Refugiados sírios encontram abrigo na Líbia pós-Kadafi

Refugiados sírios encontram abrigo na Líbia pós-Kadafi

Ainda em reconstrução, Benghazi é um dos principais destinos dos que fogem de Assad
Ruth Sherlock,
do Los Angeles Times
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Manifestação de sírios em Trípoli Foto: AFP
Manifestação de sírios em Trípoli AFP
BENGHAZI - Mesmo ainda se recuperando da recente guerra civil, a Líbia está se tornando rapidamente um lugar sagrado para milhares de refugiados que fogem do banho de sangue que ocorre na Síria.
Ônibus de Damasco lotados com famílias sírias chegam diariamente à cidade de Benghazi, no leste do país, berço da rebelião que derrubou o ditador Muamar Kadafi.
- Mais de quatro mil famílias sírias procuraram refúgio na Líbia nas últimas semanas, e os números estão crescendo a cada dia. Os ônibus chegam cheios e voltam vazios. Antes eram dois por semana, mas agora são dois por dia - diz Mohammed Jammal, líder comunitário sírio na cidade.
Abarrotados de famílias e homens jovens, os ônibus chegam durante a noite, após uma viagem de dois dias que passa pela Jordânia, pelo Canal de Suez, pelo Egito e finalmente pela estrada que leva a Benghazi.
Eles chegam a uma cidade onde o lixo continua a ocupar as ruas, em que escolas só foram recentemente reabertas e com moradores que estão começando a encontrar empregos. Slogans da revolução líbia dividem espaço nos muros com fotos dos que morreram na batalha. No rádio, propagandas são intercaladas com avisos aos civis para que não toquem em artefatos explosivos não detonados, inclusive granadas, restos de foguetes e tanques que ainda estão espalhados pela cidade.
Um país que está apenas começando a se reestruturar pode parecer um destino improvável para quem foge da violência em sua própria nação. Mas algumas das famílias sírias que chegam a Benghazi dizem que a Líbia é um dos únicos países onde eles podem se sentir em segurança.
- A Líbia está livre agora. Não existe polícia secreta para nos observar. Eles tiveram a sua revolução e agora eles vão nos ajudar a fazer a nossa - disse um refugiado que, como outros entrevistados, preferiu não se identificar.
O nascente governo líbio, que em outubro foi o primeiro a reconhecer formalmente o Conselho Nacional Sírio, o mais importante grupo de oposição do país, disse que vai receber e aceitar os refugiados.
Muitas das famílias que estão escapando da Síria são opositores ao governo do presidente Bashar al-Assad. Elas temem serem presas no Líbano, onde o governo de coalizão é simpático ao regime sírio, ou em Turquia e em Jordânia, por agentes da inteligência síria que estão infiltrados nesses países.
Acampamentos reúnem líbios, sírios e africanos
Fileiras de casas provisórias estão sendo preparadas para eles em um acampamento que já abriga 120 mil pessoas desabrigadas por causa da guerra líbia. O acampamento foi aberto durante os primeiros dias do conflito, com a rápida organização de barracas e tendas para abrigar as pessoas que esperavam para fugir do país. Muitos africanos que se tornaram vulneráveis a ataques, por causa dos rumores de que Kadafi estava contratando mercenários estrangeiros, também encontraram refúgio ali. Para eles, provenientes de países inseguros, é perigoso retornar a suas casas, então eles continuam no campo de refugiados, já que houve uma grande expansão de casas temporárias cercadas por um alto muro. Líbios afetados pelo rancor gerado pela guerra também se juntaram a esses abrigados.
- Temos 35 famílias vindo para cá - diz Ibrahim Asfour, que administra o acampamento para a Sociedade do Crescente Vermelho da Líbia. - E esperamos muito mais.
Mas muitas famílias têm medo demais para se registrar e receber ajuda de organizações humanitárias. Jammal, o líder comunitário sírio, diz que usou dinheiro doado por simpatizantes líbios e sírios que vivem no país para alugar apartamentos para abrigar alguns núcleos. Mas, à medida que mais pessoas chegam, isso se torna cada vez mais difícil.
- Nos últimos dez dias tivemos problemas em encontrar locais para abrigo - afirma Jammal.
A maioria das famílias vem da conflituosa cidade de Homs, no oeste da Síria, e de outras partes do país onde há levantes. Um homem, que contou ter chegado em Benghazi quatro dias antes, descreveu a experiência traumática de sua família.
Passado de violência; esperança para futuro
Junto com a mulher, quatro filhas e um filho de dois anos, ele viveu em uma rua que divide os bairros dominados pelos muçulmanos sunitas e por alauítas, uma ramificação xiita. Ele diz ter presenciado o aumento da tensão e os desdobramentos da violência durante três meses. O regime de Assad é dominado por alauítas e muçulmanos sunitas têm sido uma força importante na rebelião contra o presidente.
- A situação em Homs é muito ruim entre grupos sectários sunitas e alauítas. Eles estão todos lutando agora... As forças de segurança encorajam isso - diz o homem.
A cidade tem sido o principal foco de protestos antigoverno e também abriga desertores do Exército, que frequentemente entram em conflito com as forças de segurança. O homem sírio diz que o governo estacionou seis tanques na sua rua.
- Aquilo é guerra. Algumas vezes a gente não podia sair por dias por causa dos enfrentamentos. Eu esperava por dias para que houvesse uma calmaria e eu saísse para comprar alimentos ou para que os combates no outro bairro ficassem tão sérios e desviassem a atenção da minha rua - relata.
Quando o seu tio foi morto em um confronto enquanto ia comprar pão, a família decidiu deixar a cidade:
- Nós esperamos por mais de um mês para pegar os passaportes e tivemos que pagar propina para o departamento de imigração. Quase todos com quem eu falei em Homs estão pensando em sair de lá.
O homem disse ser pintor e espera arranjar um emprego na Líbia. Com a voz embargada e lágrimas nos olhos, resume a atitude dos refugiados: “Nós deixamos nossa casa, nosso carro, tudo”.
Antes da guerra civil na Líbia, milhares de sírios trabalhavam no país. A Sociedade do Crescente Vermelho da Líbia estima que eles eram 12 mil quando a guerra começou.
- Muitos foram embora, mas agora eles estão voltando e trazendo suas famílias com eles - diz Ziad Dresi, um coordenador de refugiados da organização.
Muitos dos refugiados dizem estar planejando continuar no país com seus parentes.
- Eu trabalhei na Líbia vinte anos atrás. Muitas das pessoas que eu conhecia dessa época morreram de velhice ou foram mortas na guerra líbia, mas continuo a ter alguns desses amigos - diz um homem de Homs, enquanto retira seus pertences de um ônibus que acabou de chegar.COPIADO : oglobo.globo.com/

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