Especialistas em crack fazem ressalvas à internação proposta por Eduardo Paes
Psicólogos apontam complexidade do tratamento, que não requer apenas internação
Profissionais apontam necessidade de acompanhamento de equipe multidisciplinar
Anunciada na última segunda-feira (22) pelo prefeito Eduardo Paes, a internação compulsória de adultos usuários de crack foi alvo de observações de especialistas ao longo da semana. A maioria, com vasto atendimento aos dependentes deste tipo de droga, afirma que a decisão não pode consistir apenas no recolhimento dos usuários das ruas da cidade.
É preciso, segundo psicólogos, que haja um acompanhamento psiquiátrico, psicológico e orientação familiar para uma real recuperação do dependente.
A cidade do Rio de Janeiro tem 5.049 usuários de crack e outras drogas vivendo nas ruas, segundo dados da Secretaria Municipal de Assistência Social. Outras 123 crianças e adolescentes estão internadas compulsoriamente em abrigos conveniados com a Prefeitura. Iniciada há três anos, a internação compulsória para crianças e jovens foi alvo de duras críticas dos conselhos regionais de Psicologia e Enfermagem.
Isto porque, durante fiscalizações dos conselhos, constatou-se que medicamentos tarja preta vencidos eram ministrados aos internos. Também foi verificada a ausência de enfermeiras em detrimento de auxiliares de enfermagem, contrariando legislação vigente. Algumas prescrições médicas eram feitas apenas uma vez por mês, o que acarretaria, segundo o Coren-RJ, prejuízo do tratamento.
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"É muito difícil recuperar usuários de crack sem internação. Na minha experiência no tratamento aos usuários desta droga, constatei que há necessidade de pelo menos três meses de internação com tratamento farmacológico e muito trabalho de orientação familiar", diz a terapeuta. "Não adianta só recolher. Tirar da rua é muito fácil. Difícil é oferecer o tratamento, que é extremamente complexo", afirma.
Para a também terapeuta e ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), Analice Gigliotti, deve-se questionar quais serão os critérios usados pela Prefeitura para a retirada dos usuários das ruas.
"É preciso uma avaliação médica antes de mais nada. Não podemos ter a internação indiscriminada. Eu defendo a internação compulsória, mas não é verdade que todos os usuários de crack precisem ser internados. Já tratei gente que não precisou de internação. Então, não é por que alguém usa crack que deve ser levado à força. A avaliação médica é imprescindível para determinar ou não a internação", disse.
Para a presidente do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro, Vívian Fraga, a internação compulsória, que deveria ser uma medida emergencial, está virando política pública da Prefeitura do Rio de Janeiro:
"Se for para internar compulsoriamente adultos como se faz hoje com as crianças e jovens, é o mesmo que jogar no lixo tudo o que já foi discutido sobre o assunto. A Prefeitura deve garantir acesso à saúde pública. E a questão dos dependentes químicos é uma questão de saúde. Precisa-se de um plano individual para cada usuário. Não dá para só tirar das ruas sem oferecer um tratamento que realmente sirva para a recuperação", diz.
Radicalmente contrária à internação à revelia, a psicóloga Sílvia Tedesco, professora de pós-graduação do Departamento de Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), diz que é preciso agir na causa do problema e não na consequência:
"Hoje as crianças e adolescentes que são recolhidos passam um tempo abrigados, e depois de alguns meses voltam a usar a droga. Isto acontece por que o tratamento empregado é completamente ineficaz. O desgaste ou até a inexistência das relações familiares é muitas vezes o que aproxima o usuário da droga. E isto não pode ser resolvido com uma internação de poucos meses", afirma. "É preciso resolver o problema que os laços sociais apresentam", acrescenta.
Para ela, há uma tentativa da Prefeitura de varrer o problema para debaixo do tapete:
"O que se vê hoje na cidade do Rio é uma política de higienização. Só estamos discutindo o crack porque há usuários desta droga espalhados pelas ruas. Com a internação compulsória, a intenção é tirá-los da visibilidade. E isto não deveria acontecer, porque é ineficaz".
Para ela, deve haver uma diferenciação entre a necessidade de desintoxicação física e a psicológica. Na primeira, verifica-se que o organismo do usuário não funciona mais sem a droga. Já no segundo caso, o organismo não depende do narcótico, mas há uma dependência emocional, que deve ser trabalhada sem internação e com o emprego de terapias e tratamento familiar.
"Só há necessidade de internar os usuários que apresentam necessidade de desintoxicação física. E isto, por se tratar de um caso de saúde, deve ser feito pelo SUS. É obrigação da rede pública de saúde", endossa.
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