A princesa espanhola Cristina de Bourbon e os líderes Felipe González, da Espanha, Jacques Chirac, da França, e Carlos Menem, da Argentina, durante cerimônia de assinatura de cooperação inter-regional entre a União Européia e o Mercosul, realizada em Madri.Paul White - 16.dez.95/Associated Press/
A princesa espanhola Cristina de Bourbon e os líderes Felipe González, da Espanha, Jacques Chirac, da França, e Carlos Menem, da Argentina, durante cerimônia de assinatura de cooperação inter-regional entre a União Européia e o Mercosul, realizada em Madri.Paul White - 16.dez.95/Associated Press/
Ao comentar o fechamento de acordo, o presidente elogiou sua equipe de ministros, em especial Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Tereza Cristina (Agricultura) e Onyx Lorenzoni (Casa Civil).
"Conversei com eles rapidamente e disseram que para o nosso lado o Brasil foi contemplado. Eles estão muito felizes com esse desenlace depois de 20 anos", disse.
Depois de mais de 20 anos de negociações, União Europeia e Mercosul anunciaram um acordo de livre-comércio entre os blocos.
A resolução vinha sendo negociada oficialmente desde 1999 e já esteve prestes a ser fechada outras vezes. O entendimento havia se tornado prioridade para a gestão de Bolsonaro.
O secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, que integra a comitiva do G20, também celebrou o acordo.
"O movimento Mercosul-União Europeia hoje é muito importante para demonstrar que ainda acreditamos num livre comércio no mundo", disse.
Durante a entrevista, Bolsonaro reconheceu que tinha pensamentos estatizantes, mas se disse convencido ao liberalismo pelos ministros Paulo Guedes (Economia) e por um de seus filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
"Eu confesso que em grande parte eu tinha pensamentos estatizantes. Confesso, mas nos evoluímos", disse.
Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo (ao centro) com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e o secretário de Comércio Exterior, Marcos Troyjo, em BruxelasDivulgação/Itamaraty Brasil/
Brasil tem muito a ensinar sobre meio ambiente à Alemanha?
Leticia Mori e Paula Adamo Idoeta
Da BBC News Brasil em São Paulo
29/06/2019 09h55
Mesmo antes de as reuniões no fórum do G20 começarem, a política ambiental do governo de Jair Bolsonaro já gerava discussões e troca de acusações.
A chanceler alemã, Angela Merkel, disse, na quarta-feira (26/6), considerar "dramática" a situação do Brasil em questões de meio ambiente e direitos humanos, ao que o presidente brasileiro respondeu que "a Alemanha tem muito a aprender com o Brasil" nessa área.
Como a Floresta Amazônica recebe dinheiro internacional para sua preservação e é considerada a maior reserva de biodiversidade do mundo, não é incomum que seja alvo de discussões internacionais. A Alemanha é a segunda maior doadora - com R$ 192,6 milhões até agora, atrás só da Noruega - do Fundo da Amazônia, que promove iniciativas para conservar a floresta brasileira.
Será possível, porém, dizer, qual país pode ensinar o outro em proteção ambiental? A comparação feita pelo presidente faz algum sentido? O Brasil tem algo a ensinar sobre preservação do ambiente?
A BBC News Brasil ouviu especialistas que afirmam que é difícil comparar os dois países porque boa parte das diferenças entre eles na área envolvem questões históricas e geográficas.
Além disso, dizem, discutir política ambiental não é uma questão de quem sai ganhando ou perdendo.
"A destruição do ambiente é um problema que precisa ser abordado de maneira global, e quando o ambiente é destruído, todos perdem", afirma o geógrafo Mário Mantovani, diretor de mobilização da ONG SOS Mata Atlântica.
No entanto, é possível dizer onde cada país tem ou não avançado - e onde falta avançar.
"O Brasil já teve de fato avanços na questão da preservação, mas não foram conquistas do Bolsonaro, (...) que desmontou os órgãos de fiscalização e destruiu mecanismos que vinham garantindo pequenas conquistas", afirma Mantovani. É importante lembrar, diz ele, que as críticas feitas por Merkel não foram ao Brasil como nação ou ao Estado brasileiro, mas ao governo Bolsonaro.
