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Temer desfere golpe de direita nas políticas de Dilma
Novo executivo inverte, em meros cinco meses, agenda para saúde, educação, segurança social e empresas públicas, como Petrobras.
Temer desfere golpe de direita nas políticas de Dilma
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Presidente Michel Temer, do PMDB, fez aprovar limite aos gastos públicos no Parlamento
| EPA
A
troca de presidentes no Brasil não se resumiu a uma mudança de nomes,
apesar de Michel Temer, novo inquilino do Palácio do Planalto, ter sido
vice-presidente e suposto braço direito durante mais de cinco anos de
Dilma Rousseff, a ex-inquilina. Não: a subida ao poder do quadro do
PMDB, força catalogável como o expoente da direita conservadora
brasileira, em substituição da militante do PT, grupo de centro esquerda
forjado na luta sindical, resultou numa inversão total de políticas. O impeachment não jogou ao tapete apenas uma presidente desgastada e impopular: deitou abaixo uma ideia de governo.
Nos
primeiros cinco meses de gestão - dos quais três foram provisórios -,
Temer e o seu poderoso ministro das Finanças, Henrique Meirelles, do
PSD, já impuseram reformas estruturais na saúde, na educação e na gestão
das empresas estatais, em particular na Petrobras, a petrolífera em
redor da qual se desenrola o escândalo de corrupção investigado pela
Operação Lava-Jato. E prepara-se para mudar as regras do jogo na
segurança social, nas leis laborais e noutros setores caros ao PT e aos
outros partidos de esquerda.
"Se levado
a cabo, o plano acelerado de reformas terá dado outro aspeto ao país
até ao final do ano que vem", escreveu em editorial o influente jornal
Folha de S. Paulo, favorável à maioria das medidas. A Carta Capital,
revista contrária ao atual governo, vê nesta inversão política a prova
de um golpe de Estado: "O tripé do projeto golpista é o orçamento de
base zero, sem aumento real por 20 anos; a reforma laboral, que enseja o
enterro de uma série de direitos consagrados; e, por fim, um radical
processo de privatizações."
A Proposta
de Emenda Constitucional, conhecida como PEC241, que limita os gastos
públicos com educação e saúde para os próximos 20 anos e que levou a
então presidente Dilma Rousseff, em entrevista em julho passado ao DN, a
dizer que se tratava de uma medida "de deixar os cabelos em pé", abriu
as hostilidades entre governo cessante e governo empossado ao ser
aprovada na Câmara dos Deputados.
"Se
não fosse aprovado o teto de gastos, aí sim terão de ser contempladas
outras possibilidades, todas muito mais sérias e piores para o Brasil, o
teto é uma excelente solução para o país neste momento", disse o
ministro das Finanças, Henrique Meirelles. Por sua vez, Chico Lopes,
deputado do PCdoB, considerou que "o presidente ilegítimo e os deputados
jogaram o futuro do Brasil no lixo".
Ainda
antes da PEC241, foi aprovado na Câmara dos Deputados o fim da
obrigatoriedade da exploração do petróleo pela Petrobras. O governo
defende que o escândalo do Petrolão e a gestão do PT abalaram a maior
empresa brasileira, que agora precisa de investimento externo para sair
do buraco. Opinião diferente da dos parlamentares que sustentavam o
anterior executivo: "O que está a ser proposto é entregar às grandes
petrolíferas mundiais a exploração do nosso petróleo", acusou o deputado
do PT José Guimarães.
Por outro lado, o
próprio Temer já lançou um plano de privatizações, palavra proibida
para os ouvidos de esquerda. "O Estado não pode fazer tudo sozinho, não
temos preconceito, o que importa é o crescimento do país", disse o
presidente. "Preparem-se", alertou por seu lado o ex-presidente Lula da
Silva em comício durante as autárquicas, "eles vão privatizar o Banco do
Brasil, a Petrobras, a Caixa, tudo, porque quem não sabe governar quer
que os privados governem".
Lula da Silva, Dilma Rousseff e o PT, depois de 13 anos no poder e da vitória nas urnas em 2014, por causa do processo de impeachment que destituiu a presidente em agosto sentem-se, assim, ultrapassados. E pela direita.
Brasil terá de viver sob ameaça do "homem bomba" Eduardo Cunha
Eduardo Cunha escoltado pela polícia federal após a sua detenção esta semana
| REUTERS/Rodolfo Buhrer
Temer,
o governo, o Congresso, o Supremo, o mercado e até Lula prendem a
respiração após prisão do ex-líder da Câmara dos Deputados. "Um
criminoso serial", segundo Sergio Moro
A
prisão na Operação Lava-Jato de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara
dos Deputados, mentor do impeachment de Dilma Rousseff e um dos homens
mais poderosos de Brasília nos últimos anos, foi festejada como um golo
da seleção do Brasil pelo cidadão comum mas faz tremer todos os poderes
do país. No governo de Michel Temer, seu velho aliado no Partido do
Movimento da Democracia Brasileira (PMDB), engole-se em seco. No
Congresso, parlamentares rezam para não serem citados em delação pelo
ex-chefe. O mercado teme que os poderes executivo e legislativo,
amedrontados, adiem as reformas liberais que se preparavam para aprovar.
