“Não temos nada a ver com o Femen” Lina Esco avisa por telefone de Los Angeles que o movimento
#Freethenipple, a hashtag que mais incomodou o Facebook e o Instagram neste ano, está há anos-luz das outras
ativistas feministas que também tiram a roupa
em seus protestos pela Europa. Seu movimento, diz, é mais integrador e
menos radical. Esco é a ideóloga, diretora, roteirista e uma das atrizes
principais do
filme Free the Nipple, que estreia em 12 de dezembro nos EUA e que chega depois que seu lema e sua luta para descriminalizar o corpo feminino
foram amplificados por estrelas como Miley Cyrus,
Scout Willis, Cara Delevingne e Lena Dunham. Supunha-se que o filme
chegaria primeiro, e depois o movimento, mas tendo em vista que ninguém
queria distribuir um filme em que um exército de ativistas protesta de
topless em Nova York, Esco entrou em ação com um blog muito completo
sobre feminismo e censura no
The Huffington Post e com um exército de amigas (famosas) dispostas a conseguir que a
#Freethenipple se tornasse algo mais do que fotos sobre
liberar os mamilos.
A vida, em uma guinada, quis que o movimento que explora no filme –q ue
tem como protagonista Lola Kirke, irmã de Jemima Kirke (Jessa em
Girls)
– fosse visto muito antes da estreia. Puritanismo, dupla moral,
violência, censura, igualdade e feminismo são as palavras que ela mais
repete na conversa.
Quando decidiu que queria escrever e dirigir este filme?
Foi em 2010. Estava rodando um filme (
LOL, onde dividia a
tela com Miley Cyrus) em que os atores e a equipe falavam muito sobre as
desigualdades entre homens e mulheres. Comecei a pesquisar sobre
ativismo feminino
e cheguei até Susan B. Anthony e como, graças a ela, as mulheres
puderam votar nos EUA em 1920. Foi quando uma de minhas melhores amigas,
uma das pessoas que mais admiro e a mais livre que conheço, disse que a
mãe dela havia sido expulsa da igreja porque estava dando o peito a
ela, que tinha cinco meses. Naquela época eu estava naquele filme com
Miley, e disse à diretora, Lisa Azuelos, que tinha uma ideia para rodar
um filme sobre garotas que saíam de topless para lutar por maior
igualdade na América. Ela me disse que queria ver o roteiro assim que eu
o terminasse e que me financiaria o filme. Pensei que ela estava
brincando e em 2012 terminei o roteiro. Lisa financiou a gravação
contribuindo com um milhão de dólares e terminamos a rodagem no fim
daquele ano. Passei parte de 2013 procurando bons editores, chamei três
porque não encontrava o corte que eu queria. Consegui resolver isso e
depois enfrentei os problemas de distribuição. Em dezembro de 2013
comecei a escrever um blog sobre o meu filme e a censura no
Huffington Post
e Miley começou a falar do filme no Instagram e nas redes sociais. Se
você pensar, foram quatro anos de trabalho, porque só em julho deste ano
conseguimos que nossa distribuidora fosse a IFC (a mesma de
Boyhood – Da Infância à Juventude e
Azul É a Cor Mais Quente).
Para os recém-chegados, do que trata 'Free the Nipple'?
É sobre uma garota de Nova York, uma ativista que busca a igualdade
lutando contra a censura aparecendo de topless pela cidade. Acredito que
deveria ficar claro que a história não é sobre o topless, é sobre
igualdade. Se tivéssemos feito um filme que se chamasse
Igualdade
e não aparecessem garotas de topless, ninguém estaria falando dele.
Ninguém. O mamilo se tornou o cavalo de Troia que revela os verdadeiros
problemas e a desigualdade que há na América.
Você teve problemas para rodar as cenas das garotas sem camiseta pela cidade?
Muitíssimos. Embora o topless seja legal em Nova York, a polícia nos
disse que não podíamos fazê-lo enquanto gravávamos porque iria parecer
que estávamos rodando um filme pornô. Assim, tive de
roubar a
maioria das cenas sem que a polícia ficasse sabendo. Rodávamos em uma
tomada só e muito rápido. Foi bem louco. Teria sido impossível rodar
todas essas cenas se tivesse tido que esperar a autorização da cidade.
A trama do filme mostra o duplo padrão cultural entre o nu e a
violência. Por que você acredita que a cultura americana se sente
ultrajada com um nu, mas dá tantas facilidades para acessar e distribuir
imagens violentas?