Um amplo estudo científico publicado em maio afirma que Brasil é hoje - ao lado dos EUA - líder mundial em retrocessos ambientais. "Antes campeões em conservação global, Estados Unidos e Brasil estão agora liderando uma tendência mundial preocupante de grandes retrocessos na política ambiental, colocando em risco centenas de áreas protegidas", diz comunicado divulgado pela Associação Americana Para o Avanço da Ciência.
Veja, a seguir, um panorama de ambos os países no que diz respeito a energia, florestas e compromissos ambientais.
Diferenças históricas
É bom lembrar que Brasil e Alemanha têm história e geografia completamente diferentes, que ditaram sua ocupação urbana, sua matriz energética e suas fontes de renda.
"A Alemanha tem uma história de ocupação extrativista de milhares de anos, além de um território menor, com maior densidade populacional", explica Mário Mantovani.
Enquanto no Brasil, diz ele, pode se considerar que a ocupação tem 500 anos, porque os povos que viviam antes da colonização não tinham um impacto negativo no ambiente.
Outro exemplo é o fato de o Brasil ter maior abundância de rios, que favorecem uma matriz energética com menos emissão de CO2, além de uma economia mais voltada à agricultura do que a alemã. Isso impede comparações exatas entre os dois países.
Emissões e aquecimento global
Para o Greenpeace, a Alemanha ainda está longe de ser um exemplo ideal - ainda investe menos em proteção ambiental do que promete, segundo a ONG, e tem grande parte de sua matriz energética dependente do carvão e do petróleo, que são grandes fontes de emissão de gases que contribuem para as mudanças climáticas.
Segundo o Projeto Global do Carbono, a Alemanha emitiu em 2016 um total de 89,83 bilhões de toneladas de CO2, contra 13,88 bilhões de toneladas do Brasil - quantidade que, embora seja muito menor que a alemã, é considerada alta por especialistas, especialmente considerando nosso nível menor de industrialização.
Só que, sob pressão de suas populações, países europeus como a Alemanha têm assumido (e cobrado) compromissos cada vez maiores com a preservação ambiental, diz à BBC News Brasil Marcio Astrini, coordenador de políticas públicas do Greenpeace. Ele vê o rumo oposto no Brasil.
"O caminho de países como a Alemanha ainda é insuficiente, mas o Brasil está no caminho oposto: Bolsonaro tem incentivado o desmatamento, coloca em dúvida o Acordo Climático de Paris (principal acordo internacional de redução de emissões de gases do efeito estufa) e sua diplomacia coloca em dúvida a própria existência (do aquecimento global)", diz.
Ele se refere ao texto escrito pelo chanceler Ernesto Araújo, dizendo que a defesa ambiental foi "pervertida" pela esquerda e transformada na "ideologia da mudança climática".
"O Brasil deu um cavalo de pau no que fazia até agora em questão climática e sai de uma posição em que tentava ajudar (a preservação ambiental) para uma de vilão climático", afirma Astrini.
Para Mantovani, a postura do governo Bolsonaro em relação ao ambiente faz com que ele não esteja em posição de questionar a Alemanha.
"Como alguém que ameaça sair do Acordo de Paris pode questionar Alemanha, mesmo que o país seja um grande emissor, quando ela tem um compromisso de redução que esse governo não assume?", questiona.
Destruição de matas nativas
Segundo a Comissão Europeia, os países da União Europeia, incluindo a Alemanha, abrigam hoje apenas 5% das florestas mundiais, depois de terem passado por um longo processo de desmatamento para a ocupação humana e a industrialização - o que tem exigido volumosos investimentos para a recuperação de matas nativas.
O Brasil, porém, teve processo histórico de destruição semelhante, aponta Izabella Teixeira, que foi ministra do Meio Ambiente nos governos Lula e Dilma (2010 a 2016).
"Temos duas florestas tropicais, e uma delas, a Mata Atlântica, foi destruída pelo desenvolvimento - só 10% estão hoje preservados", afirma a ex-ministra à BBC News Brasil.
Mantovani afirma que, mesmo que já tenhamos conseguido reduzir o ritmo do desmatamento do passado - o país teve um período de queda de 70% nas taxas de desmatamento em 2013, na comparação com média entre 1996 e 2005, mas depois as taxas voltaram a subir.
