VAZAMENTOS DA LAVA JATO Comissão da Câmara aprova convite para que Moro explique mensagens Moro não fez nada de errado, e STF tem sido o violador da ética, diz juiz da Satiagraha

Marcelo Fonseca/Folhapress
VAZAMENTOS DA LAVA JATO

Comissão da Câmara aprova convite para que Moro explique mensagens







A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou nesta quarta-feira (26) um convite para o ministro da Justiça, Sergio Moro, comparecer ao colegiado. 
Assim como aconteceu no Senado na semana passada, a ideia é que Moro dê explicações sobre as mensagens trocadas entre ele e procuradores da Lava Jato, reveladas pelo site The Intercept Brasil
O requerimento foi apresentado por um governista, Darcísio Perondi (MDB-RS), com caráter de formalidade —para evitar que fosse votado um requerimento da oposição, que poderia levar a uma convocação.
O presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR), já havia combinado com a equipe de Moro que a audiência pública seria realizada na próxima terça-feira (2). 
Antes, estava combinado que o ministro iria a uma sessão conjunta de diversas comissões da Casa nesta quarta. Ele, no entanto, desmarcou o compromisso em razão de uma viagem aos Estados Unidos. 
Moro esteve no Senado no dia 19 de junho. O ambiente é considerado mais controlado que a Câmara, onde há mais oposicionistas na comissão e o clima costuma ser mais hostil. 
Aos senadores, o ministro afirmou que não pode atestar a veracidade das mensagens por não ter mais os arquivos salvos, mas não chegou a negar que as tenha enviado. Também disse que sempre agiu de acordo com as regras, refutou a possibilidade de ter feito conluio com o Ministério Público e colocou-se como alvo de ataque hacker de um grupo criminoso organizado.

RESUMO DOS VAZAMENTOS EM 3 PONTOS

  1. Mensagens reveladas pelo site The Intercept Brasil indicam troca de colaboração entre Moro, então juiz, e Deltan, procurador e coordenador da força-tarefa da Lava Jato.
  2. Segundo a lei, o juiz não pode auxiliar ou aconselhar nenhuma das partes do processo
  3. Vazamento pode levar à anulação de condenações proferidas por Moro, caso haja entendimento que ele era suspeito (comprometido com uma das partes). Isso inclui o julgamento do ex-presidente Lula
Nas conversas publicadas pelo site Intercept, Moro sugere ao Ministério Público Federal trocar a ordem de fases da Lava Jato, cobra a realização de novas operações, dá conselhos e pistas, antecipa ao menos uma decisão judicial e propõe aos procuradores uma ação contra o que chamou de "showzinho" da defesa do ex-presidente Lula.
Segundo a legislação, é papel do juiz se manter imparcial diante da acusação e da defesa. Juízes que estão de alguma forma comprometidos com uma das partes devem se considerar suspeitos e, portanto, impedidos de julgar a ação. Quando isso acontece, o caso é enviado para outro magistrado.
Filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro (PSL), o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) afirmou na audiência no Senado que o governo “nunca cogitou” tirar Moro do cargo. “Isso só passa na cabeça de quem não tem nada na cabeça”, disse à Folha.
Na sessão, Moro citou como exemplo de apoio do presidente uma medalha concedida a ele e um convite para ir a um jogo do Flamengo, em Brasília.

CASO LULA

A Segunda Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta terça-feira (25) negar o pedido de soltura do ex-presidente Lula, 73, preso desde abril de 2018 após ser condenado por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá (SP). 
O colegiado também adiou a discussão sobre a alegada suspeição de Sergio Moro, reforçada pela defesa do petista após a divulgação das mensagens entre o ex-juiz e autoridades da Operação Lava Jato. 
Por 3 votos a 2, uma proposta apresentada pelo ministro Gilmar Mendes no início da sessão, de soltar o ex-presidente imediatamente, foi derrotada. O Supremo deve voltar a analisar o caso no segundo semestre.
Os ministros Edson Fachin, Celso de Mello e Cármen Lúcia votaram contra a soltura imediata de Lula. Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski votaram a favor.
Os magistrados discutiram um pedido de habeas corpus formulado pela defesa de Lula, no qual se alega a falta de imparcialidade de Moro na condução do processo do tríplex.
O julgamento deve ser retomado no segundo semestre deste ano.

