Futuro do Teatro Oficina "Vou transferir a cracolândia pra lá", diz Silvio Santos a Zé Celso ← aqui vídeo
'Vou transferir a cracolândia pra lá', diz Silvio Santos a Zé Celso em reunião com Doria sobre o Oficina
A disputa de 37 anos entre Silvio Santos e o dramaturgo Zé Celso, diretor do Teatro Oficina, ganhou novos capítulos. Na semana passada, o apresentador conseguiu reverter no Condephaat, conselho estadual de patrimônio, uma decisão que o proibia de construir um conjunto de torres residenciais no terreno vizinho ao teatro de Zé Celso, no bairro do Bexiga, em SP.
O dramaturgo se opõe à construção. "É como se fosse um 'putsch', um golpe nazista. E muito parecido com o Estado Islâmico, porque visa à destruição de um monumento que é o Teatro Oficina", diz ele ao repórter João Carneiro. A construção, que foi reformada nos anos 1980 pela arquiteta Lina Bo Bardi, é tombada. O teatro iniciou uma campanha para que o governo do Estado vete a decisão do Condephaat.
Em agosto, Silvio Santos apresentou seus argumentos numa reunião com Zé Celso e o prefeito João Doria na sede do SBT. O vereador Eduardo Suplicy (PT-SP) também estava presente.
A conversa foi registrada em vídeo ao qual a coluna teve acesso.
As arquitetas do Oficina apresentam a Silvio o projeto de construção de um parque no terreno, com um teatro ao ar livre. O apresentador afirma que o lote "tem um dono e esse dono tem que fazer aquilo que ele deseja".
As imagens mostram que Zé Celso chega atrasado ao encontro. Doria o conduz, com a mão em seu ombro, até a sala onde já estão Silvio e Suplicy. "Estou confiante", afirma o prefeito.
"Zé Celsooo! Veio com um poncho, hein? Tá parecendo um dançarino mexicano! Você ainda canta?", pergunta Silvio. "Canto, claro!", responde o dramaturgo. "Eu vim para uma sessão 'solenérrima'. Uma ocasião histórica!"
Suplicy pede licença a Silvio para que sua assessora participe da reunião. "Pode entrar quem você quiser! A gente faz um auditório aqui e apresenta os artistas. O primeiro, fantasiado de mexicano", diz o apresentador, apontando para Zé Celso.
O dramaturgo corrige: "Tarahumara [etnia indígena]! Eles não se consideram mexicanos, não". "Você devia escrever um livro, Zé Celso! Tem uma série de histórias pra contar", comenta Silvio.
O prefeito toma as rédeas. Fala sobre o "bom sentimento" que os reúne: "Verificar se nós podemos encontrar um caminho que concilie todos". Pede foco quando o grupo se perde em brincadeiras sobre a calvície de um dos assessores. Zé Celso bate palmas ritmadas. "Começou o espetáculo!", completa Silvio.
O apresentador diz querer encontrar uma solução para que possa fazer algo com o lote, "que não foi de graça". "Embora eu seja um homem rico, não é um dinheiro para jogar fora ou dar auxílio a quem quer que seja." E brinca: "Meu secretário deu uma boa ideia: a gente coloca lá a 'drogalândia', como é que é, a cracolândia, e o drogado que mais se destacar no dia ganha um prêmio".
Zé Celso relembra que o Ministério do Planejamento chegou a assumir o compromisso de ceder um terreno para trocar com Silvio Santos, de forma a resolver o imbróglio.
"Mas o que você vai fazer com o terreno?", pergunta o dono do SBT a Zé Celso. "A-anhangá-anhangabaú da feliz cidade!", responde o ator, cantando vinheta inspirada no "baú da felicidade". É como ele chama a proposta de um espaço público arborizado com um teatro ao ar livre no local.
Silvio questiona quem pagará pela implantação. "Zé Celso, não seja sonhador! Ninguém vai te dar isso aqui de graça. Deixa de ser artista, não sonha! A única coisa sua aqui é o teatro."
"Nem o teatro é teu?", surpreende-se Silvio quando Zé Celso explica que, na realidade, o edifício pertence ao Estado de São Paulo. "Mas eu estou lá há 60 anos!", diz o dramaturgo. "Isso não quer dizer nada! Tem favelado aí que tá há mais de 60 anos e, no momento que tem que tirar, tira no dia seguinte", responde o apresentador.