Os especialistas citam como ameaça, por exemplo, a revisão das unidades de conservação, que, segundo o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, poderão ter a área recalculada ou mesmo serem extintas. O ministro diz que as unidades foram feitas "sem critério técnico".
Também há um projeto em andamento do senador carioca Flávio Bolsonaro (PSL), filho do presidente, que quer acabar com as reservas legais, áreas protegidas de mata nativa em propriedades rurais que não podem ser desmatadas.
"Isso pode resultar em um desmatamento desastroso", diz Mantovani. Além disso, aponta, houve um desmonte do mecanismo de fiscalização, que, segundo ele, já não recebia recursos suficientes. Bolsonaro chegou a chamar o Ibama de "indústria da multa".
Matriz energética
Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) compilados pela Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), 60,7% da energia elétrica brasileira vem de hidrelétricas e há porcentagens importantes de outras fontes renováveis: 8,6% de biomassa e 8,7% de energia eólica, por exemplo. Segundo o relatório BP Energy Outlook, esses são os maiores índices encontrados em qualquer país.
A Alemanha, em contrapartida, ainda é muito dependente da energia vinda do carvão para alimentar suas indústrias e aquecer seus lares, diz Astrini, do Greenpeace.
Segundo a agência Bloomberg, em 2018, cerca de 35% de sua produção de energia vinha de diferentes tipos de carvão (contra 1,9% do Brasil), uma fonte extremamente poluente.
O país europeu comprometeu-se em janeiro a fechar todas as suas usinas de carvão ao longo dos próximos 19 anos, como parte de seus compromissos internacionais de combate às mudanças climáticas. Ambientalistas, porém, têm pressionado para que esse prazo seja encurtado.
Amazônia
A Floresta Amazônica é questão central no debate ecológico internacional. O Brasil vinha conseguindo reduzir o desmatamento e tinha posição de destaque nas cúpulas climáticas internacionais, diz Astrini.
No entanto, dados oficiais divulgados no final de 2018 de monitoramento da Amazônia apontaram um aumento de 13,7% no desmatamento em relação aos 12 meses anteriores - uma perda de 7,9 mil quilômetros quadrados, o equivalente a mais de cinco vezes a área de cidade de São Paulo, informou a ONG ambiental WWF. Foi a maior taxa desde 2009.
Em dez anos, um fundo internacional (o Fundo Amazônia) financiado sobretudo por Noruega e Alemanha injetou cerca de R$ 1,8 bilhão em projetos de preservação, mas sua eficácia foi alvo de questionamentos do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles - o que também gerou crítica de ambientalistas e mal-estar com doadores internacionais.
"A proteção da Amazônia tem papel crucial no equilíbrio do clima do planeta, o que explica o interesse dos demais países pelo uso racional, e não para atentar contra a soberania brasileira", diz a ex-ministra Izabella Teixeira.
Para Nicole Stopfer, chefe do Programa de Segurança Energética e Mudança Climática da fundação política alemã Konrad-Adenauer-Stiftung (KAS), "se olharmos a partir de uma escala global, 13% das emissões de gases do efeito estufa vêm do desmatamento, então reduzir esse desmatamento é crucial para a comunidade internacional. Por isso, faz sentido a atenção internacional (na Amazônia)".
Em entrevista à BBC News Brasil no G20 em Osaka, Ricardo Salles disse que o governo insistirá na mensagem de que é preciso explorar as possibilidades econômicas da Amazônia, diversificando as atividades dentro e no entorno da floresta.
Ele ainda disse que o governo brasileiro vai exigir que países ricos paguem compensações a produtores rurais brasileiros se quiserem que o Brasil conserve mais a floresta.
Energia renovável e tecnologia
O relatório BP Energy Outlook de 2018 afirma que o Brasil foi o segundo maior consumidor global de biocombustíveis em 2016 e manterá essa posição até 2040, quando é esperado que um quarto de todos os combustíveis líquidos consumidos no país serão dessa fonte. O relatório também diz que as energias eólica e solar crescem "de forma relevante" no país. Esse potencial, porém, é subaproveitado, diz Astrini, do Greenpeace.
A Alemanha, em contrapartida, é líder global em capacidade de produção de energia solar per capita, informa a Bloomberg. "Lá, de 8% a 10% da produção energética alemã é solar, contra 1% no Brasil", diz o representante do Greenpeace.