Moro não fez nada de errado, e STF tem sido o violador da ética, diz juiz da Satiagraha

Para juiz federal Fausto De Sanctis, conversas podem existir desde que não haja desrespeito

Mario Cesar Carvalho
26.jun.2019 às 16h55

​O hoje ministro Sergio Moro (Justiça) não fez nada de errado como juiz ao trocar mensagens com o procurador Deltan Dallagnol. Isso não compromete em nada as sentenças da Lava Jato, baseadas em provas irrefutáveis.
A opinião é do juiz federal Fausto De Sanctis, que integra o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, desde 2010.
“Conversas podem existir desde que não haja desrespeito de parte a parte”, afirma De Sanctis, que não tem perfil no Facebook ou Twitter, por exemplo, por considerar que a sua opinião em rede social pode afetar a sua imparcialidade.
Antes de virar juiz do TRF-3, De Sanctis julgara duas das operações mais barulhentas da Polícia Federal, que acabaram desfiguradas pelo Supremo: a Satiagraha, em torno do banqueiro Daniel Dantas, e a Castelo de Areia, sobre a Camargo Corrêa e uma espécie de miniesboço da Lava Jato.
No caso da Satiagraha, De Sanctis sofreu censura pública do ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
Entrevista com o juiz federal Fausto de Sanctis, que julgou operações Satiagraha e Castelo de Areia - Karime Xavier/Folhapress
Em entrevista à Folha, Sanctis, 53, diz que os problemas éticos da Justiça não estão no primeiro grau, no qual os juízes são concursados, mas nos tribunais superiores, nos quais chegam por indicação política.
“O Supremo tem sido reconhecido como o primeiro violador da ética judicial. Não se reconhece em muitos ministros a figura de um magistrado, mas de um político”, afirmou à Folha.
O sr. acha normal que um juiz troque mensagens com um procurador sobre questões que parecem comprometer a imparcialidade do julgador? - Inicialmente eu não falo sobre um fato específico e concreto sobre um colega que foi juiz em um caso que ainda será analisado pela Justiça. O que eu poderia falar é que estamos no bojo de algo absolutamente novo, que é a comunicação via WhatsApp, Facebook, Twitter. Isso deve merecer um treinamento de todos.
Treinamento para juízes ou para quem? - Treinamento para todos. Porque as pessoas não estão preparadas para as consequências que as mensagens de âmbito privado têm em caso de uso indevido. Em caso de hacker, você tem um problema adicional: a prova daí derivada é absolutamente ilegítima porque houve um crime.
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo, já disse que provas ilegais podem eventualmente ser usadas - A prova é absolutamente nula e sequer pode ser produzida uma perícia para confirmar a sua veracidade. Um ambiente assim é imprestável para a Justiça. O invasor pode manipular a informação. É diferente do caso do Wikileaks, em que houve obtenção de documentação que era sigilosa, mas era oficial. O documento por si só é confiável.
Quando há a possibilidade de os hackers terem manipulado as informações, nós estamos no campo do nada. Nada é prestável juridicamente. Tudo é nulo do ponto de vista jurídico. Estamos num campo de discussão ética: há falta de treinamento e falta de orientação. Isso obriga os juízes a serem mais cautelosos.
Eu não tenho Facebook e Twitter por uma cautela especial. O juiz precisa ter mais cautela do que o cidadão comum porque o juiz, por si só, pode gerar um viés de parcialidade com seus posicionamentos, seus likes, seus tuítes. O fato de o juiz conversar com advogado pelo WhatsApp não quer dizer que o advogado é amigo do juiz. Amigo virtual não é amigo real.
O juiz pode conversar com procurador num caso que ele vai julgar? Isso não afeta a imparcialidade? - Conversas sempre existiram dentro do Judiciário. Fofocas também. Conversas podem existir desde que não haja desrespeito de parte a parte. Já recebi questionamentos de advogados perguntando se ele fizesse tal coisa qual seria a minha posição. Eu imediatamente respondi que não estou aqui como agente de consulta. O juiz decide.
É muito perigoso o juiz antecipar o que vai julgar. Ele vai estar dando uma informação que pode ser de uso indevido, até com extorsão de pessoas. Podem dizer que o juiz pediu tanto para isso, quando o que chegou a ele foi um pedido de orientação. Essas conversas geram problemas éticos.
Que problemas éticos? - O problema da imparcialidade. O juiz tem de saber os limites, até onde ele pode ir. Em casos de grande repercussão, o Ministério Público fica até inseguro por conta das ações que estão ocorrendo: até onde ele pode ir? Às vezes o Ministério Público pode fazer não uma consulta jurídica, mas tentar sondar os entendimentos do juiz.
O sr. acha legítimo o procurador sondar o juiz? - Depende do tipo de abordagem e das circunstâncias. As circunstâncias vão determinar o tipo de abordagem. É fundamental que haja respeito pela figura do magistrado. Comigo sempre houve absoluto respeito. Conheço casos de orientação indevida, mas não havia má-fé, mas falta de percepção, ingenuidade de parte a parte.
