Por que o Podemos é um terremoto na política espanhola
Francesco Manetto
Madri
Partido, que ainda não tem um ano de vida e lidera a maioria das pesquisas, pretende se estabelecer como alternativaPor que o Podemos é um terremoto na política espanhola
Partido, que ainda não tem um ano de vida e lidera a maioria das pesquisas, pretende se estabelecer no mapa como alternativa às principais legendas
Podemos, o fenômeno político que está revolucionando o mapa político
espanhol, deixou em apenas 11 meses de ser uma ideia de um grupo de
cientistas políticos ligados à esquerda tradicional para se tornar um
partido organizado que, segundo todas as pesquisas, ameaça a hegemonia das principais legendas.
A viagem começou numa manhã de janeiro em um teatro do bairro
madrilenho de Lavapiés, um dos mais multiculturais da capital da Espanha
e foco de ativismo social. Pablo Iglesias, professor de Ciências Políticas da Universidade Complutense de Madri,
secretário-geral e principal incentivador desta iniciativa com caráter
de assembleia, apresentou o Podemos como “método participativo aberto à
população”.
O objetivo consistia em despertar entusiasmos, frustrações, indignação e demandas dos cidadãos em torno de um mesmo projeto, no qual todos deveriam se sentir de alguma forma protagonistas. Essa foi uma das principais novidades desta força política, que conseguiu canalizar os sentimentos do chamado Movimento 15-M, uma onda espontânea dos indignados–equiparável a iniciativas como o Occupy Wall Street nos Estados Unidos— nascida em maio de 2011 como resposta aos poderes e partidos tradicionais. “Lançamos o Podemos para que, dentro de alguns anos, se alguém nos perguntar ‘e você, fez o que?’, a gente possa responder: devolvemos a política ao povo e voltamos a tornar possível o sonho na política”, afirma Juan Carlos Monedero, cientista político e um dos fundadores do partido.
A primeira meta dessa organização foi a eleição europeia de 25 de
maio de 2014. Após fracassar nas conversas com a Esquerda Unida,
coalizão de esquerdas consolidada como terceiro partido nacional, para
concorrer sob a mesma sigla, o Podemos decidiu dar um salto e se
apresentar sozinho com um programa que defendia, por exemplo, o não
pagamento da dívida pública e o estabelecimento de uma renda básica
universal. Conseguiu cinco eurodeputados entre as 54 vagas em disputa na votação, com mais de 1,2 milhão de votos. Um êxito.
Uma circunstância inédita até então. O Partido Popular (PP), comandado
por Mariano Rajoy, atual partido governista de centro-direita, o Partido
Socialista (PSOE) e o setor empresarial começaram a prestar atenção ao
fenômeno. A inquietude começou a crescer. Sociólogos e especialistas em
projeções eleitorais acompanham o crescimento do Podemos em meio a um
clima de profundo descrédito da política, alimentado pela crise econômica, o desemprego e os casos de corrupção
que atingem tanto a direita de Mariano Rajoy como os socialistas. Luis
Bárcenas, responsável pelas finanças do PP durante mais de duas décadas,
está preso desde 2013 acusado de crimes fiscais e evasão de divisas.
Nesse contexto, o Podemos conseguiu conquistar setores importantes da sociedade. A última pesquisa do instituto Metroscopia para o EL PAÍS coloca a legenda como segunda força na estimativa da votos, com 25% de apoio, atrás do PSOE. Isso acontece apesar da defesa inicial de propostas consideradas “radicais” e mesmo com a simpatia e os contatos de vários de seus líderes com os Governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro na Venezuela, de Rafael Correa no Equador e de Evo Morales na Bolívia. De fato, a estratégia e as mensagens da cúpula do Podemos têm se suavizado nos últimos meses e agora estão expostas no esboço de um programa econômico elaborado por dois catedráticos: Juan Torres, da Universidade de Sevilha, e Vicenç Navarro, da Universidade Johns Hopkins. O calote da dívida se transformou em um projeto de reestruturação ordenada; a renda básica universal agora é contemplada como ajuda para aqueles que não têm nenhum tipo de receita; e a proposta inicial de aposentadoria aos 60 anos subiu para os 65. Pablo Iglesias afirma que seu programa pode ser assumido por qualquer social-democrata no sentido clássico, e os líderes do movimento deixaram de falar sobre modelos latino-americanos para se concentrarem em Dinamarca, Suécia ou Noruega.
O partido também se apresenta como uma força “transversal” com vistas
ao calendário eleitoral que começa com as eleições regionais e
municipais de 2015 e terminará no final do ano com as eleições gerais.
