De longe, EUA buscam fórmula para mediar crise no Iraque
Governo descarta volta de tropas, mas busca papel na disputa política entre sunitas e xiitas
O Globo
Com o "New York Times"
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BAGDÁ e WASHINGTON - Era para ser o primeiro Natal livre do Iraque soberano, sem a presença das tropas americanas que ocuparam o país por quase nove anos. Mas, no Oriente Médio, a mais importante celebração da cristandade produziu reféns. A crise política e a ameaça de violência não só forçaram os cristãos iraquianos a realizar uma celebração bastante tímida como atrapalharam o recesso de fim de ano do vice-presidente dos EUA, Joe Biden. Além da maratona telefônica na tentativa de promover o diálogo entre as facções políticas xiitas e sunitas do Iraque, Biden se viu diante de uma tarefa maior — coordenar a crise e manter a influência americana na região. De longe. E equilibrando-se entre ações contundentes, mas low profile.
— Existe um senso forte de que precisamos deixar as coisas acontecerem no Iraque. Não existe o menor desejo de nos reengajar. Não vamos invadir o Iraque novamente — afirmou uma alta fonte do governo americano.
Além de Biden, diplomatas e altos oficiais da Casa Branca estão envolvidos nas conversas para tentar contornar a crise deflagrada na semana passada, quando, criticado pelos sunitas por centralizar o poder, o premier xiita Nuri al-Maliki acusou de terrorismo o vice-presidente sunita Tariq al-Hashemi — reabrindo o perigoso ciclo de desconfiança sectária que paralisa o Parlamento há nove dias.
Biden telefonou ontem a Maliki e ao presidente do semiautônomo Curdistão, Massoud Barzani, recrutado para reforçar a mediação das conversas — sobretudo porque, além de respeitado, foi na região curda que o vice-presidente, acuado e com um mandado de prisão contra ele, buscou refúgio. "O vice-presidente manifestou suas condolências pelos atentados que provocaram 67 mortos no Iraque na quinta-feira passada e reafirmou o apoio aos esforços destinados a organizar o diálogo entre os dirigentes iraquianos", informou a Casa Branca.
Além de observar com temor o novo equilíbrio de forças no Golfo Pérsico — e uma provável influência iraniana no vácuo da retirada americana — a preocupação dos EUA com o destino do Iraque tem, ainda, peso político. Sobretudo em um ano eleitoral, onde o presidente Barack Obama tem pela frente uma batalha dura pela reeleição à Casa Branca.
— Agora, a saída do Iraque, junto com o fim de Osama bin Laden, a mudança na Líbia e a reconstrução da imagem americana no mundo são vantagens claras para Obama — avalia David Rothkopf, especialista em segurança e ex-conselheiro do governo Bill Clinton. — Ele manteve a promessa e caiu fora. Mas a história pode se virar contra ele rapidamente.
Além das críticas da oposição republicana, Rothkopf adverte que a aparente política de Nuri al-Maliki, de alimentar divisões entre xiitas, sunitas e curdos pode fragmentar o Iraque:
— Se houver uma guerra civil, Obama pode ser considerado culpado. Ele não seria lembrado como o presidente que deixou o Iraque, mas por como deixou o país.
Parlamento se reúne rodeado de incerteza
Em Bagdá, líderes do bloco xiita Aliança Nacional, de Maliki, e do sunita Iraqiya, de Hashemi, tiveram encontros sigilosos para tentar contornar o racha. E a expectativa é grande. Afinal, o Parlamento está previsto para se reunir amanhã pela primeira vez após um recesso — e ainda não se sabe se a bancada do Iraqiya, o maior parceiro da coalizão, irá comparecer ao plenário. O bloco suspendera sua participação no Legislativo após as acusações contra o vice-presidente.
— Houve uma delegação da Aliança Nacional reunida com o Iraqiya. Se quiserem participar de diálogo real, eles têm que retornar ao Parlamento. Esse boicote é inaceitável — ameaçou o deputado xiita Haider al-Abadi, aliado de Maliki.
Em meio à incerteza sobre os planos do bloco sunita, o vice-presidente Tariq al-Hashemi reafirmou que não tem qualquer intenção de retornar a Bagdá — onde pode ser preso. Dizendo-se vítima de uma armadilha, ele admitiu que seus seguranças possam ter cometido crimes sectários em meados de 2006, mas negou com veemência ter dado tais ordens ou mesmo estar ciente dessas ações. Ele também criticou o Judiciário.
Os xiitas, no entanto, garantem que as acusações contra Hashemi são meramente criminais — sem caráter sectário. Mas o fato é que as manobras do primeiro-ministro têm despertado na minoritária comunidade sunita a sensação de marginalização crescente. Desde a queda da ditadura sunita de Saddam Hussein, os sunitas alegam que o poder xiita aumenta — e eles têm sido banidos do processo de tomada de decisões em um país ainda amplamente fragmentado.
No domingo, Maliki evitou se pronunciar. Segundo nota do Gabinete, o premier se reuniu com autoridades de segurança — sobretudo após os atentados da última semana. "Não devemos ter nenhuma dúvida sobre a capacidade das nossas forças de segurança em preservar a estabilidade", destacou o comunicado.
COPIADO : http://oglobo.globo.com/
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