Maurício Shirakawa/Divulgação | ||
Silvio Santos e Eduardo Suplicy visitam Zé Celso no Teatro Oficina em 2004 |
"Você é um homem super-rico, supergeneroso!", apela o diretor do Oficina. "Eu tenho culpa de ser rico? Eu dei sorte, e daí? Você não deu ainda, problema teu!", diz Silvio em seu permanente tom de brincadeira.
O dramaturgo insiste: "A gente tem que pensar na cidade, cara. Eu tenho 80 anos e ele [Silvio, 86] tem mais do que eu. Daqui a pouco a gente some do mapa. No entanto, a cidade fica. Você sabe disso [voltando-se para Silvio]". O apresentador brinca: "Eu não quero morrer. Não vou morrer!". Todos riem.
"A verdade é esta: não tem cabimento você ou quem quer que seja ter qualquer coisa que não pertença a você. Tá errado. Mesmo que você me dê o dobro. Não é lógico, explicável", diz Silvio.
"Não é justo alguém pagar por um terreno e não poder ficar com ele, mesmo que seja pra não fazer nada. Isso aqui é uma democracia ou é um regime totalitário?", completa. "Infelizmente não é [uma democracia], teve um golpe de Estado [impeachment de Dilma]", responde Zé Celso.
Os representantes da construtora de Silvio tentam apresentar a sua proposta de torres residenciais para o local. Doria pondera que aquele "não é um bom momento".
"Eu tô adorando isso aqui. Mas, amores à parte, vamos tentar encontrar um bom caminho", diz Doria, voltando a assumir o comando. Ele diz que o projeto apresentado pelo Oficina depende de aprovação da Câmara Municipal e de recursos que a prefeitura não possui. Zé Celso o interrompe a cada momento. "Relax!", pede Doria. "Você viu que nós não viemos aqui armados. [É] um 'brainstorming'!" (reunião para discutir ideias).
Doria lança então sua proposta: uma parte do terreno seria destinada ao Oficina; a outra, a um empreendimento de Silvio Santos que tivesse um componente cultural, como os que existem "na América". O apresentador diz que "qualquer solução é melhor do que deixar como está" e que, se continuar vazio, o lote "vai acabar sendo invadido".
Uma arquiteta do Oficina diz que a proposta é "um caminho", mas que a palavra "empreendimento" é "um pouco dura". E Doria: "A gente busca um sinônimo, mas enfim..."
O prefeito segue: um empreendimento hoteleiro de Silvio Santos, por exemplo, poderia, com a venda de unidades, viabilizar um "funding" (financiamento), além de uma área de "retail" (varejo) em um pequeno "mall". Zé Celso pergunta: "O que é um 'mall'?" Doria explica: "É um shopping menor". O fato de ter o Oficina em seu "backyard" (quintal), completa, criaria um "asset" (ativo) para os investidores.
Doria cita o exemplo de um teatro que fica dentro de um shopping. "[É] horroroso! Teatro de shopping é gaveta, cara!", reage Zé Celso.
O prefeito sugere uma reunião para que as duas partes discutam o "draft" (esboço) do que ele sugeriu. E diz ter o "feeling"(intuição) de que sua proposta "fica em pé".
A reunião caminha para o fim, com o compromisso de um novo encontro. (Um dia depois, Zé Celso acusaria Silvio de oferecer a ele "uma espécie de propina" de R$ 5 milhões para desistir da disputa. O dono do SBT nunca se manifestou sobre a acusação.)
"Gosto muito de ti", diz Zé Celso ao se despedir de Silvio. O apresentador volta a brincar: "Você vai ver, você vai se ferrar. Vou transferir a cracolândia pra lá!".
"Eu tiro de letra!", diz o dramaturgo, e pede que Silvio consiga um carro para levá-lo embora. O dono do SBT concorda: "Mas olha, vou te avisar, hein? O motorista que vai te levar é suicida. Ele bate com o carro pra todo mundo morrer!".
"Você não tá querendo me matar, né? Isso é questão de série da Netflix!", diz Zé Celso, já em direção à porta de saída.
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