Opinião
Os eleitores brasileiros já não acreditam em coisas impossíveis
A propaganda eleitoral gratuita passou a ser um tema apetitoso para os humoristas, o que indica que perdeu sua antiga sacralidadeOs eleitores brasileiros já não acreditam em coisas impossíveis
A propaganda eleitoral gratuita passou a ser um tema apetitoso para os humoristas, o que indica que perdeu sua antiga sacralidade
Os brasileiros às vezes revelam o que querem que seja mudado demonstrando com fatos o que rejeitam por considerarem inútil, desgastado e até ridículo.
Um exemplo concreto estamos vivenciando nestas eleições. Já é tema de conversa nos bares, ônibus e supermercados –um conjunto de lugares que os realizadores de pesquisas eleitorais deveriam frequentar mais – que a chamada "propaganda eleitoral gratuita", que perdeu 50% da audiência de outras vezes, assim como a propaganda que cria a poluição visual e acústica de ruas e praças que está irritando as pessoas, não só não interessa mais, como ainda chega a ser contraproducente.
Essa forma de divulgar os políticos começou a ser material precioso para os cartunistas e humoristas. E quando um assunto cai em mãos da sátira e do humor é porque perdeu sua sacralidade.
Que essa propaganda não tem mais hoje poder de convencimento é revelado no dado que, segundo o Datafolha, mostra que 60% dos que ainda não sabem em quem vão votar afirmam que não têm nenhum interesse na propaganda eleitoral gratuita.
Nem sequer os debates televisionados, que antes eram acompanhados com a paixão de uma final de campeonato nacional de futebol, estão fazendo os eleitores tremer de interesse. Segundo algumas pesquisas, nessa hora dos debates as outras redes de televisão obtêm maior audiência.
Um desses traços de humor para descrever o pouco interesse das pessoas pela propaganda política apareceu no site humorístico de Tutty Vasques, quando escreveu: "A TV a cabo praticamente acabou com o risco de baby boom decorrente do horário eleitoral gratuito na TV".
Os brasileiros aos quais se pergunta por que não se interessam por esses programas, respondem: "Porque apresentam uma realidade que não existe, virtual, colorida, quando a realidade crua do Brasil é outra, mais para branco e preto".
Outros menos diplomáticos observam: "Porque são uma sucessão de mentiras quando falam do que os políticos fizeram e ainda mais quando prometem o que sabemos que nunca cumprirão".
Os candidatos às presidenciais se arrastaram pelo chão suplicando aos partidos que lhes vendessem seus minutos ou segundos na televisão. Em troca, ofereceram-lhes de tudo em um futuro Governo. A própria presidenta Dilma Rousseff formulou a frase infeliz de que para ganhar as eleições "podemos fazer o diabo". E quando se diz que se é capaz de pactuar até com o diabo, a gente entende que se está disposto a "vender a alma" a esse diabo. Só que o demônio não costuma brincar.
Se o próximo presidente desejasse fazer uma reforma política verdadeira deveria começar por eliminar ou mudar radicalmente o modo da chamada "propaganda eleitoral gratuita". Primeiro porque a palavra "propaganda" evoca a publicidade para vender mais cerveja ou meias, e segundo porque se a propaganda para vender produtos pode funcionar, a eleitoral, no Brasil, pelo menos desta vez, não está interessada nos supostos consumidores nem tem um resultado, no momento, positivo. Basta ver que a candidata que lidera as pesquisas, Marina Silva, mal tem dois minutos dessa propaganda gratuita.
Mas, sobretudo, existe uma pergunta mais importante: por que essa propaganda que anos atrás se considerava fundamental para convencer os eleitores, que chegavam até a se entusiasmar com ela e que, de fato, costumava beneficiar os que conseguiam capitalizar mais minutos de televisão, hoje não só não interessa, mas os brasileiros também a consideram inútil, um desperdício e até contraproducente?
Muito simples. O Brasil destas eleições é um país diferente daquele de apenas 15 anos atrás, talvez menos. É o Brasil novo nascido dos protestos de rua, um país mais crítico, mais informado, e não é verdade que não se interessa por política. É que deseja conhecê-la e discuti-la em outros espaços, em outros meios de comunicação. É o Brasil da modernidade, que já desponta, que estuda mais, que está mais vacinado contra o vírus do engano da propaganda. É o Brasil que, graças a Deus, já começa a se negar a acreditar em coisas impossíveis. É um Brasil mais difícil de ludibriar porque começou não só a escutar, mas também a pensa
copiado http://brasil.elpais.com/brasil/
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