- Do UOL, em São Paulo29/04/201704h00
- Wellington Ramalhoso*
O setor de operações estruturadas da Odebrecht, criado para organizar e executar pagamentos ilícitos, desembolsou quase US$ 3,4 bilhões, o equivalente a R$ 10,7 bilhões, somente entre 2006 e 2014. O dinheiro seria suficiente para erguer 5.400 creches. Para formar tamanha fortuna e distribuir boa parte dela em dinheiro vivo, a empresa superfaturou obras, influenciou a atuação de políticos, recorreu a doleiros e envolveu até uma cervejaria.
Em alguns anos, a propina paga superou o lucro da companhia, mas a fortuna desembolsada não abalava as finanças. Isso porque a origem do dinheiro também era ilícita. "A Odebrecht nunca usou dinheiro próprio, de capital lícito dela, em pagamentos ilícitos. Ele nunca desfalcou seu patrimônio. Ela usou [no esquema de pagamentos] o dinheiro que obteve via corrupção e superfaturamento", afirma o jurista Walter Maierovitch.
O superfaturamento é a diferença entre o custo da obra e o preço a mais cobrado por ela, acima do valor de mercado. A construção pode ser superfaturada por meio de fraude na época da contratação e por meio de acréscimos cobrados posteriormente que vão elevando o preço estipulado no início. A Lava Jato investiga pelo menos 50 obras executadas pela Odebrecht, algumas delas fora do país.
Na delação feita à Lava Jato, o ex-funcionário Hilberto Mascarenhas, que comandava o setor de operações estruturadas, afirmou que o ex-presidente do grupo Marcelo Odebrecht incentivava o acerto de propinas em troca de vantagens porque a empresa pagava bônus aos executivos de acordo com o faturamento obtido nas obras.
"Se você der aquele resultado, você ganha tanto. Você quer que o mundo se acabe. Você quer atingir aquela meta para você colocar no seu bolso seu milhão. Então, se fazia qualquer coisa para poder atingir [os bônus]", relatou Mascarenhas na delação.
Para fortalecer o caixa para pagamentos ilícitos, a Odebrecht tinha outro setor específico, de geração de recursos, comandado por Marcos Grillo. Esta área recorria a uma série de expedientes, como a criação de contratos fictícios e a realização de operações financeiras no exterior. O setor também agia, com estes mecanismos, para que a empresa pagasse menos impostos. O lucro obtido era usado pelo setor de operações estruturadas, incumbido de fazer o pagamento de propinas e de caixa 2.
Reprodução
Hilberto Mascarenhas, um dos 78 delatores da Odebrecht
Compra de medidas provisórias
O grupo Odebrecht também obtinha vantagens financeiras que reforçaram seu caixa influenciando a elaboração de normas que poderiam lhe trazer benefícios, principalmente aquelas ligadas à tributação e à renegociação de dívidas com o governo.
De acordo com a "Folha de S.Paulo", o grupo pagou propina, fez contribuições oficiais ou doações por meio de caixa 2 para tentar influenciar o destino de pelo menos 20 atos do Legislativo e do Executivo, especialmente medidas provisórias. Os contatos eram feitos com representantes do governo e parlamentares.
Dinheiro vivo
Diversos delatores da Odebrecht confirmaram o pagamento de quantias em dinheiro vivo a destinatários de propina ou de doações eleitorais ilegais, o caixa 2. Uma das prioridades da Lava Jato é reunir provas da realização desse tipo de pagamento.
O delator Benedicto Barbosa da Silva Júnior relatou, por exemplo, o pagamento de R$ 6 milhões em espécie que teriam sido pedidos pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG) na campanha eleitoral de 2014. O tucano diz que não cometeu irregularidades.
Paraísos fiscais
Para entregar dinheiro em espécie, a Odebrecht recorria a esquemas de lavagem de recursos. O principal deles envolvia contas em paraísos fiscais e doleiros. O esquema envolveu até a aquisição de um banco em Antígua, o Meinl Bank.
Empresas mantidas pelo grupo no exterior repassavam dinheiro em moeda estrangeira para as contas do operador Olívio Rodrigues, também em paraísos fiscais.
Em parte dos casos, Rodrigues remetia dinheiro aos beneficiados pela propina em contas no exterior. Quando a intenção era entregar dinheiro no Brasil, o operador transferia recursos para contas de doleiros no exterior. Estes, então, disponibilizavam reais no Brasil, e entregadores faziam os pagamentos aos destinatários nos locais indicados.
