A descrença nos políticos Populismo é ameaça na América Latina, diz editor da Economist

Folhapress 

A descrença
nos políticos
Populismo é ameaça na América Latina, diz editor da Economist 

Populismo é ameaça constante na América Latina, diz editor da ‘Economist’

Daniel Buarque


O jornalista Michael Reid, da ''Economist', em São Paulo em 2011 (Folhapress)
Em dez anos, muito mudou na realidade do Brasil e do restante da América Latina, mas uma ameaça continua constante em várias partes da região: o populismo.
Depois de deixar para trás o modelo político-econômico representado nos anos 2000 pelo venezuelano Hugo Chávez, e de abraçar uma política reformista de centro, o continente agora lida com o risco trazido pela descrença nos políticos tradicionais –exacerbada pela corrupção exposta na operação Lava Jato.
Capa da nova edição do livro de Reid sobre a América Latina
A América Latina avançou muito, explica Michael Reid, editor da “The Economist”, e há motivos para otimismo, mas ainda há riscos, diz.
Reid está lançando uma nova edição do seu livro sobre a América Latina, chamado “Forgotten Continent” (Continente Esquecido), dez anos depois da versão original do livro –daí a análise sobre as mudanças do continente na década.
No livro lançado em 2007, o subtítulo falava de uma “batalha pela alma da América Latina”, enquanto agora foi mudado para tratar da “história da nova América Latina”. Em entrevista ao blog Brasilianismo, Reid explicou que o populismo que havia nos anos 2000 ficou para trás, e a história ajuda a entender a nova realidade do continente, mas ainda há problemas a serem enfrentados.
Reid é colunista e editor especialista em América Latina da revista ''The Economist''. Atuou como chefe do escritório da revista em São Paulo entre 1996 e 1999, e foi editor da seção Americas da revista até 2013. Ele também é autor do livro ''Brasil – A Turbulenta Ascensão de um País'' (Elsevier).
Segundo o jornalista, Temer ajudou a trabalhar pela retomada do equilíbrio fiscal do Brasil, mas tem problemas com a Justiça, e sua atuação é limitada pelo fato de muitos brasileiros não o verem como um líder legítimo. Segundo ele, o presidente vai ser lembrado no futuro como um “cuidador temporário”, e a situação do país depende, na verdade, da eleição no próximo ano.
Brasilianismo – A edição original do livro tinha no subtítulo a ''batalha pela alma da América Latina'', e a nova edição fala sobre ''a história da nova América Latina''. O que mudou? O que você quer dizer por ''nova América Latina''?
Michael Reid – Mudei o subtítulo porque, na versão original, eu falava sobre as disputas entre uma versão populista da esquerda, representada por Chávez, e o que eu considerava reformismo democrático do centro político. Acho que a batalha foi vencida intelectualmente pelo reformismo. Dez anos atrás, Chávez era muito popular, e ainda conquistava muitos seguidores. Agora, por mais que ainda haja risco de populismo de esquerda e de direita na América Latina, não há dúvidas de que o chavismo perdeu completamente o crédito. Por isso mudei o título.
O novo subtítulo se refere à história do continente, que é importante para entender o presente. Acho que há uma nova América Latina. Quaisquer que sejam os problemas, quaisquer os retrocessos socioeconômicos registrados em alguns países nos últimos três anos, se compararmos a América Latina hoje com o continente em 2004, trata-se de um lugar completamente diferente. Há uma classe média maior, menos pobreza, a educação se tornou menos ruim, o sistema de saúde é melhor, há mais cidadania, uma cidadania mais conectada, e que cobra mais. É um continente que tem uma sociedade civil mais vibrante do que no passado. Neste sentido, é uma nova América Latina.
Brasilianismo – Esse resultado o surpreendeu? Quando escreveu o livro, dez anos atrás, esperava que as coisas seguissem esse rumo?
Michael Reid – Não me surpreendeu. Achava que o chavismo estava fadado a fracassar. Era um sistema baseado em petróleo, que usava fórmulas que haviam sido tentadas e haviam fracassado em outros lugares.
Quando escrevi o livro, queria dizer que havia um germe da nova América Latina desde então. Na época, havia muito pessimismo no continente. Mas eu via que havia progressos democráticos na maioria dos lugares. Mais do que as pessoas percebiam.
O que me surpreendeu negativamente foi que todos os países que eu achava que eram exemplos de reformismo no continente –Chile, Brasil e México– acabaram se envolvendo em novos problemas, em graus variados. Isso é uma decepção, e eu não esperava isso.
Brasilianismo – Onde o Brasil aparece neste cenário? Em 2007 havia uma empolgação global com o Brasil, mas o país acabou entrando numa crise. O que deu errado?
Michael Reid – Infelizmente, o segundo governo Lula e os governos de Dilma cometeram erros de política, na forma como controlavam a economia, e se afastaram do modelo reformista, que era baseado em uma política econômica sólida, e baseado em um equilíbrio entre o Estado e o mercado. Eles acabaram criando o novo desenvolvimentismo, que gerou uma maior presença do Estado na economia. Não é disso que o Brasil precisa. O Brasil precisa de um Estado mais eficiente em termos de serviços públicos.
