Jogos que exploram escândalos da política ganham adeptos no Brasil
Casos de corrupção e momento conturbado inspiram games que ironizam políticos, impeachment e até membros do STF.
Na
vida real, aprende-se desde cedo que dinheiro não cai do céu. Mas,
na realidade virtual, o dinheiro pode cair do alto de um prédio
enquanto você tenta recolher todas as notas para encher sua mala com
milhões de reais. Só tem uma questão: se não pegar a grana toda,
você acaba em cana. Para seu alívio, neste caso, o xadrez também é
virtual.
O
jogo "Recupere o dinheiro de Gededel" tem como inspiração
a intrincada situação jurídica do ex-ministro Geddel Vieira Lima,
acusado pela Polícia Federal de ser o responsável por manter R$ 51
milhões em espécie em um apartamento em Salvador. Geddel nega
envolvimento com esquema criminoso.
Desenvolvedores ironizam personagens políticos (Foto: Reprodução)
O
game, lançado no final de setembro para o sistema Android e em breve
para IOS, é criação de três jovens baianos: o analista de
sistemas Ricardo Schimid, o designer Victor Hugo Castro e o músico
Daniel Castro Barbosa.
Na
aventura eletrônica, depois de ser informado que a polícia
descobriu seu "bunker" monetário, o personagem Gededel
corre para tentar salvar o dinheiro. Start.
Para
evitar a prisão de Gededel, o jogador deve resgatar todo o dinheiro,
que cai em montantes variados, começando com moedas que valem R$ 5
mil e chegando até malotes com R$ 3 milhões. Além disso, é
preciso desviar de objetos arremessados por vizinhos indignados com a
corrupção - até um gato vira projétil.
As
referências políticas não acabam aí: a trilha sonora em 8 bits,
típica de games antigos, lembra a melodia do jingle de Geddel Vieira
Lima, ecoado à exaustão na Bahia em todas nas suas candidaturas à
Câmara. O original versava que o ex-ministro era "um nome forte
no cenário nacional". O criminalista Gamil Foppel, advogado de
Geddel, atualmente preso, afirmou que enviaria uma nota sobre o game,
o que não ocorreu até o fechamento da reportagem.
"Sou
ligado em games desde criança. Na faculdade, comecei a criar jogos.
Agora, estávamos desenvolvendo outro game quando surgiu esse caso.
Paramos tudo pra fazer isso e a recepção foi ótima", conta
Ricardo Schimid, que tem 27 anos e diz que, até pouco tempo atrás,
jamais dera muita atenção à política.
Agora
ele dá - e acha que a sátira é a melhor forma de tratar do tema.
"A política no Brasil virou comédia. É só ver como os
programas de humor abordam a política. Nem precisam criar grandes
roteiros, as histórias já são piada", opina.
Política virtual
O
game inspirado pelo imóvel-cofre atribuído a Geddel Vieira Lima,
que em pouco tempo foi baixado por aproximadamente 5 mil usuários, é
apenas um exemplo recente de jogos que ironizam personagens da
política nacional, boa parte deles envolvida em denúncias de
corrupção.
Entre
aplicativos para dispositivos móveis e jogos para navegador da web,
existem opções de games a mirar políticos das mais diversas
legendas e ideologias.
Um
exemplo de diversidade surgiu da parceria entre os pequenos estúdios
Nebulosa e Black Hole. Em 2016, eles lançaram o jogo de navegador
"Super Impeachment Rampage", que passou da marca de 500 mil
jogadas
Em
oito fases, o jogador controla um avatar da ex-presidente Dilma
Rousseff (PT), saltando repórteres, coxinhas humanas e manifestantes
pelas ruas de Brasília na missão de evitar o impedimento, coisa que
Dilma não conseguiu na vida real. Dilma foi afastada do cargo ainda
em maio do ano passado, em um processo de impeachment.
Neste
ano, após a delação premiada dos executivos da J&F, os mesmos
criadores lançaram o "Super Impeachment Rampage Apocalypse":
enquanto no Planalto de verdade o presidente Michel Temer negocia com
deputados para barrar a segunda denúncia contra si, nesta nova
versão do game o pequeno simulacro de Temer percorre cenários
sombrios a fim de evitar a renúncia.
Na
última fase, ele enfrenta o "boss", ou chefão: em vez de
Koppa, do Mario Bros., um mega-pato amarelo em chamas que solta raios
incendiários - uma referência ao mascote da Federação das
Indústrias de São Paulo (Fiesp), que adotou o animal como símbolo
de uma campanha contra o aumento de impostos.
