Temer resiste?
Na última semana, o Brasil assistiu a mais um capítulo da guerra institucional estabelecida desde a divulgação de delação dos donos da JBS em maio. A instabilidade permanente e as doses homeopáticas – ao mesmo tempo dolorosas – da crise podem até se ajustar com perfeição às conveniências da oposição e do PT, interessados em ver o País sangrar até as eleições de 2018, mas são deletérias para um Brasil que anseia por virar a página – independentemente de qual seja o desenlace
OS
CAMINHOS DO PRESIDENTE Denunciado
por corrupção, Temer depende da Câmara para não cair. Hoje,
contabiliza votos para permanecer (Crédito: Fernando Bizerra Jr.)
Ary
Filgueira
30.06.17
- 18h00
Na
segunda-feira 26, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot,
abriu seu arsenal de acusações contra o presidente da República,
Michel Temer, com uma denúncia que até faz sentido enquanto
narrativa, mas que ainda carece de provas materiais – essenciais
para se condenar alguém. Diante do inegável peso político dos
petardos e da perspectiva de que eles não cessarão tão cedo, a
pergunta que se impõe é: Temer irá resistir? Há semelhanças e
diferenças relevantes entre os processos de afastamento que
depuseram os ex-presidentes Fernando Collor, em 1992, Dilma Rousseff,
em 2016, e o de agora, em que se deseja apear do poder o presidente
Michel Temer. O atual, mesmo com aparência de frágil, não inspira
profecias de idêntico desfecho, por ser improvável que vá se
render tão cedo ou em algum momento. Mesmo com 7% de aprovação
popular, o presidente da República demonstra resiliência.
Na
noite de segunda-feira 26, Temer já começava a preparar o
contra-ataque à denúncia formulada por Janot. Na madrugada, pouco
dormiu. Preferiu reunir-se com auxiliares para analisar o texto do
procurador. Encontrou uma série de furos na acusação e decidiu que
precisava falar à nação, atendendo ao clamor de sua tropa. Na sala
de jantar, nutriu-se para os momentos de tensão que enfrentaria em
rede nacional. Pediu aos cozinheiros que lhe preparassem uma
reforçada dobradinha – à base de bucho de porco. Jantou e rumou
para o Palácio do Planalto. Em seu pronunciamento, Temer indicou que
está pintado para a guerra. O final pode ser outro, mas por ora o
presidente vence o que se convencionou de chamar de “batalha da
comunicação”. Em sua fala, ladeado por uma claque de deputados
aliados e ministros, Temer partiu para o revide. Contrariando o
ditado segundo o qual a vingança é um prato que se come frio, o
presidente agiu rápido. Seus alvos foram Janot, o ex-funcionário do
Ministério Público Marcelo Miller e o delator Joesley Batista. “Não
fugirei das batalhas, nem da guerra que temos pela frente. A minha
disposição não diminuirá com os ataques irresponsáveis à
instituição Presidência da República, nem ao homem Michel Temer.
Não me falta coragem para seguir na reconstrução do Brasil e na
defesa de minha dignidade pessoal”, disse Temer no fim do discurso
de cerca de 20 minutos.
O
pulo do gato do pronunciamento foi a inclusão da expressão
“denúncia por ilação”. “Nunca vi o dinheiro e não
participei de acertos para cometer ilícitos. Reinventaram o código
penal e incluíram uma nova categoria: a denúncia por ilação. Se
alguém cometeu um crime e eu o conheço, logo sou também
criminoso”, afirmou o presidente. Ao sublinhar o termo, Temer
lançou luz sobre um dos calcanhares de Aquiles de Janot, com o qual
o próprio ex-relator da Lava Jato Teori Zavascki concordava: no afã
de denunciar no afogadilho, o procurador-geral produz peças
jurídicas controversas, para não dizer frágeis.
Fios
desencapados
Por exemplo, Rodrigo Janot afirmou logo no primeiro parágrafo da sua acusação que o presidente “recebeu para si, por intermédio de Rodrigo Santos da Rocha Loures, vantagem indevida de cerca R$ 500 mil”. Também fez menção ao “montante espúrio de R$ 500 mil, recebido por Rodrigo Loures para Michel Temer”. Ao limitar a denúncia de corrupção passiva contra o presidente ao suposto recebimento de R$ 500 mil pelo ex-assessor Rodrigo Rocha Loures, o chefe do MP Federal correu um risco desnecessário que o presidente soube aproveitar em seu discurso: “Onde estão as provas concretas de recebimento desses valores? Inexistem”, afirmou Temer. A acusação esgrime a lógica tanto quanto seria leviano supor que “os milhões” pagos pela JBS poderiam ter parado nas contas do procurador.