"O doleiro acaba sendo uma espécie de banqueiro informal", afirma o procurador da República Celso Antônio Tres, um dos principais responsáveis pela investigação do caso Banestado, referência para a Lava Jato.
Com esse esquema, o grupo Odebrecht "limpava" o dinheiro sujo, pagava propinas e financiava campanhas eleitorais tentando não deixar rastros no sistema bancário brasileiro e fugindo do monitoramento de órgãos do governo.
Coordenador da força-tarefa da operação Lava Jato, o procurador Deltan Dallagnol afirmou durante a semana que os esquemas de lavagem de dinheiro têm mesmo contornado o sistema de inteligência financeira. "Alguém diria, então, que a solução era seguir o dinheiro -- 'Follow the money!' --, mas essa regra, nos dias de hoje, é uma falácia. Modernas técnicas de lavagem simplesmente apagam as pegadas das transações financeiras."
Há suspeitas, porém, de que o sistema financeiro do país tenha falhado no controle das movimentações de grandes quantias. O executivo da Odebrecht Luiz Eduardo da Rocha Soares, responsável pela movimentação de contas do grupo no exterior, apontou esse problema em depoimento ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Cervejaria
A Odebrecht também recorreu a uma cervejaria para lavar dinheiro e mascarar doações a campanhas de políticos. As investigações da Lava Jato apontam que o grupo Petrópolis, que distribui a cerveja Itaipava, foi usado como laranja pela construtora.
De acordo com reportagem da "Folha de S.Paulo", ex-executivos da Odebrecht disseram ao Ministério Público Eleitoral que a empresa "trocou" US$ 120 milhões com a indústria de bebidas nas campanhas eleitorais realizadas entre 2006 e 2014.
No esquema, o grupo Petrópolis distribuía dinheiro vivo a políticos e era reembolsado pela Odebrecht em moeda estrangeira em contas no exterior. "Quando tinha necessidade, a Odebrecht comprava dinheiro na praça", diz Maierovitch. O uso de dinheiro vivo, afirma Celso Tres, é uma forma de disfarçar a origem e o destino dos recursos.
Para o procurador, o mais surpreendente na ação da Odebrecht foi exatamente o grande volume de doações para candidatos, principalmente via caixa 2. "Esta institucionalização do uso do meio político me parece que a gente não tinha visto nesse volume, nesse nível. Os valores são impressionantes. É um 'case' mundial de corrupção."
Outro lado
Em nota enviada à "Folha", o grupo Petrópolis afirmou que manteve "relações profissionais" com Odebrecht, responsável pela construção das fábricas da organização. "Todas as transações financeiras foram declaradas e todas as doações de campanha feitas pelo Grupo Petrópolis seguiram estritamente a legislação eleitoral e estão devidamente registradas."
Em nota publicada em sua página na internet após a divulgação das delações de seus executivos e funcionários em 11 de abril, a Odebrecht disse que reconhece seus erros e que está trabalhando para "voltar a merecer a confiança da sociedade". Confira abaixo a íntegra da nota.
"As providências agora adotadas decorrem de uma decisão tomada de forma consciente pela Odebrecht há pouco mais de um ano. Em março de 2016, sob o título 'Compromisso com o Brasil', a Odebrecht anunciou, em comunicado público, que tomara a decisão 'por uma colaboração definitiva com as investigações da Operação Lava Jato'.
Estava escrito nesse comunicado, e a Odebrecht reafirma agora: 'Esperamos que os esclarecimentos da colaboração contribuam significativamente com a Justiça brasileira e com a construção de um Brasil melhor'.
Desde então, após a colaboração dos executivos e ex-executivos, a Odebrecht reconheceu seus erros, pediu desculpas públicas e assinou um Acordo de Leniência com as autoridades brasileiras e da Suíça e também com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Esse acordo impôs rigorosas multas e sanções para que a empresa continue em atividade.
A Odebrecht está fazendo a sua parte neste Compromisso com o Brasil. Já adotou um novo modelo de governança e está implantando normas rígidas de combate à corrupção, com vigilância permanente para que todas as suas ações, principalmente na relação com agentes públicos, ocorram sempre dentro da ética, da integridade e da transparência.
Este novo modelo de empresa está sendo monitorado desde o mês passado por especialistas em Conformidade indicados pelo Ministério Público do Brasil e do Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
É o nosso compromisso com o futuro. É o caminho que escolhemos para voltar a merecer a confiança da sociedade."
copiado https://noticias.uol.com.br/
* Colaboraram Bernardo Barbosa e Flávio Costa
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