É um tema que tratamos muito no filme, como permitimos muitíssima
violência em nossos meios de comunicação e como a MPAA (Motion Pictures
Association of America, que decide a faixa etária adequada dos filmes)
permite que essa violência seja distribuída sem problemas. Não há
equilíbrio. Há muitíssima violência e armas nos cinemas, mas um mamilo
ou uma mulher simulando um orgasmo é considerado pornográfico. Acredito
que na América há muitíssimo dinheiro destinado a ocultar o mamilo. E
quando digo que se oculta o mamilo, refiro-me a que se sexualiza e se
coisifica o corpo da mulher. Uma mulher não é proprietária do seu corpo
no cinema. Então, se você diz “não me moldo às suas regras e quero
mostrar tudo”, você estará fazendo algo mau. Note que,
no Facebook, o nosso logotipo,
que é um desenho de uma garota de topless, é ilegal! Não existe um
equilíbrio com o corpo feminino e fico feliz de haver exposto todos
esses problemas no filme.
Partindo do topless?
Sim, porque aí se demonstra a hipocrisia da MPAA, a hipocrisia da
América e a opressão que se exerce sobre as mulheres. Veja quantas
normas temos sobre nossos corpos. E, entretanto, não há normas sobre o
corpo masculino. Nos anos 30, centenas de homens foram presos por
fazerem topless nas praias de Nova York e foi apenas em 1936, em Coney
Island, que os homens que queriam fazer topless e tomar banho sede mar
mostrando o abdômen puderam fazê-lo graças à sentença de um juiz. Se os
homens têm esse direito, as mulheres também deveriam tê-lo. Assim, se
não nos vão tratar igual, vou ter de falar disso.
Como Rosa Parks quando se negou a sentar na parte traseira do ônibus, junto às pessoas de cor, e disse que ela também podia sentar na frente com os brancos.
As mulheres, na América, recebem 78 centavos por cada dólar que
recebe um homem no mesmo posto de trabalho. No fundo é uma questão
bastante simples, apoiada em uma mercantilização do corpo. Há muito
dinheiro que trata de esconder o mamilo: se permitissem o topless,
chegaria um ponto em que as pessoas se cansariam de vê-lo, deixaria de
ser um tabu e aí perderia todo esse valor sexual de coisificação
feminina que há na indústria. Por isso o mamilo é um símbolo que a
América necessita. Ver um montão de tetas por todo lado para que superem
esta merda de uma vez. Não é só fazer topless para conseguir igualdade
em relação aos corpos, há muito mais por trás.
Nos EUA, dependendo do estado onde você estiver, pode estar
sujeita a multas de até 2.500 dólares e três anos de prisão por mostrar
um mamilo. Você já contatou muitas mulheres que tiveram de enfrentar
essa situação?
Sim, naturalmente. Em Nova York o topless é permitido desde 1992 mas,
por exemplo, Phoenix Feeley foi presa por negar-se a pagar as multas
por tomar o sol sem a parte superior do biquíni em Spring Lake (Nova
Jersey). Passou nove dias na cadeia e protestou com uma greve de fome. É
realmente ridículo ver a que situações podemos chegar.
Antes você estava falando da censura da MPAA e seus critérios de qualificação. O que aconteceu com seu filme?
A MPAA é o tipo de gente que decide em nosso país que tipo de arte se
pode ver e qual não é acessível a certos estratos da população. Não
fala com ninguém, nem dá explicações. E você nunca consegue se reunir
com eles, aí está a raiz do problema. Explicam isso maravilhosamente bem
no documentário
Os Censores de Hollywood. Quando definem a classificação, não há uma vírgula justificando sua decisão. Em
Free the Nipple decidimos que o filme não passaria pela MPAA e, consequentemente, chegaria aos cinemas sem classificação.
E essa decisão não vai pôr entraves à exibição do filme?
Poderá ser visto em muitos cinemas no dia 12 de dezembro ou será uma
estreia mais limitada?
Primeiro estreará em Nova York e Los Angeles e depois veremos como
andam as coisas. Estamos tentando distribuir na Inglaterra, Hong Kong,
Turquia e em outros países.
Não só puseram entraves à exibição, como as contas de Free the Nipple no Instagram e no Facebook foram censuradas e proibidas.
Essas normas em redes sociais não vão mudar e continuarão hipócritas
do mesmo jeito. No Instagram você tem acesso a um monte de contas sobre
armas ou atrizes pornôs promovendo-se. Lá tem aquelas imagens totalmente
pornográficas, em que só cobrem parcialmente as aréolas do mamilo ou o
sexo. Pensam que com isso está resolvido, mas a essência pornográfica
está ali. Isso é permitido, mas nossas imagens de protesto não, e
ninguém faz nada a respeito. Não lhes importa. Nós protestamos várias
vezes e perdemos todas. É triste ver que isso não muda.
Crie que ter dirigido este filme pode atrapalhar sua carreira como atriz?