Por exemplo, Rodrigo Janot afirmou logo no primeiro parágrafo da sua acusação que o presidente “recebeu para si, por intermédio de Rodrigo Santos da Rocha Loures, vantagem indevida de cerca R$ 500 mil”. Também fez menção ao “montante espúrio de R$ 500 mil, recebido por Rodrigo Loures para Michel Temer”. Ao limitar a denúncia de corrupção passiva contra o presidente ao suposto recebimento de R$ 500 mil pelo ex-assessor Rodrigo Rocha Loures, o chefe do MP Federal correu um risco desnecessário que o presidente soube aproveitar em seu discurso: “Onde estão as provas concretas de recebimento desses valores? Inexistem”, afirmou Temer. A acusação esgrime a lógica tanto quanto seria leviano supor que “os milhões” pagos pela JBS poderiam ter parado nas contas do procurador.
As
investigações provaram que Loures foi destinatário em abril de uma
mala de R$ 500 mil entregue pela JBS. O fato foi atestado não apenas
pelos registros das imagens feitas pela PF, mas pelo comportamento do
próprio ex-assessor de Temer em devolver a dinheirama à Justiça.
Também é inegável que Loures e Temer eram unha e carne, tanto que
o presidente da República, na conversa com Joesley, o autoriza a
permanecer em contato com o interlocutor. O problema foi associar
Temer ao recebimento da mala com os R$ 500 mil, como fez
apressadamente Janot. O dinheiro faria parte de uma mesada paga por
Joesley Batista a Loures por 20 anos em troca de uma intervenção do
presidente da República no Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (CADE) em favor da JBS. Ocorre que a própria denúncia
reconhece não ter sido possível reunir elementos capazes de
concluir “que o interesse manifestado por Rocha Loures no Cade
tenha provocado no seio daquele órgão ações ou decisões
precipitadas ou desviadas da boa técnica”.
Ao
deixar fios desencapados, o procurador deu munição ao presidente da
República. “O procurador-geral afirma que o presidente recebeu
dinheiro, mas não se tem provas disso. A denúncia se baseia mesmo
numa ilação. Não há um conjunto forte de provas”, constatou o
ex-ministro do Supremo, Carlos Velloso, para quem a denúncia foi
precipitada. “É inepta. Falta investigação nesse caso”,
acrescentou. Professor de Direito Constitucional da PUC, Pedro
Serrano fez coro: “Falta solidez à denúncia. Há suposições.
Não se comprova nem que a mala entregue a Rocha Loures chegou a
Temer nem que o dinheiro foi entregue a pedido do presidente. Falta
materialidade e indícios de autoria”, avaliou Serrano. Ou seja,
até agora, todos os pilares sobre os quais se sustenta a primeira
denúncia de Rodrigo Janot não permitem nenhuma conclusão sólida o
suficiente para justificar a deposição do presidente da República.
Segundo
especialistas, os argumentos levantados pelo governo poderão
insuflar o debate a respeito do chamado fruto da árvore envenenada –
teoria consagrada no Direito americano segundo a qual toda a peça
jurídica pode ficar comprometida devido a premissas equivocadas.
Para o cientista político Paulo Kramer, ao tropeçar nos próprios
equívocos, “Janot pode conseguir o milagre de unir, contra si, o
conjunto da classe política”. O acordo tão favorável a Joesley
abençoado pelo procurador-geral “também trincou o que até pouco
tempo atrás era um sólido consenso pró-Lava Jato”, acrescentou
Kramer. Em qualquer tribunal, essa falha na peça jurídica
pode levá-la à nulidade por vício de origem. E, mesmo no
Congresso, esse erro de acusação deve interromper o processo.
O
calendário da crise
Na
batalha contra Janot, o Palácio do Planalto trabalha para concentrar
as forças de sua tropa até setembro. Como o procurador-geral deixa
o cargo antes da primavera, os assessores do Planalto apostam que ele
não deixará esqueletos no armário para serem usados por sua
sucessora, a subprocuradora da República Raquel Dodge. Acreditam que
tudo será descarregado nos próximos dois meses. Depois da troca de
guarda na PGR, a situação não será de calmaria, pois o País
ainda enfrenta instabilidades políticas e o imponderável da Lava
Jato, mas os auxiliares de Temer crêem na diminuição da
temperatura da crise.
