....Aí houve uma eleição. Insatisfeitos, os Aquém-marzenses elegeram um novo governo, que no primeiro dia anunciou: nada de aumentar impostos e nada de segurar os gastos. Isso, num mundo moderno, não é mais necessário! Emitiremos títulos novos, que pagarão por essas despesas. O povo, inebriado, não disse nada.
Aquém-Mar hoje não existe mais e poucos se lembram daquele povo que vivia alegre longe do litoral. Diz a lenda que certo dragão (apelidado de "Inflacionário" ou "Incendiário", não se sabe ao certo) sobrevoou a região e, furioso, lançou sobre ela uma torrente de fogo que queimou primeiro os títulos da dívida, depois todo o resto. Diz outra que Aquém-Mar, enfraquecida por tantos impostos e devedora a povos estrangeiros, foi invadida pelo feroz reino de Além-Mar.
Talvez nunca saibamos o que levou Aquém-Mar à derrocada. Mas uma coisa é certa: seu povo, tomado por versão aguda de negacionismo, falhou em promover uma reforma previdenciária.
Caso projeto do governo seja aprovado Reforma da Previdência atrai fundos de gestão para aposentadoria do servidor
Opinião: Contra a crise da Previdência, negação não é o remédio
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A reforma da Previdência vai abrir um novo mercado de administração das aposentadorias de servidores públicos, e Estados e União se mexem para controlar esses recursos.
Se aprovada da forma como propõe o governo, a reforma vai impor aos novos funcionários públicos de Estados e municípios um limite de aposentadoria semelhante ao do setor privado (hoje de R$ 5.531,31). Quem ganha mais que isso e quiser aumentar a renda na velhice terá que aderir a planos complementares.
Em São Paulo, a regra vale desde 2013 e a SPPrevcom já administra a aposentadoria de 19,6 mil servidores, cuja poupança soma R$ 630 milhões. No governo federal, em vigor desde o mesmo ano, o fundo dos servidores do Executivo e do Legislativo administra a aposentadoria de 37 mil participantes, um patrimônio de R$ 450 milhões.
Esses recursos são aplicados em títulos públicos, ações de empresas e, quando engordarem, irrigarão obras e projetos de infraestrutura, o que dará poder econômico aos gestores desses recursos.
Tanto o fundo de São Paulo quanto o federal se mexem para administrar as aposentadorias de servidores de outros Estados e de municípios, que serão obrigados (hoje é facultativo) a aplicar o teto para os novos funcionários e criar fundos de previdência complementar.
Egresso da Petros (fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, de onde saiu em 2003), Carlos Henrique Flory, presidente da SPPrevcom, prevê que em 20 anos o fundo de São Paulo seja maior do que a Previ (poderoso fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, uma das controladoras da Vale).
Isso porque todos os novos servidores têm que aderir ao SPPrevcom para se aposentar com benefício superior ao teto. São Paulo tem 650 mil funcionários públicos, com idade média de 48 anos.
"A capacidade de capitalização dos fundos dos servidores é brutal. Eles são hoje o que eram os das estatais nos anos 1970", diz o executivo.
Flory diz que o tamanho do potencial desses fundos ainda não foi calculado. Depende do número de servidores que cada cidade, Estado e governo federal ganham mais do que o teto
do INSS e quantos vão querer ganhar o mesmo na velhice.
Flory diz que o tamanho do potencial desses fundos ainda não foi calculado. Depende do número de servidores que cada cidade, Estado e governo federal ganham mais do que o teto
do INSS e quantos vão querer ganhar o mesmo na velhice.
Segundo a Previdência Social, 9,8 milhões de servidores (de todas as rendas) têm aposentadoria administrada pelos governos, quase a metade por Estados. Nesta esfera, poucos criaram fundos de previdência complementar.
No fim do ano, uma leva de Estados atentaram para a novidade. Aprovado em dezembro, o de Santa Catarina começou a operar neste mês.
Para o diretor-presidente do fundo catarinense, Célio Peres, cada Estado vai administrar seu território, agregando as aposentadorias das cidades da sua região.negociação
O Estado de São Paulo começou a negociar com Rondônia, cidades do interior paulista e da capital a administração dos recursos de seus servidores.
De acordo com Flory, a ideia é criar conselhos gestores para cada um, com representantes escolhidos pelos patrocinadores.
Ele afirma que, do seu lado, está o inevitável custo que governadores e prefeitos terão para montar seus próprios fundos de previdência complementar para administrar poucos recursos.
"Algumas leituras da reforma dizem que os fundos abertos [dos bancos] poderão administrar os recursos dos servidores. Mas em um PGBL ou VGBL, qual seria a participação do patrocinador na governança? Quase zero."
No fim do ano, começou a tramitar na Câmara projeto de lei que autoriza o fundo do governo federal (Funpresp) a administrar recursos de Estados e municípios.
