aconteceu aqui algo parecido e por isso não há mais denúncias contra o pequeno Nicolás? Ou Gómez Iglesias não tinha conseguido consumar suas operações? Será preciso esperar para obter respostas a essas perguntas.
Também será preciso saber qual o papel da construtora Edhinor, que aparentemente alugou a casa no bairro de El Viso de Madri (ainda que oficialmente o locatário fosse uma pequena construtora de Alcorcón, ACO, com a qual a Edhinor tinha trabalhado certa vez em união temporária de empresas), onde Nicolás realizava todo tipo de reuniões e festas até junho passado, e da qual o garoto tinha um cartão de visitas de “Relações Institucionais”. Essa casa rendeu muito assunto à imprensa nas últimas semanas e chegou-se a especular que haja gravações feitas ali por pessoas importantes da política e da empresa. Mais uma vez, o jogo das ameaças veladas.
Há uma última incógnita sem solução. Que papel desempenha em toda essa história o advogado Juan Antonio Untoria Agustín, proprietário da empresa Pristina S.L., coronel da reserva do Exército da Terra, advogado de defesa de Nicolás, que então retirou a denúncia e foi acusado, processado, julgado e condenado pela Operação Troika por lavagem de dinheiro da máfia russa?
Eu trabalhei 13 anos em um banco. E ali havia uma norma não escrita que dizia que se algum cliente fosse ao escritório para pedir um crédito ou falasse com algum executivo do banco para fazer alguma gestão e se gabasse de ser amigo do presidente ou de algum membro do conselho de administração, era preciso desconfiar. Sem dúvida que se muitos personagens aos quais Gómez Iglesias recorreu para suas gestões tivessem usado essa regra, teriam evitado muitos problemas. Pois há uma última pergunta ainda ficou por responder: Nicolás tinha padrinhos, ou eram todos figurantes sem papel?
Vice-presidência. “Francisco Nicolás Gómez Iglesias nunca colaborou com a Vice-presidência do Governo e, consequentemente, nunca recebeu nenhum encargo”, garantiu ontem a Secretaria de Estado da Comunicação do Governo. Além disso, negou que a vice-primeira-ministra, Soraya Sáenz de Santamaría, tivesse viajado com ele no carro, como o suposto impostor afirmou.
Centro Nacional de Inteligência. “O CNI jamais encarregou o sr. Gómez Iglesias de qualquer atividade, relacionada ou não com as funções e missões deste centro. O secretário de Estado Diretor do CNI se coloca à disposição dos órgãos de controle que a lei estabelece para dar fé do exposto no ponto anterior”, afirmou ontem o órgão. Além disso, anunciou que o assunto está nas mãos da Advocacia Geral do Estado caso suas declarações “possam ser constitutivas de delito”.
Casa del Rey. A instituição real também desmentiu que tivesse encomendado alguma coisa ao Pequeno Nicolás “nem em relação ao procedimento judicial referido à infanta Cristina nem sobre qualquer outro assunto”. Admite, por sua vez, que “diante da intenção de ser recebido” por dom Juan Carlos, “foi informado de que solicitasse por escrito seguindo o procedimento oficial habitual”. Coisa que, segundo afirmam, jamais se concretizou.
copiado http://brasil.elpais.com/
A história que Cosmen me contou era de outro planeta e me deixou inquieto. Ele me disse que um conhecido seu lhe havia pedido para se encontrar com este jovem porque ele tinha algo importante para lhe contar, ao que respondeu dizendo que estava de férias e só voltaria a Madri em setembro. Em um telefonema posterior, o intermediário disse que o rapaz poderia ir até Ribadeo. Cosmen, então, aceitou o encontro e reservou uma mesa no restaurante San Miguel. A primeira surpresa já veio um dia antes do encontro, quando Nicolás telefonou para ele para confirmar sua presença e acrescentar que uma terceira pessoa participaria do almoço: ninguém menos do que o rei Felipe VI, da Espanha.
