Um país de doutores e "voyeurs"







Talvez não fosse má ideia passar a exigir a quem se diz doutor o diploma que comprova tão grande vaidade. Talvez não fosse má ideia igualmente deixarmos de tratar por doutor alguém que tem esse diploma. E desta forma deixávamos de assistir a esta coisa vergonhosa que é ter esta espécie de faz--de-conta-que-sou-doutor a ocupar-nos o tempo. Todos nós temos mais que fazer.
Acontece que também não é coisa que se deixe passar em claro. O problema não está no facto de alguém não ter um curso superior e trabalhar num gabinete ministerial, o problema está em trabalharem para o governo alguns mentirosos. É gente demais, agora e no passado, a mentir por coisa tão comezinha e a fazer-nos pensar até onde podem ir se os proveitos forem maiores. Não podemos aceitar que alguém minta sobre o que fez porque estaríamos a aceitar que pode mentir no que tiver para fazer. E, convenhamos, há arames a partir-se na geringonça. Um adjunto do primeiro-ministro e um chefe de gabinete de um secretário de Estado que não puderam estudar, porque andaram a fazer carreira partidária, é um sinal de que o escrutínio para estes cargos é feito à mesa de jantar. Convinha que alguém fizesse uma varridela para saber se não há por lá mais alguns que dizem ser o que não são. Devia, aliás, haver maior preocupação com o escrutínio que se faz neste recrutamento do que com a obrigação de entregar as declarações dos administradores da Caixa Geral de Depósitos no Tribunal Constitucional.
Sabemos todos o que acontecerá se os administradores da CGD tiverem de entregar a declaração de património no TC. Haverá uma corrida de jornalistas para ver quem primeiro dá à estampa as casas, os carros e os barcos, mais o ouro, as joias, as ações e as coleções que pudessem provocar a inveja do povo que labuta. Chamam escrutínio a isto, mas isto chama-se voyeurismo. No caso dos administradores dos bancos é evidente que o escrutínio feito pelos reguladores é muito superior ao que é feito aos titulares de cargos políticos e cargos públicos, que apenas sujeitam a lista do seu património à devassa pública.
Acontece que vivemos numa república, em que o cumprimento da lei é uma obrigação de todos. Mas depois do que soubemos sobre a intenção declarada do governo de isentar os administradores da CGD destas obrigações, o que podemos concluir é que houve aselhice nos gabinetes governamentais. Nem as leis conhecem, quanto mais alterá-las no sentido em que pretendem. É o que dá preferir os "doutores" aos competentes.
copiado  http://www.dn.pt/opiniao/o




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