Essas discussões éticas estão muito presentes nos juízes de primeira instância, de segunda instância e até o Supremo Tribunal Federal. Mais do que discutir os juízes de primeiro grau, a população cobra muito mais uma compostura ética da cúpula do Judiciário. Porque o primeiro grau é reconhecido como a Justiça realmente independente porque não há conexões políticas. O juiz de primeiro grau é necessariamente um concursado.
Já os juízes da cúpula são indicados politicamente, seja pelo Executivo ou Legislativo. Isso vira objeto de lobby. Não deveria existir conexão política que justifique as atitudes do Judiciário.
Um dos diálogos revelados mostra que Moro tinha simpatia pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. É normal juiz ter esse tipo de apreço político? - Eu não vou comentar o caso, mas o magistrado tem, como a pessoa comum, seu entendimento político sobre as questões da sociedade. Ele não pode agir ou deixar de agir por conta disso.
Ora, você está no campo de uma operação com a amplitude de uma Lava Jato, que começou atingindo o político que estava no poder há 16 anos e colocou em xeque esse partido sem descuidar dos outros coligados e até os partidos de oposição, como o PSDB.
Eu não vi até agora um viés político nas decisões judiciais do Moro. As decisões judiciais estão muito bem embasadas, com provas, com confissões, com delações, atingindo políticos e empresários.
No Rio de Janeiro a operação prendeu três governadores. Prendeu no Paraná. Em Minas, Aécio está sob investigação. São fatos que ganharam corpo por causa das provas, não por um viés político. Os fatos são muito mais graves e engoliram qualquer viés político.
O TRF 4 [Tribunal Regional Federal de Porto Alegre, que julgou recursos de decisões de Moro] tomou decisões técnicas e com uma postura ética que juízes de primeiro grau gostariam de ver nas cortes superiores. O TRF respeita a decisão soberana do juiz. Se formos discutir ética, deveríamos começar de cima para baixo.
O sr. acha que o Supremo tem problemas mais graves do que a primeira instância? - O Supremo tem sido reconhecido como o primeiro violador da ética judicial. Não se reconhece em muitos ministros a figura de um magistrado, mas de um político. Não deveria haver qualquer contato e proximidade política.
O sr. está se referindo ao ministro Gilmar Mendes? - Não estou falando de ninguém. Alguns são reconhecidos como o exemplo antiético de um magistrado. Esses são os primeiros a apontar o dedo em riste para juízes de primeiro grau. As violações éticas começam, na verdade, ali.
Quando o Supremo, em determinadas decisões, rompeu a barreira do respeito ele não pode exigir respeito por parte da população. Eu costumo dizer que é pelo olhar das instituições que o direito é revelado. Mas é pelo olhar da população que as instituições são reconhecidas.
O sr. acha que a população está certa ao criticar o Supremo? - Acho que ela tem bastante elementos para se posicionar do jeito que está se posicionado. E ela tem se posicionado contra essa ruptura ética do magistrado, parte deles do Supremo, que são os primeiros a cobrar dos magistrados de primeiro grau aquilo que eles não fazem, que é respeitar os colegas e os fatos.
Tenho defendido que o Supremo devia sair fisicamente de Brasília, para ficar distante desse universo politico. Não é bom estar lá. Tem tido interferência política e, como cidadão e juiz, fico triste que isso existe e que pode influenciar decisões. A mensagem passada muitas vezes é que o crime compensa, que a corrupção não é grave no Brasil, que a Lava Jato é empunhada por um bando de juízes justiceiros e inconsequentes.
Juiz federal Fausto de Sanctis: "Quando o Supremo, em determinadas decisões, rompeu a barreira do respeito, ele não pode exigir respeito por parte da população". - Karime Xavier / Folhapress
O que o sr. acha da figura do juiz justiceiro? - Juiz justiceiro é um termo pejorativo. Quer dizer que o juiz vai além dos limites da lei. O Moro foi qualificado assim, como eu já fui, de uma forma indevida. O trabalho do Moro é de excelência. Não concordo com tudo, como é natural, mas o saldo é altamente positivo.
Quando começa a surgir a figura do juiz-herói, não que o juiz esteja empunhando essa bandeira, é sinal de que a Justiça não é reconhecida como imparcial pela população. Isso é muito grave. Se a população reconhece heróis no Judiciário é porque identifica necessariamente vilões.
Qual a opinião do sr. sobre o projeto de lei que altera o crime de abuso de autoridade para juízes? - Esse projeto é estapafúrdio. Isso começou em 2009 para deter aqueles juízes que cuidavam de grandes operações. Em 2008 eu julguei a Satiagraha; em 2009, a Castelo de Areia, que nada mais era do que a Lava Jato antecipada. O projeto de abuso de autoridade surgiu para tolher a independência desses juízes.
O sistema está se rearticulando para tolher as consequências da Lava Jato ou futuras Lava Jato. A Lava Jato foi vitoriosa na primeira e segunda instância. Entre os políticos, só há um condenado pelo Supremo.
A Lava Jato começou em 2014. Que Poder Judiciário é esse que blinda os políticos de certa forma? Não por má-fé, mas por um sistema disfuncional e com absoluta falta de eficácia no combate à criminalidade dos políticos.

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