Na
versão anterior, o boss encarado por Dilma é um supercaranguejo com
cara de Eduardo Cunha, numa alusão ao codinome que, apontam os
investigadores, era atribuído ao ex-presidente da Câmara nas
planilhas de propina da Odebrecht.
"A
criação dos dois jogos políticos foi um acaso. Fizemos o primeiro
inspirado no 'Leo's Red Carpet Rampage', lançado na época do Oscar
de 2016 (em uma brincadeira com o ator Leonardo DiCaprio). Cerca de
um ano depois, a situação política estava tão caótica que
decidimos criar a versão Apocalypse como continuação", diz
Mariana Salimena, sócia do Nebulosa Studio, com sede em Juiz de Fora
(MG).
Em
2015, quando a sombra do impeachment começou a rondar Dilma, suas
diferenças com Eduardo Cunha, então presidente da Câmara, já
poderiam ter sido resolvidas no game "Vale Tudo", que segue
o modelo de clássicos como Mortal Kombat e Street Fighter.
"O
jogador escolhe com quem quer lutar e cada personagem é dotado de
poderes criados a partir das notícias da época. Dilma vira a Mulher
Sapiens e tem o poder da mandioca. Cunha, por sua vez, tem os
panelaços a seu favor", explica Alex Leal, criador do jogo e
CEO da Lizards Games, de Brasília. "Mulher sapiens" e
saudação à mandioca são trechos de dois famosos discursos da
ex-mandatária, ainda no cargo.
Então
candidata ao Planalto, em 2010 Dilma já havia inspirado o primeiro
jogo político desenvolvido por Leal, o "Dilma Adventure",
que teve aproximadamente 1,5 milhão de partidas ao ser lançado.
Mais
recentemente, quando o prefeito de São Paulo, João Dória Jr.
(PSDB), esteve em Salvador para receber o título de cidadão da
capital baiana e acabou levando uma ovada na cabeça, o time da
Lizards Games não perdeu tempo. "Em coisa de quatro, cinco
horas, nós criamos o 'Dória Ovacionado'", conta Alex Leal.
Feito
para navegadores da web, "Dória Ovacionado" segue o modelo
do sucesso mundial "Angry Bird". Num cenário que exibe o
casario colonial de Salvador e o Farol da Barra, o usuário tem que
acertar ovos nas caricaturas de Dória e do deputado federal Jair
Bolsonaro, que terminou inserido no game porque, no mesmo período,
também foi atingido por um ovo a jato.
Em
uma semana, foram mais de 450 mil jogadas. Depois do episódio do
ovo, Dória afirmou que "não é esse o caminho que desejamos
para o Brasil. Esse é o caminho do Lula, o caminho do PT, das
esquerdas que querem isso. A intransigência, a agressividade e a
tentativa de amedrontar. A mim não intimida".
STF também inspira jogos (Foto: Reprodução)STF
também inspira jogos (Foto: Reprodução)
"Ficamos
torcendo pra virar febre, com ovadas em políticos de todos os
partidos. A gente poderia sempre lançar uma versão atualizada do
game", caçoa Leal, que se diz "sem lado" e acha
possível brincar com todas as vertentes políticas. "Com nossos
políticos, o que não falta é inspiração. Ainda não brinquei com
o Judiciário, mas bem que estão pedindo".
Companheiros virtuais
Também
na linha do "Angry Bird", a Icon Games lançou em 2012 o
"Angry STF", que fez sucesso no período de julgamento do
Mensalão. Neste, a munição é o próprio ex-ministro do Supremo
Joaquim Barbosa. O objetivo é alvejar bonecos dos acusados de então,
como Marcos Valério, José Genoino, Duda Mendonça e José Dirceu.
Reintegrado
ao Congresso e livre para sair à noite depois que seus pares
rejeitaram as medidas cautelares impostas pelo STF, o senador Aécio
Neves também já serviu de inspiração para um game.
Em
2016, o Dashbits Studio lançou "Tempere o Político", cujo
mote é uma das gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro
Sérgio Machado. Em conversa com o senador Romero Jucá, Machado
afirma que Aécio seria "o primeiro a ser comido".
No
joguinho, o usuário é o chef que cozinha um avatar com as feições
de Aécio. No caldeirão efervescente, adiciona ingredientes como
alho, carne, pimenta, folhas de louro, maços de dinheiro, etc.
Políticos
como Geddel Vieira Lima inspiram jogos para celular (Foto:
Reprodução)
O
ex-presidente Lula, condenado em primeira instância pelo juiz Sérgio
Moro a nove anos e meio de prisão no caso do Tríplex do Guarujá e
réu em mais quatro processos, também não escapou dos criadores de
games.
