A revolta iniciada na Primavera Árabe passou pela Espanha e chegou aos EUA com um recado: a democracia não arrumará as coisas sem certa pressão
JOSEPH E. STIGLITZ, PROJECT SYNDICATE, É GANHADOR DO NOBEL DE ECONOMIA, PROFESSOR DA UNIVERSIDADE COLUMBIA
O movimento de protesto que começou na Tunísia em janeiro espalhou-se para o Egito, depois para a Espanha, e tornou-se global, com protestos engolfando Wall Street e cidades espalhadas pelos EUA. A globalização e as tecnologias modernas permitem que movimentos sociais transcendam fronteiras tão rapidamente como ideias. E o protesto social encontrou solo fértil em toda parte: um sentimento de que o “sistema” fracassou e a convicção de que, mesmo numa democracia, o processo eleitoral não consertará as coisas – ao menos não sem uma forte pressão.
Há um tema comum entre eles, manifestado pelo movimento Ocupe Wall Street numa frase: “Somos os 99%.” Esse slogan faz eco ao título de um artigo que publiquei recentemente intitulado “Do 1%, para o 1%, e pelo 1%”, descrevendo o enorme aumento da desigualdade nos EUA: 1% da população controla mais de 40% da riqueza e recebe mais de 20% da renda. São pessoas tão ricamente recompensadas não porque tenham contribuído mais para a sociedade, mas porque são, em poucas palavras, bem-sucedidos (e por vezes corruptos) caçadores de renda.
Por todo o mundo, influência política e práticas anticompetitivas (em geral sustentadas pela política) foram centrais para o crescimento da desigualdade econômica. Reforçaram essa tendência os sistemas fiscais nos quais um bilionário como Warren Buffett paga menos impostos (como porcentagem de sua renda) que seu secretário, ou em que especuladores, que ajudaram a derrubar a economia global, são taxados com alíquotas mais baixas que os que trabalham por sua renda.
Algumas pesquisas nos últimos anos mostraram como são importantes e entranhadas as noções de justeza. Os manifestantes da Espanha, e os de outros países, estão certos de se indignar: eis um sistema em que os banqueiros são salvos, enquanto os que eles pilharam foram deixados à própria sorte. Pior, os banqueiros estão agora de volta a suas escrivaninhas, ganhando bônus maiores do que a maioria dos trabalhadores espera ganhar em toda a vida, enquanto jovens que estudaram duro e jogaram conforme as regras não veem perspectivas de um bom emprego. O crescimento da desigualdade é produto de uma espiral viciosa: os ricos caçadores de renda usam sua riqueza para modelar uma legislação que protege e aumenta sua riqueza – e sua influência.
Os manifestantes estão corretos quando acham que existe alguma coisa errada. Por todo o mundo, temos recursos subutilizados – pessoas que querem trabalhar, máquinas que estão ociosas, prédios que estão vazios – e enormes necessidades não atendidas: combater a pobreza, promover o desenvolvimento e preparar a economia para o aquecimento global, para citar apenas algumas. Nos EUA, após mais de sete milhões de execuções hipotecárias de casas nos últimos anos, há residências vazias e pessoas sem teto.
Os manifestantes foram criticados por não terem uma agenda. Mas isso é uma incompreensão do protesto, uma expressão de frustração com o processo eleitoral. Eles são um alarme.
O protesto antiglobalização em Seattle, em 1999, no que devia ser a inauguração de uma rodada de conversações comerciais, chamou atenção para falhas da globalização e das instituições e acordos internacionais que a governam.
Quando a imprensa se aprofundou nas alegações dos manifestantes, descobriu que havia mais que um grão de verdade nelas. As negociações comerciais que se seguiram foram diferentes e o Fundo Monetário Internacional posteriormente empreendeu reformas significativas. Ainda nos EUA, os manifestantes pelos direitos civis dos anos 60 chamaram a atenção para o racismo institucionalizado na sociedade americana. Esse legado ainda não foi superado, mas a eleição do presidente Barack Obama mostra o quanto aqueles protestos moveram os EUA.
Em outro nível, os manifestantes de hoje pedem pouco: uma chance de usar suas habilidades. Sua esperança é evolucionária, não revolucionária. Mas, em outro nível, eles estão pedindo muito: uma democracia em que as pessoas, e não os dólares, importem, e uma economia de mercado que cumpra o que supostamente deveria cumprir. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK
COPIADO : http://blogs.estadao.com.br/radar-global/a-globalizacao-do-protesto/
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