"Isso apesar de a energia solar ser muito mais abundante aqui. Mesmo nossa pior área para energia solar é melhor do que a melhor área alemã. E o impacto econômico disso é grande: a energia solar tem o poder de tornar uma família livre de ter que pagar conta de luz. É algo que poderia ser uma política de geração de renda. E (a ausência disso) não é um problema deste governo, é algo histórico."
A Alemanha também desponta em tecnologia verde, o que tem criado dividendos econômicos. Segundo Stopfer, do KAS, em 2017, "a indústria manufatureira alemã e o setor de serviços geraram 73,9 bilhões de euros (R$ 321 bi) na venda de produtos, obras e serviços voltados à proteção ambiental". Ou seja, o comprometimento da Alemanha com tecnologias limpas já é parte importante da sua economia e do mercado de trabalho.
Em tecnologia agrícola, os especialistas afirmam que o Brasil já tem capacidade para produzir mais alimentos sem desmatar mais floresta, "mas é algo que ainda não fazemos e que nos daria uma grande vantagem competitiva", opina Astrini.
Pressão internacional
A pressão veio também de outros países europeus. Bolsonaro também foi criticado pelo colega francês Emmanuel Macron, que afirmou que vetaria qualquer acordo comercial com o Brasil se o país deixasse o acordo climático de Paris. Nesta sexta, porém, ambos se encontraram e o Brasil (via comunicado dos Brics) manifestou compromisso com o pacto climático.
Horas depois, o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia foi anunciado, e um dos termos estabelece que os países dos dois blocos econômicos se comprometaram a cumprir o Acordo de Paris.
"Outros analistas apontam também que o governo brasileiro terá de adotar um outro discurso na luta contra as mudanças climáticas se quiser o apoio da UE para sua demanda de entrar na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico)", aponta Stopfer, da fundação KAS.
No entanto, diz Stopfer, por parte de Alemanha, não houve uma demanda objetiva. "Pelo contrário, antes do G20, a chanceler Merkel deixou claro que, apesar de estar preocupada com o atual desmatamento do Brasil, isso não seria algo decisivo em relação a uma possível assinatura do acordo da UE com o Mercosul", diz ela.
Para Astrini, do Greenpeace, pressão internacional costuma ter efeito prático - por exemplo, com restrições à compra de produtos agrícolas do Brasil -, mas isso será posto à prova no atual governo.
"O perigo é isso (a pressão) não ser levado a sério e (a redução da participação do Brasil no comércio global) agravar nossa crise econômica", diz Astrini.
Para Mantovani, o Brasil poderia aproveitar a cobrança internacional para agregar valor à nossa produção agropecuária.
"Podemos responder à tendência internacional que pede por maior cuidado investindo em proteção, dizendo que para cada tonelada de soja que comprar do Brasil, você está protegendo rios, protegendo o ambiente. Poderíamos agregar esses atributos da natureza à nossa produção primária", diz.
Izabella Teixeira defende que a discussão internacional sobre a preservação ambiental do Brasil seja vista não dentro de um contexto de "teoria da conspiração" e invasão de soberania, mas como algo que fez parte da política de Estado de diversos governos, inclusive para a obtenção de financiamento e comércio externos.
"O Brasil tem a tradição, até mesmo em governos da ditadura, de buscar a proteção de seus recursos naturais, independentemente de ideologias, como parte do interesse do Estado, e sempre lidou internacionalmente com isso por meio do diálogo", diz.
Teixeira afirma que a fala de Bolsonaro comparando os dois países é "miopia política" a respeito da cooperação global para a preservação ambiental e "fruto de inexperiência para o diálogo internacional".
A opinião é compartilhada por Mantovani. Ele lembra que Alemanha sempre foi parceira do Brasil na proteção ambiental. "Ao responder a cobrança de forma agressiva, o presidente está rasgando a maior contribuição que o Brasil recebe", diz o geógrafo.
"Acho que não é uma questão de qual país pode ensinar o outro sobre como lidar com proteção ambiental e mudanças climáticas", opina Stopfer, do KAS. "São questões globais que exigem esforços multilaterais. Compatilhar experiências e dar apoio mútuo é, portanto, essencial."