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A paixão pelo futebol na Cidade de Deus
O desafio é difícil: mostrar de forma diferente a paixão do brasileiro pelo futebol, tantas vezes representada sob diversas formas. Foi então que o fotógrafo da AFP no Rio, Christophe Simon, foi à Cidade de Deus e deu câmeras a crianças carentes para que elas contassem, com seus próprios olhos, um pouco do que sentem pelo esporte.
"Nas favelas do Brasil, as crianças estão sempre jogando futebol, em toda parte. Com bolas furadas, em campos improvisados e cheios de terra, usam as paredes das casas como gol. Com a aproximação da Copa do Mundo de 2014, eu procurava uma forma de ilustrar as origens da paixão brasileira pelo futebol. E, para isso, nada melhor do que pedir a algumas dessas crianças que me mostrassem elas mesmas o seu amor pela bola.
Desde minha chegada ao Rio, em 2011, cobri inúmeras operações de "pacificação" das favelas da cidade pela polícia - com o objetivo de melhorar a imagem da cidade para a Copa e as Olimpíadas de 2016. Munido de minhas câmeras fotográficas, acompanhei a tomada de becos e ruas estreitas pelas forças de segurança. Todas as vezes, me vi cercado por grupos de crianças que pareciam fascinadas pelo meu trabalho e me seguiam pelas ruas, fazendo mil perguntas. Em 2011, fiz 50 anos - idade em que a gente começa a querer compartilhar com os mais jovens o que já sabe da vida. Foram esses os caminhos que me levaram a conceber este projeto.
A AFP entrou em contato com o braço francês da gigante de câmeras fotográficas Nikon, que contribuiu com dez aparelhos Coolpix. Na Cidade de Deus, uma das favelas mais conhecidas do Rio, fiz amizade com Tony, que tem um ateliê de fotografia. Eu o conheci por intermédio de Nadine Gonzalez, uma amiga francesa que criou a Associação Modafusion que promove escolas de moda em comunidades carentes. Tony se tornou imediatamente meu principal aliado e meu passaporte: foi ele quem recrutou as crianças voluntárias. Foi ele também quem nos acompanhou durante cinco meses e meio pelo bairro. Ele nos abriu as portas e solucionou situações complicadas que porventura apareceram.
Durante quase todos os finais de semana de fevereiro a maio de 2013, Tony e eu acompanhamos pelas ruas do bairro grupos de três a dez crianças, com idades entre dez e 15 anos. Cada um levava um aparelho consigo e tinha como missão fazer imagens sobre futebol. Os encontros duravam de três a quatro horas, às vezes dias inteiros. Não foi um projeto fácil de organizar. Buscávamos as crianças uma a uma em suas casas, nós as levávamos de volta, íamos tirar fotos nos mesmos lugares, todos juntos.
Eu os ensinei o bê-a-bá da fotografia, e mostrei a eles algumas regras de base, como a proibição de tirar fotos posadas (tarefa difícil em um país onde as pessoas adoram fazer pose), ou de usar o flash. A experiência foi inigualável, e o resultado, surpreendente. Fiquei maravilhado com o fato de as crianças terem produzido fotos tão boas. Se eu tivesse fotografado o tema, teria usado meu olhar, seria guiado pelo que vivi. Ali, os jovens tiveram a possibilidade de mostrar onde vivem e a origem de sua paixão pelo futebol. O resultado, na minha opinião, é mais do que sincero.
Ao mesmo tempo, embora no início eu achasse que eles é que iriam me ajudar a descobrir as coisas, tive o prazer de constatar que eu também abria os olhos dos meus alunos. As favelas têm leis não escritas. Todo mundo na Cidade de Deus sabe, por exemplo, que é melhor não olhar quem passa na casa ao lado. Eu não sabia disso. Cheguei com meu olhar novo. E, assim, eu os apresentei a coisas que sempre estiveram debaixo de seus narizes, mas que eles nunca haviam notado.
Apesar de ter sido oficialmente pacificada, a Cidade de Deus ainda não virou um lugar de completa paz. Diversas vezes, nós nos vimos frente a frente com traficantes de droga que não pareciam muito felizes com nossas câmeras fotográficas. Graças ao jogo de cintura de Tony, esses momentos de tensão nunca se prolongaram.
A mudança foi grande nos aprendizes de fotógrafo. Depois de um tempo, nosso projeto ficou famoso na favela, e os candidatos começaram a se revezar. E houve também alguns jovens assíduos. De um desses últimos, Kuhan, tenho uma lembrança muito boa. Um menino de dez anos cujos pais são viciados em crack. Um garoto muito vivo e talentoso. Das cerca de 50 imagens que selecionei, foi ele quem - sem sombra de dúvida - tirou as melhores".
E a aventura continua. A AFP e a Associação Modafusion assinaram uma parceria para manter o ateliê dos fotógrafos aprendizes da Cidade de Deus, pelo menos até os Jogos Olímpicos do Rio, em 2016.
copiado http://www.afp.com/pt
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