"A lei das fundações não é clara e ainda existem zonas cinzentas"
Só devia haver dois tipos de fundações: públicas e privadas. A opinião é de Rui Vilar que defende ser "uma distinção mais clara". O presidente do Conselho Consultivo das Fundações defende mais alterações
"A lei das fundações não é clara e ainda existem zonas cinzentas"
Só
devia haver dois tipos de fundações: públicas e privadas. A opinião é
de Rui Vilar que defende ser "uma distinção mais clara". O presidente do
Conselho Consultivo das Fundações defende mais alterações
O
Conselho Consultivo das Fundações [CCF] e o Centro Português de
Fundações [CPF] têm apontado vários problemas na lei-quadro, aprovada em
2012. Na sua opinião deve ser só aperfeiçoada ou carece de uma revisão
profunda?
No âmbito das
audições antes de a lei ser aprovada, além do CPF, a que presidia na
altura, houve outras entidades que fizeram observações que considero que
deviam ser objeto de ponderação.
Não foram?
Algumas
não foram. No ano passado houve uma revisão da lei mas só para resolver
alguns problemas concretos, como a intervenção das regiões autónomas.
A
ministra da Presidência já admitiu que a lei está mal feita, mas mais
do que rever quer cumprir as normas que ainda não passaram do papel.
É
a preocupação de quem tem responsabilidades de governo. A lei foi um
passo positivo. Pela primeira vez há um conceito legal de fundação. Mas
qual é a grande questão? A lei-quadro surgiu no seguimento do memorando
de entendimento [com a troika]. E o que estava previsto era uma revisão
de todo o quadro das fundações públicas. O grande objetivo era analisar e
reduzir os encargos com as fundações públicas. O governo decidiu
alargar essa intervenção às privadas e fez um censo a todas as
fundações, com determinadas consequências. Mas são duas realidades
distintas. E depois há os casos em que os privados e o Estado se
associam para determinados fins. Essa é uma situação particular, e há
casos de manifesto sucesso dessa associação.
Mas havia fundações em que não se percebia muito bem onde se situavam.
A
lei não é muito clara e a interpretação não é fácil de fazer. Muitas
vezes a realidade é difusa, visto que há instituidores privados e
públicos. Há zonas cinzentas. Historicamente, as fundações são um
fenómeno do direito privado, pois fundamentalmente são a expressão de
uma vontade privada. Quando o Estado surge a constituir fundações fá-lo
usando uma fuga pelo direito privado ou quer utilizar esse instrumento
para se associar a interesses privados. E aí deve prevalecer a lei
privada. A tipologia das fundações não é muito clara. Na lei-quadro há
três tipos, no censo havia quatro. É preciso distinguir e separar o
mundo do direito privado do que é o mundo da administração pública e do
direito público e clarificar sobretudo os tipos de fundações que
resultaram desta separação. Mas a lei foi um passo positivo e há a
possibilidade de numa próxima revisão legislativa fazer esta separação.
As fundações públicas de direito privado originaram confusão.
Por
isso defendemos que só devia haver fundações públicas e privadas. Sem
mais. É uma distinção mais clara e evitavam-se as zonas cinzentas que
ainda hoje existem. Outro aspeto é que as fundações são a única pessoa
coletiva que, para terem personalidade jurídica, carecem de um ato
discricionário da administração que é o reconhecimento. As sociedades
são constituídas no notário, e até há processos expeditos para as
constituir. As associações idem. As fundações, além da constituição do
ato notarial, precisam de ter esse reconhecimento. Há um parecer do CCF
em que defendemos que o reconhecimento deve ser normativo. A lei deve
fixar as condições e, desde que as condições estejam cumpridas, a
fundação teria personalidade jurídica. Até agora esta posição não foi
aceite. Houve um passo positivo muito recente, que foi um despacho a
criar um sistema quase automático de reconhecimento. Mas continuamos a
pensar que não há razão para esta discriminação negativa das fundações
em relação a outras pessoas coletivas. Outro aspeto em que haveria
vantagem em fazer aperfeiçoamentos na lei tem que ver com o quadro
regulatório, que é disperso e em que há muitas entidade que intervêm.
