UE e Mercosul alcançam acordo em pleno auge do protecionismo
AFP / Patricio ARANAUE-Mercosul: 20 anos de negociações
O acordo comercial entre a UE e o Mercosul, fechado nesta sexta-feira (28) após mais de vinte anos de negociações e anunciado em plena cúpula do G20, chega na contracorrente da onda protecionista fomentada por Donald Trump já há dois anos.
"A mensagem que está se passando é que em um momento de turbulências em nível multilateral, em um momento de tensões, tem gente que aposta em mais cooperação e mais abertura comercial", disse à AFP Arancha González, diretora do Centro de Comércio Internacional (CCI), uma agência conjunta da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da ONU, com sede em Genebra.
Em um momento de declínio dos intercâmbios comerciais, "se trata de um sinal forte, anunciar um acordo como este durante uma cúpula do G20, na qual Donald Trump e o presidente chinês, Xi Jinping, devem se reunir no sábado em plena guerra comercial", explicou à AFP uma fonte europeia.
Desde a sua chegada à Casa Branca, em janeiro de 2017, o presidente americano criticou o multilateralismo e pôs em dúvida os tratados comerciais, enquanto impôs tarifas alfandegárias às importações chinesas, mas também às de aço e alumínio.
O presidente americano renegociou com o Canadá e o México o acordo comercial norte-americano e se retirou do Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica (TPP), fechado por seu antecessor, Barack Obama, com 11 países da Ásia e da América.
Com um G20 que não consegue condenar o protecionismo em suas declarações desde que Trump o impede e uma Organização Mundial do Comércio (OMC) que poderia ficar paralisada no fim do ano, o anúncio do acordo com o Mercosul durante o G20 ganha um matiz simbólico.
"Não se deve esquecer que no G20 tem um monte de países que assinaram o acordo do TTP sem os Estados Unidos, entre eles o Japão, anfitrião da cúpula", reforçou González. O Canadá, que alcançou o CETA com a UE, também estará presente, lembrou.
- Boa notícia para Bolsonaro e Macri -
Para Ward McCarthy, economista-chefe do banco de investimentos americano Jefferies, o principal é que as tensões comerciais diminuam o mais rápido possível para que não afetem o crescimento.
"Todo mundo se beneficia do livre comércio, mas em uma guerra comercial não há ganhador", explicou durante um encontro recente com a imprensa em Paris, quando destacou que as tensões comerciais só poderiam ser justificadas se "servirem para alcançar um objetivo".
"Se atravessando este período, bastante desagradável, se obtiver um entorno mais favorável ao livre comércio, então se pode dizer que valeu a pena", destacou. "Mas quanto mais tempo passar, pior é e não só para China e Estados Unidos, mas também para a economia mundial".
O economista fez alusão à guerra comercial entre Pequim e Washington e às negociações entre Trump e Xi, que neste sábado se reúnem em Osaka para tentar conter a escalada comercial e tecnológica aberta entre seus países.
Na Europa, a Comissão Europeia obteve o mandato para fazer negociações comerciais com Washington, mas deixando à margem a agricultura, após a decisão de Trump de dar um novo prazo antes de sancionar as importações de veículos.
O acordo também chega em um momento oportuno para o presidente Jair Bolsonaro e seu contraparte argentino, Mauricio Macri, depois da posse em janeiro do brasileiro e a aspiração à reeleição do argentino em outubro.
"Para Macri, este acordo poderia ser a oportunidade de mostrar o apoio internacional às suas reformas", explicou a fonte europeia, convencida de que Bolsonaro também precisa deste tratado, depois de uma reunião com Trump na Casa Branca, "que não terminou muito bem".
Do ponto de vista do Mercosul, "chegou o momento de fechar uma aliança estratégica com a UE, que demorou em se desenhar [...] e que busca uma maior liberalização para tornar suas economias mais competitivas".
Segundo a OCDE, os dois principais motores econômicos do Mercosul - Brasil e Argentina - estão entre os países "menos abertos" na escala mundial, paradoxalmente junto com os Estados Unidos.
Mercosul, um bloco estagnado espera de novo estímulo da UE
AFP / Patricio ARANAOs principais números da UE e do Mercosul
O Mercosul é uma "união aduaneira imperfeita". A frase se repete como um mantra na história deste bloco criado em 1991 com objetivo de integração comercial que avançou lentamente, e agora pode encontrar novo estímulo com um acordo com a União Europeia (UE).
Especialistas consultados pela AFP concordam que, além dos benefícios comerciais que Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai podem obter do acordo com a UE, o pacto funcionaria como catalizador institucional para um bloco estagnado, com 264 milhões de habitantes e um Produto Interno Bruto (PIB) que é quase 1/8 do seu colega europeu.
- Meio do caminho -
"A quase 30 anos de sua criação, não se alcançou sequer o cenário de União Aduaneira" no Mercosul, explica Nicolás Albertoni, especialista em Comércio da Universidade do Sul da Califórnia, nos EUA.
Embora exista uma Tarifa Externa Comum (TEC), há muitas exceções e, por isso, fala-se de "imperfeição": os países-membros aplicam tarifas próprias em vez da TEC quando negociam com terceiros, explica.
"O Mercosul não consolidou sua união aduaneira, nem seu mercado comum; conta com uma zona de livre-comércio precária, já que tem exceções (setor automotivo e o açúcar, por exemplo), e ainda conta com um nível muito elevado de barreiras não tarifárias que afetam o crescimento do comércio intra-regional", afirma Ignacio Bartesaghi, especialista em Comércio e Mercosul da Universidade Católica de Montevidéu, onde fica a sede do bloco sul-americano.
- O que o Mercosul tem a ganhar? -
"Os dois (Mercosul e UE) ganham, um mais na agricultura, e outro mais em produtos industriais e serviços", segundo Bartesaghi.
Além do comercial, especialistas concordam nos benefícios colaterais de um acordo dessa magnitude em uma era na qual o protecionismo ganha terreno em plena guerra comercial entre China e Estados Unidos.
"Deve se levar em conta os efeitos dinâmicos deste tipo de acordo: a melhoria que pode trazer ao Mercosul nos níveis de competitividade, eficiência, qualidade institucional, captação de investimentos", acrescentou Bartesaghi.
E alertou que "ajudará a melhorar a coesão do bloco, sustentará sua modernização e tornará o bloco em um mercado mais atraente para Japão, Coreia do Sul e até o próprio EUA, que olhará com interesse em avançar nas negociações com o Mercosul".
"Além do acesso a mercados, (...) este acordo pode se transformar um enorme sinal para o comércio global, hoje ancorado em uma retórica protecionistas", concordou Albertoni.
"Para a UE, isso implica dar um passo enorme em sua relação com a América Latina, já que agora sim teria acordos praticamente com todos os países da reunião, e isso tem impactos geopolíticos na China e nos EUA", concluiu Bartesaghi.
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