Jorge Cosmen ficou muito surpreso, mas telefonou ao restaurante para avisar que seriam três pessoas e para pedir uma mesa mais discreta. E ali veio a segunda surpresa: o dono do restaurante disse que já sabia que o novo comensal era o Rei porque alguém tinha telefonado dizendo ser do Palácio da Zarzuela (residência da família real espanhola) para reservar as mesas em volta para seguranças.
No dia do almoço, recebeu a terceira surpresa. Enquanto esperava seus convidados, surgiu nas ruas de Ribadeo um cortejo de três carros e algumas motos de escolta – dois Audi de luxo e um “grande” BMW. Diante de todo o mundo, a porta do BMW se abriu e do carro saiu um jovem com rosto inocente, o que foi uma grande decepção para os curiosos reunidos nas ruas. O almoço transcorreu sem grandes novidades e o rapaz não parou de falar da importância da Alsa para a marca Espanha e, que nos Palácios da Zarzuela e da Moncloa (sede do Governo espanhol), para quem ele dizia trabalhar, a empresa era vista com muito bons olhos. Era, sem dúvida, a fase de encantamento. Mas Nicolás se via diante de alguém que, longe de se deixar impressionar, se pôs a perguntar sobre aquele personagem. Eu disse não saber quem era este garoto e que tudo parecia ser uma grande invenção. Foi também o que afirmou María Pico, chefe de gabinete da vice-primeira-ministra, Soraya Sáenz de Santamaría, a quem Cosmen também telefonou para obter mais informações.
O problema para Nicolás é que naquele mês de agosto María Pico recebeu outros telefonemas vindos de Sotogrande (grande condomínio particular na Andaluzia), reportando atitudes semelhantes da parte de Nicolás. Por isso, ao fim do recesso de verão, a chefe de gabinete comentou o assunto com a vice-premiê e esta recomendou reportar o caso à polícia, porque alguém havia roubado a identidade de um funcionário do Governo. Pouco depois, Fran, Nicolás ou como quer que se chame (os caras-de-pau costumam adotar vários codinomes) fez outra aparição estelar na sacada da Prefeitura de Pinto, durante uma homenagem prestada ao ciclista Alberto Contador, onde conseguiu subir dizendo que era o marquês de Togores e assistente no gabinete da vice-primeira-ministra. Ele já vinha utilizando o personagem do marquês de Togores durante meses para penetrar no exclusivo clube Puerta de Hierro, em Madri, e impressionar as pessoas que ele convidava para almoçar.
Depois de rastrear as redes sociais e encontrar as dezenas de fotos que o rapaz postou ao lado de figuras importantes de toda a Espanha, e de fazer algumas rápidas investigações, as autoridades começaram a se preocupar de verdade. A tecnologia também atinge os caras-de-pau. Antes, esses personagens se limitavam a praticar o name dropping (citar personalidades públicas pelo primeiro nome) para demonstrar que são próximas da nata do país. Mas Nicolás lançou o selfie dropping: exibia fotos suas acompanhando pessoas importantes para justificar suas mentiras e suas meias verdades.
Em um determinado momento, María Pico decidiu telefonar para o impostor e perguntar abertamente se ele trabalhava para o gabinete da vice-primeira-ministra. Ele hesitou, titubeou, balbuciou um “sim” e depois perguntou quem estava do outro lado da linha. Quando María se identificou e o advertiu que estava cometendo um crime, Nicolás recuou e começou a dizer que tinha apenas 20 anos e que nunca havia roubado a identidade de ninguém.
Pouco depois, chegou uma denúncia de um homem chamado Javier Martínez, do vilarejo de La Hiruela, que acusou Nicolás de lhe roubar 25.000 euros na tentativa de venda de uma casa em Toledo, avaliada em 15 milhões de euros (uma denúncia que, ao que parece, foi retirada). Em seguida, veio sua prisão, há 40 dias, no bairro de Chamberí, em Madri, em uma operação policial digna do detento. Depois de passar 72 horas na cadeia, foi colocado em liberdade para responder a acusações de falsidade ideológica, fraude e roubo de identidade. No registro policial de seu domicílio foram encontrados vários relatórios falsificados do Centro Nacional de Inteligência espanhol (CNI), falsas autorizações para entrada de veículos no Palácio da Moncloa, uma sirene de carro de polícia e dois emblemas autênticos da Guarda Civil e da Polícia Nacional. No auto, a juíza afirma que observa em Nicolás “uma florida idealização delirante do tipo megalomaníaca”. Neste momento, a investigação está submetida a segredo de justiça, ampliado na semana passada.
