Que Vergonha! "Não havia um líder, um movimento social ou politico. A maior parte eram jovens, negros, entre os 15 e os 30 anos", diz. "Nós queríamos marcar uma posição. Chega. Estamos aqui, estamos indignados. Julgamento 'manifestação antirracismo'. "Pretos de merda vão trabalhar. Vão para a vossa terra"

À justiça, à igualdade", "


Manifestação na Avenida da Liberdade, a 21 de janeiro, em nome do Bairro da Jamaica

Julgamento 'manifestação antirracismo'. "Pretos de merda vão trabalhar. Vão para a vossa terra"

Um manifestante, dois espetadores e o amigo de um dos quatro detidos durante a manifestação antirracista na Avenida da Liberdade, em Lisboa, a 21 de janeiro, foram esta quinta-feira ouvidos no Tribunal de Pequena Instância Criminal, no Campus da Justiça, em Lisboa. Este é o segundo julgamento sumário do processo que terá nova sessão a 26 de fevereir"O que é que estás aqui a fazer? Tu pertences a esta manifestação?", lembra-se Miguel Batista, 36 anos, professor da Universidade de Direito de Lisboa, de lhe terem perguntado. A questão veio de um agente da PSP no final da manifestação na Avenida da Liberdade, a 21 de janeiro, contra a alegada violência policial no bairro da Jamaica, no Seixal, do dia anterior. Era um branco no meio de pretos. "Não, não pertenço. Estava só a observar", diz ter respondido. "Então sai já daqui antes que eu te parta os cornos", acrescentou o agente do corpo de intervenção, segundo o docente.
Naquela segunda-feira, Miguel Batista tinha ido passear até ao Chiado e tomou conhecimento da manifestação quando chegou ao Rossio, na altura em que os protestos deixavam a Praça do Comércio, onde tinham começado, para se dirigirem ao Marquês de Pombal passando pela Avenida da Liberdade. Decidiu seguir a marcha e foi assim que assistiu, perto do hotel Tivoli, à detenção de Bruno Andrade, de 29 anos, um dos quatro arguidos acusados pelo Ministério Público de ofensas à integridade física qualificadas, de injuria agravada, de dano e de participação em motim.
"Chegados ao hotel Tivoli começa a ouvir-se barulho, shotguns a serem disparadas, pedras arremessadas e eu fico ali numa posição complicada", conta o professor, a primeira testemunha a ser ouvida durante a segunda sessão do julgamento sumário no Tribunal de Pequena Instancia Criminal, no Campus da Justiça, em Lisboa.
Para se proteger optou por permanecer perto das autoridades; acabando por ficar atrás daquele que viria a conhecer como o intendente Luís Moreira, do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, um dos ofendidos no caso [Luís Moreira foi também ouvido no âmbito do Processo da Cova da Moura, onde descreveu essa situação como "serena" e "clama"]. "Parecia um grupo de forcados: o primeiro [agente] com um escudo, depois o senhor intendente, depois eu", indica Miguel. Entre eles (agentes e a testemunha) e Bruno Andrade havia ainda três autocarros (estacionados à frente do hotel), que obstruíam a visibilidade. E é desta posição, contrária à "zona onde havia pedras a serem arremessadas", que Miguel viu o arguido a ser detido.
"Ele [Bruno Andrade] vem de uma zona onde não está a acontecer nada", lembra o docente que reconheceu o arguido pelas notícias da manifestação e decidiu voluntariar-se como testemunha neste processo. "Bruno Andrade foi trazido para junto da passadeira, foi colocado no chão e depois foi trazido para uma carrinha que estava exatamente nas minhas costas. Ele gritava 'Eu não fiz nada, eu não fiz nada'. E eu fiz-lhe um gesto para ele se acalmar, mas as pessoas ficaram consternadas porque foi levada uma pessoa com alguma violência."
Miguel Batista disse não ter reparado em manifestantes a atingirem policia, mas também não viu as autoridades a dispararem balas de borracha contra quem protestava, apenas "ouviu o som de tiros".