Do
lado oposto da trincheira, Janot quer fazer o diabo para prolongar o
desgaste de seu opositor. Por isso, corre contra o tempo. Sua
estratégia consiste em conseguir firmar um acordo de colaboração
premiada com personagens com potencial para constranger o presidente,
como por exemplo o doleiro e operador do PMDB Lucio Bolonha Funaro,
preso desde julho do ano passado. É desta cartola que os
investigadores acreditam que conseguirão sacar o tão aguardado
“fato novo”, capaz de levar Temer a nocaute, ao promover o
desembarque dos aliados ainda indecisos. Se as apostas sobre Funaro
forem frustradas, ainda há esperanças de que o ex-presidente da
Câmara dos Deputados Eduardo Cunha possa, também num acordo de
delação, envolver Temer em algum caso escabroso, ainda desconhecido
do público.
O
HOMEM DA MALA Se
Loures entregou os R$ 500 mil à PF, por que a PGR diz que Temer
“recebeu o dinheiro para si”?
Como
as acusações foram fatiadas, – numa clara estratégia política
do procurador, que tenta fazer Temer sangrar por longo tempo – a
próxima denúncia será encaminhada só em agosto e deve versar
sobre o suposto crime de obstrução de Justiça. Conforme apurou
ISTOÉ, uma terceira denúncia ainda está fase de maturação. É
relacionada a um decreto presidencial que beneficiou a renovação de
empresas concessionárias de portos. Se concluída, será apresentada
até setembro. Mesmo assim, o caminho até a derradeira apreciação
pelo Congresso das peças jurídicas contra Temer será longo. Bem
longo (confira arte na página 32). Hoje, há apenas um ponto de
convergência entre investigadores e investigados: todos concordam
que se a Câmara dos Deputados rejeitar de uma só vez as denúncias,
o presidente terá encontrado um terreno fértil para se fortalecer,
aprovar as reformas e prosseguir no mandato até as eleições de
2018.
Quem
é Marcelo Miller?
mencionado pelo
presidente Temer no contra-ataque feito esta semana ao
procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Mas quem é Marcelo
Miller? Ele assessorou Janot desde o início de sua gestão, em
2013. De fevereiro de 2015 a julho de 2016, atuou no grupo de
trabalho para análise das investigações da Lava Jato contra
políticos no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal
de Justiça (STJ). Miller era destacado por Janot para as missões
importantes, dentro e fora do Brasil. Mas em março deste ano pediu
demissão da procuradoria e foi contratado como advogado da JBS, a
empresa de Joesley Batista, o homem que provocou séria crise
política após gravar o presidente em conversas pouco republicanas .
Miller não participou da delação premiada de Joesley, mas chegou a
trabalhar no pacto de leniência da empresa. Depois, afastou-se da
função. Na JBS, contudo, Miller passou a ganhar “milhões”,
como disse Temer.
“SENHOR
GRAMPEADOR” O
presidente Temer chamou o empresário Joesley Batista de “bandido
confesso” (Crédito:REUTERS/Adriano Machado)
Os
caminhos da denúncia contra Temer
– O ministro Edson Fachin encaminhou a denúncia de Janot para a presidência da Câmara
– A Mesa da Câmara já repassou o documento para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)
– Na CCJ, o presidente Temer tem até dez sessões para apresentar sua defesa
– Depois disso, a CCJ tem até cinco sessões para analisar a denúncia e dar seu parecer. A maioria tem que aprovar o texto
– Se o parecer for favorável à denúncia, ele será encaminhado ao Plenário. Para a Câmara autorizar a abertura de denúncia contra Temer, serão precisos 342 votos favoráveis (Temer necessitará, portanto, de 172 votos para se livrar do processo). O STF ainda terá que analisar a acusação para dar início ao processo
– Se o relatório da CCJ for contrário à denúncia, o Plenário terá que reunir 342 votos para derrubar essa decisão e encaminhar o processo para o STF
– Caso a Câmara aprove a abertura do processo, o Plenário do STF terá que dizer se acolhe ou não a denúncia.