Acho que Lula cometeu um grande erro ao escolher polarizar a política brasileira em uma disputa entre PT e PSDB, que são as duas forças modernas na política brasileira. Como resultado dessa escolha, ele se aliou com as forças mais retrógradas na política brasileira, o que gerou consequências. Quando se junta o nacionalismo, a forte presença do Estado na economia e essas alianças políticas, foi isso que permitiu que o 'petrolão' acontecesse. Não acho que nada disso fosse previsível, e é o resultado de erros cometidos pelo governo.
Acho que o Brasil começou a corrigir isso, mas ainda está muito no começo dessa correção. Tudo vai depender do que acontecer nas eleições no próximo ano.
Brasilianismo – O que você quer dizer com ''começou a corrigir''? Fala da Lava Jato?
Michael Reid – A Lava Jato é importante, mas me refiro à volta do tripé da política macroeconômica, um Banco Central que busca atingir metas de inflação, a volta da taxa de câmbio flexível. É um esforço, que leva tempo, para voltar à responsabilidade fiscal, que é crucial. Dentro disso, pode-se ter todo tipo de discussão sobre quanto gastar com políticas sociais, mas, a menos que se tenha essa base estrutural, o resultado final vai ser um maior empobrecimento da população, o aumento do desemprego e a redução do dinheiro disponível para políticas sociais. Este é o legado de Dilma Rousseff.
O Brasil e outros países da América Latina estão vivendo uma combinação de pressão social para limpar e renovar a política, e estamos vendo pela primeira vez a Justiça tentando levar a sério a necessidade de acabar com a impunidade dos ricos e poderosos. Os países podem cometer erros no caminho, mas no geral vai ter um resultado positivo para o continente. Acho que, em geral, um dos motivos para não se ser tão pessimista quanto se era no passado.
Brasilianismo – Neste sentido, e pensando na década passada desde a edição original do livro, o que acha que se pode esperar para os próximos dez anos?
Micheal Reid – Eu diminui, mas não abandonei o otimismo que expressei em 2007. Acho que as circunstâncias e o contexto são mais difíceis do que dez anos atrás, especialmente por conta do ambiente externo, que é menos favorável para o desenvolvimento e a democracia da América Latina do que era dez anos atrás. Trump é um grande fator aí, pois não oferece nada positivo para o continente, enquanto a Europa está mergulhada em introspecção, pois a recuperação econômica é incipiente e há forte problema de populismo político também. A China vai continuar sendo importante, mas é preciso questionar os benefícios dessa relação da América Latina com a China, que importa apenas commodities e torna as exportações da América Latina menos variadas.
Brasilianismo – O que acha da eleição do ano que vem no Brasil? Acha que há chances de volta de Lula ao poder, ou de uma emergência de forças autoritárias?
Michael Reid- Ainda é cedo para falar. Acho que Lula e Bolsonaro são dois nomes pouco prováveis, mas possíveis. Acho pouco provável que Lula seja candidato, e não sei nem se ele quer ser. Ele tem problemas com a Justiça, e acho que ele tem um teto baixo de votos. Vai haver um segundo turno, e ele poderia ir a ele, mas tem pouca chance real de ganhar. Ele tem um piso de votos muito alto, e é isso que aparece nas pesquisas de intenção de voto, mas acho pouco provável que ele passe dos 50% de que precisaria para ganhar a eleição. Bolsonaro é diferente, pois tem um teto ainda mais baixo do que o de Lula.
Não sabemos quem vão ser os candidatos. Vai haver pelo menos um candidato plausível de centro, e torço que esse seja o caminho, com vitória de um candidato reformista de centro.
Brasilianismo – O que acha do governo Temer? Acha que vai deixar algum legado?
Michael Reid – Temer vai ser lembrado como um cuidador temporário do governo. Por um lado, ele colocou em ação uma política mais eficiente para reverter a política econômica que havia sido iniciada pelo segundo governo Dilma. Não há dúvidas de que ele é legalmente o presidente, e que não houve um golpe, mas ele realmente enfrenta muitos questionamentos, e muitos brasileiros não o veem como um presidente legítimo, e isso é um problema em termos do que ele pode fazer.
De forma mais geral, vários países da América Latina vão ter eleições no próximo ano. Se pensarmos na Lava Jato como um escândalo de corrupção regional, não há dúvidas de que é uma operação que teve um grande impacto na credibilidade da política e da democracia em todos os países envolvidos. Isso gerou a possibilidade da volta do populismo, o que acho que não existiria em outra situação. O populismo, de direita e de esquerda, no continente se sustenta por conta da desigualdade, mas se não fosse pela Lava Jato, a raiva da corrupção e a baixa credibilidade dos políticos tradicionais, não haveria o risco que há hoje em muitos países.
copiado https://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/

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