O Estado reconheceu muitas que não sabia o que andavam a fazer.
Primeiro,
tinha a obrigação de saber porque as reconheceu. Se depois ao longo da
vida da fundação houve práticas que não foram adequadas aí há todo um
conjunto de mecanismos e entidades, a começar pelo Ministério Público,
que podem intervir. Se houve más práticas há certamente lei para
intervir como existe em relação às sociedades e às associações. A lei
contém obrigações mas não há sanção. Há as sanções gerais, mas não
sanções específicas para, por exemplo, as obrigações de transparência,
de publicação atempada das contas e de todo um conjunto de informação
que está previsto na lei.
Uma
auditoria da Inspeção-Geral de Finanças [IGF], noticiada pelo
DN/Dinheiro Vivo no dia 1 de outubro, concluiu que foram dados apoios de
142,8 milhões de euros à margem da lei.
Não
conheço o relatório da IGF. Pelo que li nos jornais, o que detetou foi
financiamentos feitos pelo setor público sem fundamento legal. A
ilegalidade não é das fundações mas dos departamentos do setor público,
central e autárquico.
Mas também não houve sanções.
As sanções terão de ser dentro do setor público.
Muitas fundações eram vistas apenas como uma forma de fugir aos impostos.
Isso
será uma imagem que carece de ser fundamentada. Primeiro há poucas
fundações em Portugal. Ao Censo responderam 408 . Haverá porventura mais
algumas, mas não serão muitas mais. Talvez cinco centenas. Em Espanha
há mais de seis mil. Por outro lado, a fuga aos impostos é um argumento
que me parece difícil de fundamentar visto que só há isenção fiscal
quando há atribuição do estatuto de utilidade pública. E esta é feita
por ato de membro do governo, com um processo devidamente instruído.
A ministra da Presidência garante que o registo único vai acabar com a confusão à volta das fundações. Concorda?
O
registo único dará maior transparência ao setor, embora o registo
nacional das pessoas coletivas, por obrigação, já devesse ter um número
específico para as fundações. E certamente que não será uma tarefa
ciclópica resolver o problema dos registos das fundações.
Só quando estiver a funcionar é que se saberá quantas fundações existem realmente em Portugal?
Sim,
sim. Só aí. As fundações como outras pessoas coletivas podem nascer e
podem morrer. Nem todas têm condições para ser eternas.
Como comenta o facto de haver mais fundações do que em 2012?
Entretanto
foram reconhecidas mais. No XIX e no XX governos foram reconhecidas 28 e
no atual já foram seis. Estas somaram-se às conhecidas no Censo, mas
não sei se das que responderam ao Censo alguma cessou atividade. O
processo de extinção tem custos e admito que há fundações que não têm
atividade, mas formalmente continuam ativas.
O que vai acontecer às que não responderam ao Censo?
Terá de ser uma decisão do poder político.
Mas era obrigatório.
Era, mas não conheço nenhuma.
Foram quase 200 que não responderam.
Não sei. O CPF tem feito diligências para que as fundações se associem. E no CPF estão associadas 250.
Não se estará a premiar o infrator ao dar a mão às fundações que não responderam?
Isso caberá ao poder político julgar.
Que papel podem ter as fundações numa altura de crise?
As
fundações realizam sempre fins de interesse social, independentemente
das áreas em que atuam e ajudam, dentro dos seus recursos, a responder a
todo um conjunto de necessidades, que se agravaram durante os anos de
crise. No World Given Index (WGI), elaborado pela Charities Aid
Foundation com base em três indicadores (ajuda a um estranho, doação de
dinheiro e tempo de voluntariado), Portugal está em 82.º lugar em 140 e
tal países. Comparando com a nossa posição no PIB per capita ou no
índice para o desenvolvimento das Nações Unidas, onde estamos no
42.º/43.º lugar, concluímos que em matéria de altruísmo há um enorme
gap. Em Portugal, o nível de altruísmo não está de acordo com o nível de
bem-estar e de riqueza. Mas não é só um problema português. Dos países
que estão no G20, só cinco é que estão nos primeiros 20 do WGI.
copiado http://www.dn.pt/
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