Para
navegadores, a Icon já produziu os jogos "Pixuleco" e
"Jarareco". No primeiro, o controlador deve evitar que o
boneco inflável com a caricatura do ex-presidente seja furado,
enquanto recolhe uma boa grana no caminho.
O
segundo joguinho, por sua vez, é inspirado pelos clássicos games de
cobrinha e aproveita uma deixa do próprio Lula, que já se colocou
como uma jararaca difícil de ser abatida. No jogo, a cobrinha come
dinheiro enquanto tenta escapar do juiz Sergio Moro e do Japonês da
Federal.
O
objetivo é o mesmo de "Corre companheiro", da Tempero
Studio. Neste, o jogador foge com o avatar de Lula pelas ruas de São
Paulo, desviando do boneco de Moro, de um agente com traços
nipônicos e até de tucanos em voos rasantes. Consultada, a
assessoria do Instituto Lula afirmou que não comentaria o assunto.
Newsgames
O
jornalista Pedro Zambarda, criador e editor dos portais Drops de
Jogos e Geração Gamer, aponta que empreitadas do tipo são cada vez
mais comuns, dentro daquilo que o mercado classifica como
"Newsgames".
"São
jogos inspirados por fatos contemporâneos, que circulam na mídia e
demonstram grande senso de oportunidade dos criadores. São feitos
para consumo rápido, quando o tema está quente, e dificilmente
darão grande retorno financeiro, mas ajudam muito a popularizar os
estúdios", comenta Zambarda.
Ricardo
Schimid confirma que o retorno pelo game "Gededel" tem sido
mais a abertura de espaço no mercado do que em faturamento. Segundo
ele, a inserção de publicidade no jogo rendeu para os criadores,
até agora, US$ 6. Entretanto, já surgiram convites para desenvolver
outros games.
Compartilhando
da mesma visão, Alex Leal, da Lizards Games, levanta outra
característica dos newsgames: "O problema é o timing. É
preciso fazer rápido para o assunto não morrer, por isso muitos não
tem uma qualidade técnica muito elevada. No entanto, muito jogo
grande não consegue o mesmo espaço de divulgação que uma boa
sátira política ou social consegue".
Professor
universitário, Alex Leal enfatiza que fatos políticos e sociais
sempre serviram de inspiração para a criação da arte e do
entretenimento em suas mais diversas expressões e que os games
seguem esse caminho.
"Todo
jogo tem algo relacionado à política, no roteiro ou nos
personagens. Esses impasses entre Estados Unidos e Coreia do Norte,
ou entre Espanha e Catalunha, por exemplo, viram jogos facilmente",
comenta Leal.
Games
são inspirados em jogos que já existem, como 'Angry Birds' (Foto:
Reprodução)
Lynn
Alves, pesquisadora da área de games e professora da Universidade do
Estado da Bahia (Uneb) e do Senai Cimatec, acredita que os newsgames
ajudam na difusão das notícias, pois atuam de forma lúdica na
recepção de informações.
"O
jogo muitas vezes é um disparador. A pessoa joga sem ter
conhecimento do fato político e depois vai em busca de mais dados. A
imersão no jogo e a interatividade são capazes de despertar o
interesse por qualquer assunto", afirma.
Ela
lembra que, em 2010, após o lançamento do jogo para videogames
"Dante's Inferno", aumentou bastante a procura pelo livro A
Divina Comédia, poema épico escrito pelo italiano Dante Alighieri
no século 14.
"O
crescimento da indústria digital e a popularização dos suportes
para desenvolvimento de games eletrônicos aumentam a velocidade com
que os newsgames surgem, mas eles sempre existiram, nos mais variados
formatos", comenta Lynn Alves.
O
primeiro newsgame de que se tem registro, aponta a pesquisadora, é
de 1890. Trata-se do jogo de tabuleiro "Round the World with
Nellie Bly", inspirado pela aventura da jornalista americana
Elizabeth Jane Cochran, que realizou, na vida real, a viagem do livro
A Volta ao Mundo em 80 dias, de Julio Verne.
Sobre
os jogos, a BBC Brasil também enviou perguntas para as assessorias
da ex-presidente Dilma Rousseff, do senador Aécio Neves, do deputado
Jair Bolsonaro e do prefeito paulistano João Dória. Não houve
resposta. O advogado do ex-deputado Eduardo Cunha não atendeu nem
retornou as ligações.
copiado https://g1.globo.com/tecnologia/games/
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