Os líderes do Podemos rejeitam se alinhar com a esquerda em todas as
suas aparições na televisão, o meio que mais utilizam para difundir suas
mensagens. “A estratégia tem pleno sentido, suavizando os elementos
anticapitalistas para se mover em direção ao centro. O objetivo não é
ganhar, mas ultrapassar o PSOE. Se conseguirem ultrapassar o PSOE, já
terão ganho”, afirma o cientista político Pablo Simón, professor
visitante da Universidade Carlos III, de Madri.
O Podemos articula o choque entre “o povo e a casta”, “dos de baixo e os de cima”, como o principal argumento de sua estratégia política. Este eixo ficou estabelecido desde o princípio, quando tudo era apenas uma hipótese que Iglesias compartilhava com alguns companheiros da faculdade de Ciências Políticas da Universidade Complutense de Madri, como Íñigo Errejón e Monedero, ou em seu programa de debates políticos na televisão transmitido online, La Tuerka.
—Como começou?
—O estilo de falar com as pessoas no La Tuerka foi o que nós começamos a experimentar em meios de comunicação grandes. Comprovei que esse discurso funcionava. É um estilo muito diferente ao da esquerda tradicional do nosso país, é um discurso de maiorias, e as pessoas gostavam, me paravam nas ruas e me diziam “sei que você é de esquerda e eu não sou, mas concordo com o que você diz”. E assim surgiu a ideia do Podemos, que, de qualquer forma, era uma hipótese.
Assim se referiu Iglesias em março, durante um jantar, ao movimento
que acabava de impulsionar. Desde então passaram-se apenas dez meses,
nos quais o Podemos modificou um tabuleiro político consolidado desde os
anos 1980. O movimento concluiu em novembro o processo pelo qual se
tornou uma força política organizada, com uma peculiaridade: apesar de
ter uma estrutura hierárquica, todas as decisões são submetidas à
votação das bases, formadas por mais de 270.000 simpatizantes inscritos
em sua página na Internet e organizadas em mais de 1.000 círculos
territoriais e setoriais. Um fenômenos sem precedentes na Espanha nas
últimas décadas, ao menos nesta dimensão. E que tem um objetivo final
muito claro. Nas palavras de Iglesias, “sair para vencer e ocupar a centralidade do tabuleiro”.
Iglesias e sua equipe são, em boa dose, o Podemos, ainda que todos os atuais porta-vozes do partido se empenhem em dizer que o Podemos é “o povo”. E Iglesias, madrilenho ligado há anos aos movimentos sociais e à Esquerda Unida —partido do qual foi assessor—, se propõe agora a disputar o poder com o primeiro-ministro da Espanha, Mariano Rajoy, e Pedro Sánchez, líder dos socialistas. Para ele, chegou o momento de passar da teoria à prática, do xadrez ao jogo político.
Tudo começou no Natal passado, quando sua iniciativa começou a se consolidar após dias de debate com Juan Carlos Monedero, Íñigo Errejón, Carolina Bescansa e Luis Alegre, seus companheiros na universidade, entre outros. Em fevereiro deu o primeiro passo. “Vamos com tudo”, afirmou, à época, o líder do partido, após ir buscar uma comida de moto em um restaurante perto da Câmara dos Deputados, no centro de Madri. Agora, Iglesias dispõe de escoltas do Ministério do Interior para se locomover ao aeroporto de Barajas ou para ir a eventos públicos em Madri.
O líder do Podemos combina sua atividade nas instituições europeias, envolvido no Grupo da Esquerda Unitária, com as reuniões de La Tuerka e Fort Apache, seus programas de televisão online. O objetivo é que todas as suas mensagens tenham repercussão na Espanha. Apesar de as decisões serem submetidas à votação dos mais de 270.000 simpatizantes, ele debate com seu círculo de confiança a rota e a estratégia. Tem interesse, principalmente, na eleição geral de 2015. Para Iglesias, a verdadeira partida já começou.
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O objetivo consistia em despertar entusiasmos, frustrações, indignação e demandas dos cidadãos em torno de um mesmo projeto, no qual todos deveriam se sentir de alguma forma protagonistas. Essa foi uma das principais novidades desta força política, que conseguiu canalizar os sentimentos do chamado Movimento 15-M, uma onda espontânea dos indignados–equiparável a iniciativas como o Occupy Wall Street nos Estados Unidos— nascida em maio de 2011 como resposta aos poderes e partidos tradicionais. “Lançamos o Podemos para que, dentro de alguns anos, se alguém nos perguntar ‘e você, fez o que?’, a gente possa responder: devolvemos a política ao povo e voltamos a tornar possível o sonho na política”, afirma Juan Carlos Monedero, cientista político e um dos fundadores do partido.