O problema é que agora Francisco Nicolás Gómez Iglesias, de 20 anos, decidiu “puxar o tapete” e ameaça levar ao conhecimento público informações sensíveis para o Estado, enquanto afirma, sem vergonha nenhuma, que colaborava com o CNI, a Moncloa e a Zarzuela. Ele afirma, inclusive, que tem provas que demonstram tudo o que alega e anuncia uma rodada de aparições na televisão, afirmando que vai dar entrevistas de graça. No sábado, durante uma entrevista no canal Tele5, repetiu isso 10 vezes, enquanto circulava a notícia de que a produtora de TV Mandarina tinha pagado 100.000 euros por sua participação no programa.
Em menos de 48 horas, as três instituições atingidas – a Casa Real, a Moncloa e o CNI – desmentiram veementemente seu envolvimento, mas ele continua atirando pedras em todos os telhados para ver se consegue quebrar alguma telha. Com mentiras e meias verdades, ele pretende implicar as entidades que utilizou em suas fraudes. Algumas delas são tão exageradas que caem com seu próprio peso. Se ele disse que se encontrou várias vezes com Soraya Sáenz de Santamaría e que até esteve com ela em seu carro oficial, e a vice-premiê afirma que nunca o viu na vida, a história acaba aí.
Mas a mais grave de todas as alegações é a de que ele trabalha como colaborador do CNI e que denunciou práticas “ilegais” de alguns de seus agentes. (Ele diz que era um “Charly”, termo que não existe no jargão dos Serviços Secretos e que deve ter sido inventado por algum personagem do TDT Party – grupo de emissoras de televisão ultraconservadoras da Espanha). O CNI nega qualquer colaboração com Nicolás e confirma apenas que, em setembro de 2013, ele esteve em sua sede em Aravaca, acompanhando um empresário da firma de eventos Executive Forum, para convidar o diretor Félix Sánz Roldán para um café da manhã – convite que não foi aceito. O Centro acredita que Nicolás utilizou essa visita para observar o escritório e colher detalhes que lhe serviriam para executar suas enganações.
Em seu comunicado transmitido ontem, o CNI diz que “o secretário de Estado Diretor do CNI se coloca à disposição dos órgãos de controle que a lei estabelece” e que “foram colocadas ao conhecimento da Advocacia Geral do Estado as declarações públicas do senhor Gómez Iglesias no caso de serem constitutivas de delito”.
Como agia Gómez Iglesias? A verdade é que trabalhava muito. Passou anos criando uma imagem de personagem bem relacionado, dos jovens da Fundação para a Análise e os Estudos Sociais (FAES) até o setor empresarial, passando pela administração municipal de Madri. Deixava-se ver no palco do estádio Santiago Bernabéu ou nos eventos políticos e empresariais dos principais hotéis madrilenhos, nos quais dava um jeito de se sentar em um lugar de destaque. E tirava fotos, sem parar, que postava em sua conta do Facebook.
O passo seguinte era fazer-se de mediador entre alguém que tinha um problema e outro que podia solucioná-lo. E aí sua lábia, sua cara-de-pau, desempenhava um papel importante. Foi capaz de pedir dinheiro aos advogados de Jordi Pujol, ou de Javier de la Rosa, para conseguir acabar com a investigação ou obter um indulto. De tentar mediar negócios no México para uma importante construtora espanhola ou de fazer crer que tinha contatos importantes na Guiné Equatorial e que podia conseguir contratos muito benéficos “para os espanhóis”. Chegou até a dizer que participou ativamente das negociações para a instalação da Eurovegas em Madri.