Meu agente por exemplo, não me apoiou e me abandonou quando lhe disse
que ia dirigir e coprotagonizar o filme. Quando acontecem coisas assim é
preciso ser forte e revidar. Agora tenho outro agente. Tive de lidar
com muitas outras coisas por causa do filme. Há gente que não entende. O
título do filme, por exemplo, só quer ser divertido. É um título meio
tolo se pensar bem:
libere o mamilo. Mas é que essa é a vontade
do filme, partir de algo tão tolo como ocultar um mamilo para ir a algo
maior. Não fiz um drama, é um filme divertido. Não foi feito com raiva
ou frustração ou a angústia que muita gente parece imaginar. Foi feito
com amor, com paixão e com vontade de divertir. Simplesmente queremos
acabar com a mentalidade puritana deste país, que é profundamente
ridícula.
O filme só estreia no dia 12, mas deve ter sido emocionante ver como evoluiu todo o movimento em torno do Free the Nipple quase um ano antes de sua estreia. Imaginou alguma vez que seu filme poderia converter-se no movimento ativista que é hoje?
Sabia que o filme ia despertar algum tipo de debate, mas não da forma
como evoluiu. Ironicamente, o filme devia estrear primeiro e o
movimento deveria ter chegado depois, de forma orgânica. Mas tivemos
muitíssimos problemas para que o filme pudesse estrear. Pode ser pelo
título, por todo o tema da censura e porque, no fundo, não é o filme
típico que se vê no cinema. Estávamos tendo muita dificuldade para saber
se seria distribuído, por isso, em dezembro de 2013, decidimos começar o
movimento enquanto tentávamos fazer o filme chegar às telas. Começamos a
fazer campanha com celebridades, artigos na imprensa e
influencers.
Daí tudo passou para Instagram e se tornou cada vez maior e mais profundo.
Você teve muitíssimo apoio de celebridades. Lena Dunham,
Miley Cyrus, Scout Willis e Liv Tyler expressaram publicamente seu apoio
ao Free the Nipple. Como avalia isso?
É muito irônico porque no filme há uma cena em que discutimos sobre conseguir ou não o apoio de
influencers
e famosos para que o movimento ganhe peso, mas na realidade não
planejamos que fosse assim. Acredito que ter famosos falando sobre isso
tornou o tema ainda mais polêmico e não sabia o que ia acontecer. Não
sabia que Miley,
Lena Dunham e Chelsea Handler foram falar do
Free the Nipple, e além disso expondo que era muito mais que a liberação do topless, que era sobre igualdade.
Miley Cyrus participa no filme de alguma maneira?
Sim. Ela se encarrega da canção dos créditos finais. Fez uma versão de minha canção favorita:
Look What They've Done to My Song, Ma de Melanie Safka. Miley é uma boa amiga e adorou colaborar. A banda sonora do filme está a cargo do Nick Littlemore, do
Empire of the Sun, e ela veio ao estúdio e os dois se entenderam perfeitamente.
Para cada Miley Cyrus ou Emma Watson que aparece na mídia
mostrando seu apoio ao movimento feminista, ultimamente encontramos
estrelas distanciando-se do termo, mas alegando que procuram a igualdade
entre homem e mulheres. Por que acredita que existe uma alergia a essa
palavra?
Eu adorei ver
o discurso de Emma Watson na ONU,
foi uma maravilha ver como se pode educar na igualdade. As pessoas
deveriam entender que o feminismo, hoje em dia, defende que homens e
mulheres sejam tratados em igualdade de condições. É só isso. Mas também
entendo toda essa gente que tem alergia à palavra feminista, mas
acredita na igualdade de direitos. Pensam no passado, em um momento dos
anos 60, quando sim havia razões para estarem zangadas e lutar
ferozmente pelos direitos. Sem aquelas mulheres, sem sua luta, hoje
seria tudo muito diferente e provavelmente teríamos razões para ser
igualmente radicais. Mas hoje em dia estamos renomeando o feminismo, e é
uma etapa que inclui a todos: mulheres e homens. Não devemos
excluí-los. Eu não tenho nada contra eles, estou rodeada de homens
maravilhosos em minha vida e jamais os odiaria por serem homens. Devemos
ter em mente que a igualdade é uma grande meta a alcançar e que ainda
não é uma realidade. A maneira que encontrei para buscá-la é por meio do
topless, porque, sendo realista, acredito que sem o topless não teria
conseguido toda a atenção que estou tendo.
Free the Nipple estreia nos EUA em 12 de
dezembro. As imagens e o trailer deste artigo têm os seios pixelados por
vontade da produtora do filme.
copiado http://brasil.elpais.com/brasil
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