Brasil,
um pária das Relações Internacionais
Marcelo Zero | Carta Capital | São
Paulo - 22/06/2017 - 15h50
Angela
Merkel, chanceler alemã, é uma das líderes internacionais que
visitou América do Sul nos últimos meses sem sequer fazer uma
escala em Brasília; no cenário internacional, o 'fora Temer' sempre
foi uma realidade
Com
o golpe, o Brasil se tornou um pária das Relações
Internacionais. Como efeito, ninguém quer muita conversa com um
governo que surgiu da “assembleia-geral de bandidos” de Eduardo
Cunha e que já foi definido como a “quadrilha mais perigosa” do
país.
Em
cenário inconcebível há pouco tempo, líderes mundiais vêm à
América do Sul sem passar pelo Brasil, o maior país do
subcontinente.
Angela
Merkel visitou a Argentina há poucas semanas e voou direto para o
México, sem sequer fazer uma pequena escala em Brasília. Sergio
Matarella, presidente italiano, também esteve recentemente em Buenos
Aires e Montevidéu, mas evitou contatos com governo da “turma da
sangria”.
Em
janeiro, François Hollande esteve no Chile e na Colômbia, mas
recusou-se a fazer visita oficial aos golpistas. Mesmo o generoso
papa Francisco tem se recusado a vir ao Brasil, maior país católico
do mundo, por receio a uma associação espiritual e moralmente
condenável.
Até
agora, o governo do golpe só conseguiu ser anfitrião de Mauricio
Macri, presidente da Argentina, que se dispôs a vir ao Brasil para
alinhar-se ao governo golpista com o intuito de expulsar a Venezuela
do Mercosul.
Clauber
Cleber Caetano / PR
Michel
Temer durante reunião dos BRICS em Hangzhou, China, após
reunião do G20, em setembro de 2016
Nas
pouquíssimas viagens internacionais, a situação não é melhor. Em
sua estreia no cenário mundial, a imagem patética percorreu o
mundo: Temer, anônimo, desconfortável, literalmente escanteado na
foto oficial do G20, a qual revelou, de forma crua, incontestável, o
isolamento de um governante sem um único voto, que causa
constrangimento e embaraço por onde passa.
No
cenário internacional, o “fora Temer” sempre foi uma realidade.
A
viagem à Rússia não muda esse fato. Moscou está preocupado com a
guinada escancarada pró-EUA da política externa brasileira. Quer
preservar uma relação estratégica com um Estado que faz parte do
BRICS. Engole Temer para continuar próximo ao Brasil.
Ninguém
pode culpar a comunidade internacional por evitar contatos maiores
com um governo ilegítimo e corrupto, fruto de um anacrônico golpe
de Estado, que nos fez retroceder ao lamentável status de uma
república bananeira.
Política
externa omissa e submissa
Mas
a questão maior não é essa. O atual isolamento do Brasil decorre
essencialmente de uma política externa equivocada, que colide com as
grandes tendências geopolíticas mundiais.
Nos
anos pré-golpe, a política externa “ativa e altiva” dos
governos progressistas alterou profundamente a inserção
internacional do país.
As
relações bilaterais foram diversificadas, ampliaram-se as parcerias
estratégicas com países emergentes, investiu-se mais na integração
regional e a cooperação Sul-Sul adquiriu centralidade.
Abandonou-se
a ideia ingênua de que a submissão aos desígnios da única
superpotência e a inclusão acrítica no processo de globalização
nos faria aceder a um Brave
New World de
independência e prosperidade.
Enterrou-se
a agenda regressiva da ALCA assimétrica, e o Brasil passou a criar
espaços próprios de influência, articulando-se com outros
emergentes em foros como o BRICS.
Investimos
no multilateralismo e na conformação de um mundo menos desigual.
Com
essa política externa, acumulamos superávit comercial de US$ 308
bilhões (até 2014) e reservas líquidas de US$ 375 bilhões e
eliminamos nossa dívida externa líquida.
Tornamos-nos
credores internacionais, inclusive do FMI, aumentamos nossa
participação no comércio mundial de 0,88% (2001) para 1,46% (2011)
e obtivemos protagonismo mundial inédito, com Lula se convertendo
numa liderança internacional cortejada e respeitada, figura central
em qualquer foro mundial.