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Nesse contexto, o Podemos conseguiu conquistar setores importantes da sociedade. A última pesquisa do instituto Metroscopia para o EL PAÍS coloca a legenda como segunda força na estimativa da votos, com 25% de apoio, atrás do PSOE. Isso acontece apesar da defesa inicial de propostas consideradas “radicais” e mesmo com a simpatia e os contatos de vários de seus líderes com os Governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro na Venezuela, de Rafael Correa no Equador e de Evo Morales na Bolívia. De fato, a estratégia e as mensagens da cúpula do Podemos têm se suavizado nos últimos meses e agora estão expostas no esboço de um programa econômico elaborado por dois catedráticos: Juan Torres, da Universidade de Sevilha, e Vicenç Navarro, da Universidade Johns Hopkins. O calote da dívida se transformou em um projeto de reestruturação ordenada; a renda básica universal agora é contemplada como ajuda para aqueles que não têm nenhum tipo de receita; e a proposta inicial de aposentadoria aos 60 anos subiu para os 65. Pablo Iglesias afirma que seu programa pode ser assumido por qualquer social-democrata no sentido clássico, e os líderes do movimento deixaram de falar sobre modelos latino-americanos para se concentrarem em Dinamarca, Suécia ou Noruega.
Pablo Iglesias gosta de falar de Game of Thrones,
xadrez e basquete. E sabe que uma das chaves do crescimento do Podemos é
também um dos segredos dessa série, do tabuleiro e de qualquer disputa
esportiva: o efeito surpresa
O Podemos articula o choque entre “o povo e a casta”, “dos de baixo e os de cima”, como o principal argumento de sua estratégia política. Este eixo ficou estabelecido desde o princípio, quando tudo era apenas uma hipótese que Iglesias compartilhava com alguns companheiros da faculdade de Ciências Políticas da Universidade Complutense de Madri, como Íñigo Errejón e Monedero, ou em seu programa de debates políticos na televisão transmitido online, La Tuerka.
—Como começou?
—O estilo de falar com as pessoas no La Tuerka foi o que nós começamos a experimentar em meios de comunicação grandes. Comprovei que esse discurso funcionava. É um estilo muito diferente ao da esquerda tradicional do nosso país, é um discurso de maiorias, e as pessoas gostavam, me paravam nas ruas e me diziam “sei que você é de esquerda e eu não sou, mas concordo com o que você diz”. E assim surgiu a ideia do Podemos, que, de qualquer forma, era uma hipótese.
O Podemos articula o choque entre “o povo e a
casta”, “dos de baixo e os de cima”, como o principal argumento de sua
estratégia política
Do xadrez à cesta
Pablo Iglesias gosta de falar de Game of Thrones, xadrez e basquete. E sabe que uma das chaves do crescimento do Podemos é também um dos segredos dessa série, do tabuleiro e de qualquer disputa esportiva: o efeito surpresa. O professor de Política da Universidade Complutense de Madri completou 36 anos em 17 de outubro, e está há pouco mais de 11 meses tentando transformar essa surpresa no elemento fundamental de sua estratégia política.Iglesias e sua equipe são, em boa dose, o Podemos, ainda que todos os atuais porta-vozes do partido se empenhem em dizer que o Podemos é “o povo”. E Iglesias, madrilenho ligado há anos aos movimentos sociais e à Esquerda Unida —partido do qual foi assessor—, se propõe agora a disputar o poder com o primeiro-ministro da Espanha, Mariano Rajoy, e Pedro Sánchez, líder dos socialistas. Para ele, chegou o momento de passar da teoria à prática, do xadrez ao jogo político.
Tudo começou no Natal passado, quando sua iniciativa começou a se consolidar após dias de debate com Juan Carlos Monedero, Íñigo Errejón, Carolina Bescansa e Luis Alegre, seus companheiros na universidade, entre outros. Em fevereiro deu o primeiro passo. “Vamos com tudo”, afirmou, à época, o líder do partido, após ir buscar uma comida de moto em um restaurante perto da Câmara dos Deputados, no centro de Madri. Agora, Iglesias dispõe de escoltas do Ministério do Interior para se locomover ao aeroporto de Barajas ou para ir a eventos públicos em Madri.
O líder do Podemos combina sua atividade nas instituições europeias, envolvido no Grupo da Esquerda Unitária, com as reuniões de La Tuerka e Fort Apache, seus programas de televisão online. O objetivo é que todas as suas mensagens tenham repercussão na Espanha. Apesar de as decisões serem submetidas à votação dos mais de 270.000 simpatizantes, ele debate com seu círculo de confiança a rota e a estratégia. Tem interesse, principalmente, na eleição geral de 2015. Para Iglesias, a verdadeira partida já começou.
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