As questões esquecidas no debate sobre desigualdade
O presidente Barack Obama está fazendo da criação de maior igualdade de renda e riqueza um ponto central da campanha à reeleição. Trata-se de algo notável para um presidente norte-americano já que os políticos dos Estados Unidos, ao contrário das contrapartes europeias, geralmente enfatizam a criação da riqueza, não sua redistribuição.
Segundo reza a lenda, quando um pobre norte-americano vê o carro de um rico, fica inspirado a trabalhar duro para também adquirir tal automóvel. Por outro lado, quando um pobre francês vê o carro de um ricaço, ele fica inspirado a riscar o veículo e votar num partido político que pretenda se livrar dos milionários.
Os oponentes da desigualdade de renda geralmente ignoram incentivos e diferencias de risco, concentrando-se apenas em comparações dentro de um país, não em âmbito global. Na verdade, porém, essas questões não são nem um pouco simples.
Imagine que Mary seja mais rica do que John. O mundo não seria melhor se um burocrata do governo pegasse o dinheiro da Mary e desse ao John, nivelando sua riqueza?
O problema desse argumento é que ele ignora como Mary e John obtiveram a riqueza. Talvez Mary e John tivessem a mesma quantia dez anos atrás, mas John decidiu ser professor, tirar muitas férias e investir seu dinheiro em títulos do governo de baixo risco e pouco rendimento. Mary, por sua vez, decidiu virar empreendedora, arriscou as economias e trabalhou 80 horas por semana. Se o governo tivesse anunciado, dez anos atrás, que dentro de uma década a riqueza estaria nivelada, é muito provável que Mary não teria virado empreendedora e, sim, seguido o exemplo de John. Além disso, se John tivesse trabalhado na empresa de Mary, provavelmente ele estaria mais pobre hoje em dia.
Criar uma sociedade na qual todos têm a mesma fatia da pizza produzirá uma redonda menor. A única maneira de redistribuir riqueza sem provocar os efeitos do incentivo negativo é surpreender as pessoas: um dia, o governo bate à porta da Mary, toma metade de seu dinheiro e o dá ao John. Isso provavelmente também poria um fim na carreira do político que sonhou com essa ideia radical, então não é provável que ela se concretize numa democracia. Contudo, ela se realizou na Rússia, em 1917, e na China, em 1949.
Alguns argumentarão que a desigualdade de riqueza é causada pela sorte, não pelo esforço. Por exemplo, Mary herdou a riqueza do pai, Peter, que foi um empreendedor dez anos antes, tornou-se muito bem-sucedido e morreu, deixando todo o dinheiro para a filha. Assim, este é um argumento para um imposto pesado sobre o espólio: quando se morre, a riqueza é confiscada pelo Estado e redistribuída aos pobres. Além disso, para impedir que as pessoas burlem o imposto de espólio, deveria haver um limite sobre quanta riqueza seria possível repassar aos filhos durante a vida.
No entanto, basicamente, isso significaria o fim do negócio familiar. Sob tais circunstâncias, Peter, ao chegar ao fim da vida, provavelmente começaria a investir menos na empresa, criaria menos empregos e tiraria mais férias. Sua filha, Mary, teria de achar uma ocupação fora da empresa da família.

O movimento Ocupe Wall Street é contra um tipo de desigualdade em particular: os bônus dos banqueiros, principalmente o pago em bancos que receberam socorro financeiro. Culpar o recebedor do bônus é meio esquisito, no entanto, já que foi o governo quem decidiu salvar os bancos, sentindo que a alternativa seria pior.

Além disso, o governo poderia ter insistido em limitar a remuneração dos banqueiros em troca do auxílio, mas, em geral, não foi assim que aconteceu. Por exemplo, em troca do socorro, o governo dos EUA preferiu ações e "warrants" sem direito a voto. O raciocínio parece o de que existe mercado para banqueiros e, se o banco socorrido pagar salários abaixo do mercado, deixará de atrair profissionais capacitados. Por fim, isso reduziria o valor do banco e, dessa forma, a participação governamental. Assim "matar os banqueiros de fome", gesto apreciado pelo público em geral, pode no fim das contas não ser do interesse dos contribuintes.

Para evitar incentivos influentes, alguns afirmam que devemos buscar uma sociedade que garanta oportunidades iguais, não resultados iguais. Deve ser por isso que as pessoas não ficam indignadas pelas desigualdades enormes criadas pela loteria, por meio da qual as pessoas podem virar milionárias da noite para o dia, sem esforço, por pura sorte. Infelizmente, não existe engenharia social neste mundo capaz de garantir oportunidades iguais. Todos nós nascemos com talentos e potenciais distintos.

Minha objeção final à obsessão pela igualdade é que as mensurações da desigualdade são geralmente específicas de um país. Isso é compreensível por um político, já que os estrangeiros não votam. A globalização costuma levar a culpa pelo aumento da desigualdade no mundo ocidental, à medida que os empregos industriais são terceirizados na China e Índia, onde os salários são mais baixos. A verdade, porém, é que o chinês ou indiano médio viu o padrão de vida crescer em resultado da mundialização. Trocando em miúdos, enquanto a globalização pode ter criado maior desigualdade entre os trabalhadores do setor de serviços _ cujos empregos não podem ser terceirizados _ e os da indústria nos EUA, por exemplo, ela reduziu a diferença entre a renda per capita entre os EUA e Índia ou China.

A desigualdade da renda global foi reduzida neste século, principalmente no fim do século, em resultado da mundialização e do fato de que os países tradicionalmente socialistas e regiões como China, leste europeu e Índia adotaram o capitalismo. Em resultado, centenas de milhões de pessoas nesses países abandonaram a pobreza.

Para reduzir a desigualdade global, portanto, precisamos de mais capitalismo, não de menos. Contudo, ainda falta um longo caminho para chegar àquela igualdade. Hoje em dia, a renda per capita nos EUA é de US$ 47 mil, mas de apenas US$ 7 mil na China.

(Theo Vermaelen é professor de finanças internacionais e gestão de ativos na escola internacional de negócios INSEAD.)

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