O Supremo Tribunal Federal (STF) viverá em xeque pela demora em agir,
por contraste com o juiz de primeira instância Sergio Moro, que precisou
de poucas horas para prender. E até no Partido dos Trabalhadores (PT) o
momento é de apreensão.
Desde a prisão
de Eduardo Cunha, o Palácio do Planalto limitou-se a uma tímida nota
divulgada pela secretaria de imprensa do governo: "Não há preocupação
nenhuma com eventual delação", apesar de nos dias anteriores à prisão,
Cunha ter atacado Moreira Franco (PMDB), assessor especial e amigo
íntimo de Temer, e sogro de Rodrigo Maia, sucessor do próprio
ex-deputado na presidência da Câmara dos Deputados. "Não ficarei
surpreendido se a delação pegar o PMDB em cheio, ele era um grande
lobista e operava há muito tempo no partido", disse o deputado
peemedebista Jarbas Vasconcelos, um dos raros a falar em público. "Cunha
conhece os mais recônditos segredos de Temer", escreveu Ricardo Noblat,
blogger do jornal O Globo para quem "a prisão dele acelera os
batimentos cardíacos da República".
A
única reação do Congresso foi dada informalmente por deputados e
senadores que, surpreendidos com a detenção à hora de almoço, circulavam
assustados pelas churrascarias de Brasília, ao telefone, em muitos
casos com jornalistas, a quem lamentavam off the record ter escolhido
"uma profissão de alto risco". "A maioria dos deputados nem usou as suas
contas no Twitter ou perfis no Facebook para fazer críticas ou
projeções sobre o ex-colega, é melhor não cutucar a memória nem dar
ideias ao mais poderoso presidente da Câmara desde Ulysses Guimarães
[líder dos deputados de 1985 a 1989]", notou José de Toledo, no jornal O
Estado de S. Paulo.
Colunas de
jornalistas económicos, fizeram eco do temor da alta finança, não só com
o que Cunha pudesse expor das relações partidos--empresas que o
ex-deputado do-mina como poucos, mas sobretudo com a perda de autoridade
do governo Temer, decorrente da sua prisão, para fazer aprovar medidas
duras. Vinícius Torres Freire escreve no Folha de S. Paulo que nos
"donos do dinheiro grande" a prisão alerta para "a possibilidade de
encrenca maior na aprovação de leis em tese dedicadas a dar um jeito na
economia deprimida". O diretor-geral da Standard&Poor"s Roberto
Sifon-Arevalo avaliou a prisão de Cunha como "situação de risco".
Em
incómodo silêncio, os 11 juízes do STF leram críticas à sua proverbial
inatividade - tiveram o dossiê Cunha em mãos por longos meses,
entregaram-no há uma semana a Sergio Moro e o juiz de primeira instância
agiu na hora. "A prisão de Eduardo Cunha não deixa de representar uma
bofetada na cara do STF", argumenta Roberto Dias, colunista do Folha de
S. Paulo.
Também
no PT o tom é de prudência. A prisão derruba o argumento de que a
Lava-Jato é seletiva e parcial: "Como atacam Lula por causa de uns
imóveis que não lhe pertencem e deixam Cunha solto?", costumavam acusar
dirigentes petistas. Agora, Cunha está preso. Quem se segue? "Nas redes
sociais, petistas e antipetistas têm apostado a alma que a prisão de
Cunha não passa de pretexto para preparar o caminho para outra detenção,
a do presidente Lula", escreveu o colunista do Yahoo Brasil Matheus
Picchonelli.
O que oferece esperanças a
todos os envolvidos é que a Cunha não bastará delatar. "Terá de cuspir
fogo", disseram os investigadores da Lava-Jato. As acusações que pesam
sobre ele são tão sólidas e graves - foram bloqueados 220 milhões de
reais em seu nome (mais de 60 milhões de euros) - que para obter a
redução de pena, a compensação dada pelo instituto da delação premiada, o
delator terá de se esforçar. "A dimensão e o caráter serial dos crimes,
estendendo-se por vários anos, é característico do risco à ordem
pública", escreveu Moro no despacho. Cunha, que já tem cem páginas
escritas de um livro sobre o processo de impeachment para publicação no
Natal, está disposto a contar o muito que sabe. Para livrar da justiça a
mulher, a antiga jornalista da TV Globo Cláudia Cruz, e a filha de
ambos, que respondem a Moro por cumplicidade nas ações do Cunha, e,
claro, por vingança. Há um mês, quando foi deposto pelos seus pares do
cargo de deputado, Cunha lançou um ameaçador "hoje sou eu, amanhã serão
vocês" que ainda ecoa em Brasília.
Em São Paulo
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