Apesar dos desmentidos, continua atirando pedras em todos os telhados para ver se quebra alguma telha
Nos filmes de costumes espanhóis, era frequente contar como se aplicava o chamado golpe do bilhete de loteria. Um golpe no qual o enganado acreditava ter logrado o golpista, e por isso nunca podia denunciá-lo. Aconteceu aqui algo parecido e por isso não há mais denúncias contra o pequeno Nicolás? Ou Gómez Iglesias não tinha conseguido consumar suas operações? Será preciso esperar para obter respostas a essas perguntas.
Também será preciso saber qual o papel da construtora Edhinor, que aparentemente alugou a casa no bairro de El Viso de Madri (ainda que oficialmente o locatário fosse uma pequena construtora de Alcorcón, ACO, com a qual a Edhinor tinha trabalhado certa vez em união temporária de empresas), onde Nicolás realizava todo tipo de reuniões e festas até junho passado, e da qual o garoto tinha um cartão de visitas de “Relações Institucionais”. Essa casa rendeu muito assunto à imprensa nas últimas semanas e chegou-se a especular que haja gravações feitas ali por pessoas importantes da política e da empresa. Mais uma vez, o jogo das ameaças veladas.
Há uma última incógnita sem solução. Que papel desempenha em toda essa história o advogado Juan Antonio Untoria Agustín, proprietário da empresa Pristina S.L., coronel da reserva do Exército da Terra, advogado de defesa de Nicolás, que então retirou a denúncia e foi acusado, processado, julgado e condenado pela Operação Troika por lavagem de dinheiro da máfia russa?
Eu trabalhei 13 anos em um banco. E ali havia uma norma não escrita que dizia que se algum cliente fosse ao escritório para pedir um crédito ou falasse com algum executivo do banco para fazer alguma gestão e se gabasse de ser amigo do presidente ou de algum membro do conselho de administração, era preciso desconfiar. Sem dúvida que se muitos personagens aos quais Gómez Iglesias recorreu para suas gestões tivessem usado essa regra, teriam evitado muitos problemas. Pois há uma última pergunta ainda ficou por responder: Nicolás tinha padrinhos, ou eram todos figurantes sem papel?
Moncloa, Zarzuela e CNI desmentem versões
Francisco Nicolás Gómez Iglesias, conhecido como o pequeno Nicolás, garantiu nas entrevistas concedidas a El Mundo e Telecinco que trabalhou para a Vice-presidência do Governo, a Casa del Rey e o CNI em diversos assuntos para os quais foi contratado. As três instituições desmentem. Além disso, o Ministério da Economia negou que tivesse lhe emprestado um carro.Vice-presidência. “Francisco Nicolás Gómez Iglesias nunca colaborou com a Vice-presidência do Governo e, consequentemente, nunca recebeu nenhum encargo”, garantiu ontem a Secretaria de Estado da Comunicação do Governo. Além disso, negou que a vice-primeira-ministra, Soraya Sáenz de Santamaría, tivesse viajado com ele no carro, como o suposto impostor afirmou.
Centro Nacional de Inteligência. “O CNI jamais encarregou o sr. Gómez Iglesias de qualquer atividade, relacionada ou não com as funções e missões deste centro. O secretário de Estado Diretor do CNI se coloca à disposição dos órgãos de controle que a lei estabelece para dar fé do exposto no ponto anterior”, afirmou ontem o órgão. Além disso, anunciou que o assunto está nas mãos da Advocacia Geral do Estado caso suas declarações “possam ser constitutivas de delito”.
Casa del Rey. A instituição real também desmentiu que tivesse encomendado alguma coisa ao Pequeno Nicolás “nem em relação ao procedimento judicial referido à infanta Cristina nem sobre qualquer outro assunto”. Admite, por sua vez, que “diante da intenção de ser recebido” por dom Juan Carlos, “foi informado de que solicitasse por escrito seguindo o procedimento oficial habitual”. Coisa que, segundo afirmam, jamais se concretizou.
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