Celso
Amorim chegou a ser classificado como o melhor chanceler do mundo,
pela prestigiada revista Foreign Policy. Ao contrário do que diz o
ridículo clichê conservador, foi justamente na época dessa
política externa “isolacionista” que o Brasil teve mais
influência no mundo.
Governo Temer fracassou na América do Sul, diz Celso Amorim
Em carta pública, diplomatas brasileiros defendem eleições para 'restabelecimento do pacto democrático'
O que a CIA dizia sobre Lula na década de 1980
Agora,
contudo, o governo ilegítimo substituiu a política externa altiva e
ativa por uma política externa omissa e submissa. Trata-se, na
realidade, de mero aggiornamento [atualização]
da fracassada política externa dos tristes e descalços tempos de
FHC, que, ao buscar a chamada “autonomia pela integração”,
conseguiu apenas mais dependência, menos integração e protagonismo
reduzido.
Apostando
tudo nas relações bilaterais com os EUA nos tornamos um país
menor, de escasso prestígio mundial, além de economicamente
dependente e débil. Não chegamos ao ponto da Argentina, que
conseguiu a proeza de ter “relaciones carnales” com os EUA, mas
chegamos perto. Nossa soberania foi bastante bolinada.
No
cômputo geral, todo esse disciplinado investimento vira-lata em
dependência, combinado com a âncora cambial, resultou em déficit
comercial total de US$ 8,6 bilhões em oito anos, reservas líquidas
próprias de minguados US$ 16 bilhões, dívida externa líquida de
37% do PIB, uma participação no comércio mundial de mero 0,9 %,
três idas ao FMI para pedir alívio financeiro e um baixo
protagonismo internacional.
Entretanto,
o retorno à mesma política externa fracassada ocorre num contexto
inteiramente diverso. Na época de FHC, o mundo vivia o auge do
paradigma neoliberal. O Consenso de Washington dominava corações e
mentes.
As
autoridades europeias e norte-americanas estavam empenhadíssimas na
abertura comercial e financeira em todo o mundo, que era socada goela
abaixo dos países em desenvolvimento.
Os
EUA exerciam liderança praticamente inconteste na ordem mundial
marcada pelo unilateralismo belicista.
Ademais,
a economia e o comércio internacional iam de vento em popa, com
pequenos sobressaltos causados por crises regionais e locais
autocontidas.
No
entanto, hoje o mundo vive a pior crise econômica desde a Grande
Depressão de 1929.
Crise
profunda e sistêmica causada justamente pela desregulamentação
neoliberal, que aprofundou desigualdades e fez colapsar as economias
reais.
O
Consenso de Washington virou uma piada anacrônica e a liderança
antes inconteste dos EUA atualmente convive com a ascensão meteórica
do BRICS e fraturas entre seus aliados históricos.
Assim,
a ordem mundial é hoje muito diferente da que prevaleceu na década
de 1990, quando os ideólogos do “fim da História” proliferaram
como fungos. Além disso, está claro que o novo governo
norte-americano e alguns governos europeus não têm mais o menor
interesse em promover livre comércio.
Dessa
forma, a tragédia de ontem se repete hoje como farsa. Farsa guiada
por inacreditável miopia estratégica.
Enquanto
em quase todo o mundo há questionamentos referentes à globalização
assimétrica guiada pelo fracassado neoliberalismo, o governo do
golpe investe numa arcaica e ingênua integração às “cadeias
internacionais de valor”, que nos fará chutar a escada do
desenvolvimento, convertendo-nos definitivamente num país pequeno e
periférico.
Em
meio à venda do pré-sal, de terras e do patrimônio público a
preço de banana, em meio a exercícios militares conjuntos com os
EUA na Amazônia, em meio à ridícula adesão do país à OCDE, em
meio à destruição do Mercosul e da integração regional, e, last
but not least,
em meio aos coices diplomáticos dos folclóricos chanceleres do
PSDB, o governo do golpe cava o buraco onde será enterrada a
soberania do Brasil.
Quem
investe contra si mesmo vira pária. No máximo, vira-lata. Em
qualquer cenário, é país a ser pouco visitado.
copiado http://operamundi.uol.com.br/
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