"O que eu vi foi alguém a ser detido por estar a filmar"

Também o advogado lisboeta Pedro Rita, que passou pelos Restauradores no dia 21 de janeiro à tarde, diz não ter assistido a um comportamento agressivo nem da parte da polícia nem dos manifestantes. "O que vi foi alguém a ser detido por estar a filmar", conta.
Quando chegou ao final da Avenida da Liberdade, havia "um grande ajuntamento de pessoas" e "estava um rapaz a ser algemado e havia um outro rapaz que estava a filmar". Bruno Fonseca, 31 anos, estava a ser detido e Teodoro Ferreira, 26 anos, captava imagens. "O Teodoro estava a filmar e queixava-se: o que é que estão a fazer? Isso não é maneira de tratar as pessoas". Segundo aquilo que Pedro Rita conseguiu ouvir, a alguns metros de distância, os agentes pediram a Teodoro para deixar de filmar e como este se recusou (sem violência) a guardar o telemóvel "foi encostado à carrinha" da PSP.
"No caso do Teodoro não houve nada que justificasse a detenção, ele não fez nada que não fosse filmar", indicou a testemunha.
"Estávamos nos Restauradores e [os manifestantes] estavam muito tensos a discutir com a policia e de repente começámos a ver a polícia atrás de uma pessoa que era o Bruno [Fonseca]. As pessoas começaram a filmar, foi o primeiro instinto. E foi aí que vi o Teodoro a filmar e foi aí que detiveram o Teodoro", reforça Giovano Barros, 34 anos, outra das testemunhas ouvida na sessão judicial.

A cor numa manifestação antirracismo

"As pessoas que começaram os conflitos não eram negras", afirma Giovano, que soube da manifestação através das redes sociais e chegou por volta das 14.40 à Praça do Comércio.
O manifestante de Rio Mouro, concelho de Sintra, explicou que a manifestação foi marcada de forma espontânea e que ainda no início os cerca de 50 manifestantes que estavam no Terreiro do Paço foram avisados pelas autoridades da ilegalidade do protesto, que não foi comunicado previamente.
"Não havia um líder, um movimento social ou politico. A maior parte eram jovens, negros, entre os 15 e os 30 anos", diz. "Nós queríamos marcar uma posição. Chega. Estamos aqui, estamos indignados. Decidimos fazer uma marcha até ao Marquês de Pombal para mostrar à cidade que estávamos lá", continua.
"Grito à liberdade", "À justiça, à igualdade", "Não ao racismo", pediam os cerca de 300 manifestantes que acabaram por se reunir por causa dos confrontos entre polícia e moradores do bairro da Jamaica ocorridos no dia 20 de janeiro. No dia anterior, agentes da PSP de Setúbal deslocaram-se ao bairro social alertados para "uma desordem entre duas mulheres", que acabou com agressões físicas entre forças policiais e habitantes.
Apesar de esta ser uma manifestação contra racismo, Giovano e o professor Miguel Batista afirmam que sentiram sempre um tratamento discriminatório dos agentes e de cidadãos que por ali passaram com base no tom da pele. "Que tipo de vocabulário discriminatório?", perguntou o advogado de defesa, Vasco Seabra Barreira. "Pretos de merda vão trabalhar, vão para a vossa terra. O que é que estão aqui a fazer a uma segunda-feira?", declara rapidamente Giovano.

Polícias versus manifestantes

Na primeira sessão do julgamento, marcada por uma discussão acesa entre arguidos, agentes e testemunhas, no átrio do tribunal, foram ouvidos cinco agentes da PSP (que não estiveram presentes esta quinta-feira) e os quatro arguidos: José Júnior (22 anos), Teodoro Ferreira (26 anos), Bruno Andrade (29 anos) e Bruno Fonseca (31 anos), três dos quais com antecedentes criminais.
Segundo a polícia, os manifestantes terão ferido cinco agentes com pedras e danificado equipamento policial; tese negada por todos os arguidos e que também não recebeu força das testemunhas ouvidas na sessão de hoje.
Durante o último julgamento, a defesa pediu ainda as imagens da manifestação captadas pelas estações de televisão - RTP, SIC, TVI e CMTV - visionadas durante a sessão de hoje. Em falta estão ainda as gravações da CMTV, que será notificada pelo tribunal, e o acesso às imagens de videovigilância do Cinema-Teatro São Jorge e do hotel Tivoli, ambos situados a meio da Avenida da Liberdade, e que poderão ter captado os confrontos. Estes dois últimos pedidos esta quinta-feira pela defesa.
As alegações finais foram adiadas para o dia 26 de fevereiro pelas 14 horas devido a ausência justificada de uma testemunha considerada fundamental pela defesa.
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