Você precisa saber. Ninguém está acima da lei Como enfrentar as graves violações de direitos humanos perpetradas no passado ditatorial? Qual é a responsabilidade do Judiciário na garantia dos direitos?

Você precisa saber.

Ninguém está acima da lei.

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Como enfrentar as graves violações de direitos humanos perpetradas no passado ditatorial? Qual é a responsabilidade do Judiciário na garantia dos direitos?
Em 30 de agosto, o Tribunal Regional Federal do Pará recebeu denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra militares acusados da prática do crime de sequestro na guerrilha do Araguaia. O coronel reformado Sebastião Rodrigues de Moura (mais conhecido como Major Curió) e o major reformado Lício Augusto Maciel tornaram-se os primeiros réus por crimes da ditadura na Justiça brasileira. Em 14 de agosto, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo confirmou, por decisão unânime, sentença que reconheceu a prática de tortura pelo coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra em face de integrantes da família Teles.
No início da década de 70, Maria Amélia Teles, uma das autoras da ação, teria sido torturada na frente de dois filhos pequenos nas dependências do DOI-Codi do 2º Exército, comandado por Ustra de 1970 a 1974. Houve o reconhecimento oficial pelo Estado brasileiro da ocorrência de tortura perpetrada por Ustra causadora de danos morais às vítimas. Em 18 de setembro, o Supremo Tribunal Federal acolheu o pedido de extradição de militar argentino acusado da prática de crimes durante a ditadura militar naquele país.
Entendeu o Supremo que "nos delitos de sequestro, quando os corpos não forem encontrados, em que pese o fato de o crime ter sido cometido há décadas, está-se diante de um delito de caráter permanente, com relação ao qual não há como assentar-se a prescrição". Isto é, enquanto não forem localizados os restos mortais das vítimas desaparecidas, o crime de sequestro persiste em estado de consumação.
Estas três emblemáticas decisões remetem ao alcance e ao impacto do papel do Judiciário no chamado processo de justiça de transição. Como enfrentar as graves violações de direitos humanos perpetradas no passado ditatorial? Qual é a responsabilidade do Judiciário na garantia dos direitos à verdade e à justiça?
A proibição da tortura é prevista tanto na Constituição federal como também em relevantes tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil. Como parte do aparato estatal, cabe ao Judiciário aplicar a normatividade e a jurisprudência internacional em matéria de direitos humanos, louvando o princípio da boa-fé a reger a ordem internacional. A Convenção contra a Tortura estabelece que nada pode justificar a prática da tortura - seja ameaça ou estado de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública. Outros tratados convergem ao endossar a absoluta proibição da tortura: o direito a não ser submetido à tortura é um direito absoluto, que não permite qualquer exceção, suspensão ou derrogação.
É neste contexto que, em histórica sentença de 24 de novembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu que a lei de anistiabrasileira de 1979 é manifestamente incompatível com a Convenção Americana, carece de efeitos jurídicos e não pode seguir representando um obstáculo para a investigação de graves violações, nem para a identificação e punição dos responsáveis. Esta decisão reitera a importante jurisprudência da Corte sobre a matéria.
Para a Corte, as leis de anistia perpetuam a impunidade, propiciam uma injustiça continuada, impedem às vítimas e aos seus familiares o acesso à Justiça e o direito de conhecer a verdade e de receber a reparação correspondente, o que constituiria uma direta afronta à Convenção Americana. As leis de anistia configurariam um ilícito internacional. No caso La Cantuta vs Peru (2006), sustentou a Corte que "o aparato estatal foi indevidamente utilizado para cometer crimes de Estado, para, depois, encobrir tais crimes e manter seus agentes impunes. O jus cogens (direito cogente) resiste aos crimes de Estado, impondo-lhe sanções".
Inaceitável moral e juridicamente é a indiferença à violência sistemática e generalizada da tortura e do desaparecimento forçado que maculam o passado brasileiro.
As recentes decisões da Justiça brasileira constituem avanços inéditos e extraordinários no combate à impunidade de graves violações a direitos, na independência judicial e na máxima republicana de que a lei vale para todos, alcançando dos mais vulneráveis aos mais poderosos. Refletem que o Poder Judiciário está a honrar sua maior vocação constitucional na proteção de direitos e na realização de justiça. Honrar esta responsabilidade é condição essencial para fortalecer o estado de direito, a democracia e o regime de direitos humanos no Brasil.
Flávia Piovesan é procuradora do Estado de São Paulo e professora de Direito da PUC-SP (Flávia Piovesan - O Globo)
Como enfrentar as graves violações de direitos humanos perpetradas no passado ditatorial? Qual é a responsabilidade do Judiciário na garantia dos direitos?
Em 30 de agosto, o Tribunal Regional Federal do Pará recebeu denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra militares acusados da prática do crime de sequestro na guerrilha do Araguaia. O coronel reformado Sebastião Rodrigues de Moura (mais conhecido como Major Curió) e o major reformado Lício Augusto Maciel tornaram-se os primeiros réus por crimes da ditadura na Justiça brasileira. Em 14 de agosto, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo confirmou, por decisão unânime, sentença que reconheceu a prática de tortura pelo coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra em face de integrantes da família Teles.
No início da década de 70, Maria Amélia Teles, uma das autoras da ação, teria sido torturada na frente de dois filhos pequenos nas dependências do DOI-Codi do 2º Exército, comandado por Ustra de 1970 a 1974. Houve o reconhecimento oficial pelo Estado brasileiro da ocorrência de tortura perpetrada por Ustra causadora de danos morais às vítimas. Em 18 de setembro, o Supremo Tribunal Federal acolheu o pedido de extradição de militar argentino acusado da prática de crimes durante a ditadura militar naquele país.
Entendeu o Supremo que "nos delitos de sequestro, quando os corpos não forem encontrados, em que pese o fato de o crime ter sido cometido há décadas, está-se diante de um delito de caráter permanente, com relação ao qual não há como assentar-se a prescrição". Isto é, enquanto não forem localizados os restos mortais das vítimas desaparecidas, o crime de sequestro persiste em estado de consumação.
Estas três emblemáticas decisões remetem ao alcance e ao impacto do papel do Judiciário no chamado processo de justiça de transição. Como enfrentar as graves violações de direitos humanos perpetradas no passado ditatorial? Qual é a responsabilidade do Judiciário na garantia dos direitos à verdade e à justiça?

Ninguém está acima da lei

Associação do Ministério Público de Minas Gerais
A proibição da tortura é prevista tanto na Constituição federal como também em relevantes tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil. Como parte do aparato estatal, cabe ao Judiciário aplicar a normatividade e a jurisprudência internacional em matéria de direitos humanos, louvando o princípio da boa-fé a reger a ordem internacional. A Convenção contra a Tortura estabelece que nada pode justificar a prática da tortura - seja ameaça ou estado de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública. Outros tratados convergem ao endossar a absoluta proibição da tortura: o direito a não ser submetido à tortura é um direito absoluto, que não permite qualquer exceção, suspensão ou derrogação.
É neste contexto que, em histórica sentença de 24 de novembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Human
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