– Se for aceita, Temer vira réu e é afastado do cargo por 180 dias para o julgamento no STF. O deputado Rodrigo Maia assume interinamente a Presidência. Se Temer não for julgado nesse prazo, ele volta para o cargo
– O ministro Edson Fachin encaminhou a denúncia de Janot para a presidência da Câmara
– A Mesa da Câmara já repassou o documento para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)
– Na CCJ, o presidente Temer tem até dez sessões para apresentar sua defesa
– Depois disso, a CCJ tem até cinco sessões para analisar a denúncia e dar seu parecer. A maioria tem que aprovar o texto
– Se o parecer for favorável à denúncia, ele será encaminhado ao Plenário. Para a Câmara autorizar a abertura de denúncia contra Temer, serão precisos 342 votos favoráveis (Temer necessitará, portanto, de 172 votos para se livrar do processo). O STF ainda terá que analisar a acusação para dar início ao processo
– Se o relatório da CCJ for contrário à denúncia, o Plenário terá que reunir 342 votos para derrubar essa decisão e encaminhar o processo para o STF
– Caso a Câmara aprove a abertura do processo, o Plenário do STF terá que dizer se acolhe ou não a denúncia.
– Se for aceita, Temer vira réu e é afastado do cargo por 180 dias para o julgamento no STF. O deputado Rodrigo Maia assume interinamente a Presidência. Se Temer não for julgado nesse prazo, ele volta para o cargo
O
que diz Janot
“Temer
recebeu para si, por intermédio de Loures, vantagem indevida de R$
500 mil ofertada por Joesley” Rodrigo
Janot, procurador-geral da República (Crédito:Divulgação)
“Na
verdade, a conversa no Palácio do Jaburu foi a continuidade das
tratativas para as solicitações, aceitações e recebimentos de
vantagens indevidas habituais e que viriam em sequência”
“Michel
Temer recebeu para si, em unidade de desígnios e por intermédio de
Rodrigo da Rocha Loures, vantagem indevida de R$ 500 mil ofertada por
Joesley Batista, presidente da J&F, cujo pagamento foi realizado
pelo executivo da J&F Ricardo Saud”
“Na
verdade, a conversa no Palácio do Jaburu foi a continuidade das
tratativas para as solicitações, aceitações e recebimentos de
vantagens indevidas habituais e que viriam em sequência”
“Michel
Temer ludibriou os cidadãos brasileiros e, sobretudo, os eleitores,
que escolheram a sua chapa para o cargo político mais importante do
País, confiando mais de 54 milhões de votos nas últimas eleições”
“Rodrigo
Loures violou a dignidade do cargo de deputado federal. A cena do
parlamentar correndo pela rua, carregando uma mala cheia de recursos
espúrios, é uma afronta ao cidadão e ao cargo público que
ocupava”
“Não
há dúvida de que o delito perpetrado por Michel Temer e Rodrigo
Loures causou abalo moral à coletividade, interesse este que não
pode ficar sem reparação”
O
que diz Temer
“Onde
estão as provas concretas de recebimento de valores? Inexistem. A
denúncia é um ataque injurioso” Michel
Temer, presidente da República (Crédito:Walterson Rosa/Framephoto)
“A
denúncia é um ataque injurioso, indigno, infamante à minha
dignidade. Ser acusado de corrupção passiva a essa altura da vida,
sem jamais ter recebido valores, nunca vi o dinheiro e não
participei de acertos para cometer ilícitos”
“Onde
estão as provas concretas de recebimento de valores? Inexistem
“Examinando
a denúncia, percebo que reinventaram o Código Penal e incluíram
uma nova categoria, a denúncia por ilação. Se alguém cometeu um
crime, e eu o conheço, logo a relação é que eu sou também
criminoso”
“Abriu-se,
portanto, um precedente perigosíssimo em nosso Direito, as ilações”
“A
denúncia é uma ficção. Tentaram imputar a mim um ato criminoso,
mas não conseguirão, porque não existe, jurídica e politicamente”
“Interessante,
eu descobri o verdadeiro Joesley, o bandido confesso”
“O
fruto dessa conversa é uma prova ilícita, inválida para a Justiça.
A Polícia Federal, pelo seu Instituto de Criminalística, constatou
que há 120 interrupções, não é? O que torna a prova inteiramente
ilícita”
“Criaram
uma trama de novela”
copiado http://istoe.com.br/temer-resiste/
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