"O mais novo capítulo do toma lá dá cá já está curso. A denúncia oferecida pelo Procurador-Geral da República contra o presidente Michel Temer"
"O mais novo capítulo do toma lá dá cá já está curso. A denúncia oferecida pelo Procurador-Geral da República contra o presidente Michel Temer"
O velho e repugnante toma lá dá cá
Nos últimos dias, tivemos mais algumas cenas emblematicamente demonstrativas do surrealismo político observado na atual quadra da vida nacional. Destacamos os acontecimentos mais atuais e suas relações diretas com ocorrências de alguns meses atrás.
Cena 1 (agosto de 2016):
O senador Hélio José (PMDB-DF), mais conhecido como Hélio Gambiarra, foi flagrado em gravações divulgadas na internet dizendo que consegue nomear “a melancia que quiser” no governo federal e que quem “não estiver com ele” pode “cair fora”. O político se referia ao cargo de superintendente da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e tentava emplacar Francisco Nilo Gonsalves Júnior, ex-assessor do seu gabinete, para exercer a função.
“Isso aqui é nosso. Isso aqui eu ponho quem eu quiser, a melancia que eu quiser aqui, eu vou colocar”, avisou o senador. Na gravação, realizada nas dependências da SPU, o senador tenta mostrar o seu poder em relação à nomeação de cargos no órgão. “Ele (o assessor em questão) tem lado. O lado dele é o senador Hélio José, que é o responsável pela SPU a partir de hoje. A partir de hoje, a SPU é responsabilidade minha, do senador Hélio José, gabinete 19 da Teotônio Vilela”, declara o parlamentar, sem saber que estava sendo gravado.
Cena 2 (junho de 2017):
Um dos três votos da base aliada que ajudaram a derrotar a reforma trabalhista em comissão do Senado, o senador Hélio José (PMDB-DF) afirmou nesta quarta-feira (21/6), ter sido alvo de retaliação do governo com a demissão de dois indicados seus em órgãos do Executivo. Em um discurso de oposição, acusou o presidente Michel Temer de chantagem e cobrou sua renúncia.
“Nós não podemos permitir que o governo transforme votações em balcão de negócios. Esse governo está podre. Esse governo corrupto tinha que ter vergonha na cara e renunciar”, afirmou Hélio José.
Os indicados de Hélio José exonerados foram Vicente Ferreira, que deixou a Diretoria Planejamento e Avaliação da Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), e Nilo Gonsalves, exonerado do cargo de superintendente do Patrimônio da União no Distrito Federal (SPU-DF).
“Acho que o governo está para o que der e vier. Eles enlouqueceram. Pegar um senador da República e retaliar com duas indicaçõezinhas não é justo. Não é um governo correto.”
O Estado Democrático de Direito no Brasil, segundo o artigo primeiro da Constituição, está fundado na cidadania e na soberania popular (“todo poder emana do povo”). Entretanto, praticamente todas as manifestações de exercício de poder político ocorrem por meio de representantes eleitos, como o senador Hélio José (eleito suplente do hoje governador do Distrito Federal Rodrigo Rollemberg, uma profunda decepção popular, diga-se de passagem).
O comportamento do ilustre e ilustrado senador Hélio José, retratado nas duas “cenas” pelo jornal Correio Braziliense, é o triste padrão da prática política nacional. As exceções, infelizmente, são minoritárias. Episódios como esses colocam em xeque, praticamente em xeque mate, a democracia representativa brasileira, tal como inscrita no referido artigo primeiro da Constituição de 1988.
A ideia da representação popular por intermédio de eleições é formalmente adequada. Essa concepção parte da premissa da impossibilidade de manifestação direta e frequente de milhões de pessoas e busca a expressão da vontade dos cidadãos por intermédio de terceiros escolhidos livremente pelos primeiros. Contudo, a dura realidade da política nacional demonstra como a concepção ideal pode ser efetivamente utilizada para viabilizar o que de pior existe no convívio humano em sociedade.
Nessa linha, registre-se o profundo equívoco da proposição, cada vez mais veiculada, notadamente em redes sociais, no sentido de não se reeleger ninguém. Trata-se, como é óbvio, de um critério de exclusão e, não, de escolha. Não se aponta um norte para, entre os milhares de candidatos não ocupantes de mandatos eletivos, definir o voto a ser dado. Ademais, alguns detentores de mandatos, poucos é verdade, merecem, por suas atuações, votos e trajetórias íntegras, novo sufrágio pelo eleitor.
Aproveito o ensejo e registro aqui os critérios que utilizo para definir minhas escolhas eleitorais. São basicamente os seguintes: a) os interesses socioeconômicos representados; b) trajetória de vida; c) integridade moral; d) padrões para exercício do mandato, notadamente transparência e controle e e) propostas de posicionamentos acerca de questões fundamentais no exercício do mandato.
Infelizmente, o majoritário “descuido” nos critérios para escolha de representantes e os relativamente baixos níveis de conscientização e participação políticas produzem as “cenas” registradas no início deste escrito. Com efeito, a atuação de parlamentares, em especial seus votos, não estão relacionados, em regra, com os eleitores, seus interesses e suas definições para os principais temas de debate, salvo aqueles raros casos de mobilização aguda da opinião pública. Prevalece um imoral, abjeto e desprezível balcão de negócios fisiológico.
O apoio parlamentar é literalmente comprado, para todo e qualquer assunto, para toda e qualquer matéria, por “indicações”, liberações de verbas, “acessos” e “facilidades” de toda ordem junto à máquina governamental.
No dantesco quadro da política brasileira na atualidade, temos a pérola protagonizada pelo indefectível parlamentar candango. Mergulhado de corpo e alma no mar do fisiologismo e patrimonialismo mais repugnante, denuncia publicamente a chantagem governamental de “cassar” suas “indicações”. Nos meios jurídicos, dir-se-ia que se trata da “exceção do contrato não cumprido”. Não entregue os votos (em qualquer matéria de interesse governamental) não estão mantidos os cargos.
Só é preciso lembrar um detalhe, um mísero e desprezível detalhe. O parlamentar não foi eleito pelo governante de plantão. O “contrato” firmado pelo parlamentar não é aquele escrito pela tinta fétida do fisiologismo disponibilizada pelo Chefe do Poder Executivo para viabilizar toda sorte de vilanias contra o pobre cidadão. O “contrato” firmado pelo parlamentar é aquele registrado na urna com o seu eleitor. E esse último contrato não dá margem para chantagens. Esse ajuste permite sua renovação ou rescisão mediante instrumentos democráticos de acompanhamento, cobrança e pressão.
Resta agradecer ao ilustre e ilustrado parlamentar brasiliense por nos mostrar de forma acachapante como é a prática política amplamente disseminada e, por via de consequência, precisar um dos principais alvos de nossa luta política cotidiana.
O mais novo capítulo do toma lá dá cá já está em curso. A denúncia oferecida pelo Procurador-Geral da República contra o presidente Michel Temer, enrolado de corpo e alma em tenebrosas transações, instala mais um robusto balcão de negócios no âmbito da Câmara dos Deputados.
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