O relator Daniel Vilela (PMDB-GO) afirma que a iniciativa nasceu no Ministério do Planejamento, que entende que municípios não terão condições de administrar a previdência complementar de seus servidores.
O Piauí aprovou, no fim do ano, a criação de seu fundo de previdência. Mas ele ainda não começou a operar.
Segundo o secretário de Administração, Francisco José Alves, o Estado queria aderir ao fundo federal, mas sem a lei não é possível.
Segundo ele, os governadores chegaram a sugerir a criação de um fundo federativo que seria administrado pela Caixa, mas a ideia não prosperou em Brasília.
"O volume de recursos para administrar não compensa. Estamos buscando parcerias com municípios e Estados para criar um consórcio de gestão compartilhada", afirma o secretário.
Ele diz, porém, que preferiria uma saída federal para blindar as aposentadorias de novas crises estaduais. "Tamanho não tem sido segurança de estabilidade, veja o Rio e o Rio Grande do Sul. Estamos melhores que eles".
O governo da jovem terra de Aquém-Mar, como todos os governos, tinha um orçamento. Gastos e impostos. Algumas vezes os impostos ficavam por baixo e o governo emitia títulos para cobrir a diferença. Depois de um tempo, a arrecadação crescia novamente e a administração de AM repagava suas dívidas. Apesar de não ter praia, a vida em Aquém-Mar era aprazível.
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Contra a crise da Previdência, negação não é remédio
O governo da jovem terra de Aquém-Mar, como todos os governos, tinha um orçamento. Gastos e impostos. Algumas vezes os impostos ficavam por baixo e o governo emitia títulos para cobrir a diferença. Depois de um tempo, a arrecadação crescia novamente e a administração de AM repagava suas dívidas. Apesar de não ter praia, a vida em Aquém-Mar era aprazível.
Como em todos os lugares que dão certo, porém, a população em AM afortunadamente começou a envelhecer e a parar de trabalhar. Isso, no entanto, gerou um probleminha: como custear o dia a dia dos que não mais trabalhavam (chamavam a esses habitantes "aposentados"), mas continuavam comendo, vestindo-se, indo ao médico (cada vez mais, até pararem de vez)? Em Aquém-Mar, até então, não existiam idosos.
O governo, que cobrava três tipos de impostos (tipo-B, tipo-C e tipo-D), resolveu então criar um novo, o tipo-Aposentado. Esse imposto tipo-A era pago pelos que ainda trabalhavam. A medida causou certa revolta no começo, mas os mais jovens entenderam que um dia também iriam se aposentar e que, lá no futuro, esse novo imposto tipo-A os serviria bem. Os jovens confiavam que o esquema não seria desmantelado nem naufragaria no meio do caminho.
E a vida em Aquém seguiu seu curso —com um pouco mais de imposto, mas tudo bem.
Anos mais tarde, o problema ressurgia com o vigor de uma fênix chamuscada. A população de idosos havia se expandido tremendamente. Antes, para cada aposentado havia dez trabalhadores jovens; agora, essa proporção caíra para um para cinco. Para manter os mesmos gastos com aposentadoria, seria preciso arrecadar mais. Uma constatação aritmética.
Mas o governo não queria dobrar a alíquota do tipo-A, que incidia sobre o salário dos jovens, de 10% para 20%. Resolveu, então, criar outros impostos, chamados tipo-Ab, tipo-Ac e tipo-Ad. Eram impostos destinados a pagar os gastos com aposentados, mas não mais incidiam sobre o salário dos mais jovens (pelo menos não diretamente) e sim sobre o lucro das empresas, a venda de chicletes e os serviços bancários. Claro, no fundo o que ocorria era essencialmente a mesma coisa: os que não ainda trabalhavam seguiam fazendo girar a roda da economia, pagando pelo contingente sempre crescente de aposentados.
O povo pareceu despreocupar-se, pois, além de aritmética ser algo pouco romântico, uma professora da região somou todos os impostos tipo-A ( A, Ab, Ac e Ad) e percebeu que os comentários alarmistas eram descabidos: tudo estava OK, pois a soma desses tributos era suficiente para cobrir os gastos com aposentadoria. Eureca! Não havia deficit, havia superavit!
Claro, os impostos totais haviam saltado enormemente de patamar, mas deficit na Previdência não havia. Os críticos —apelidados de neoloucos— estavam comparando os gastos previdenciários com o imposto tipo-A apenas, mas (talvez maldosos?) se esqueciam de somar Ab, Ac e Ad.
A carga tributária havia crescido de modo assustador em Aquém-Mar. E precisava crescer ainda mais, anunciou certo dia o governador. Por quê? Porque, embora as pessoas vivessem mais e mais, seguiam se aposentando com 55 anos de idade. E, aos 80, casavam-se com jovens de 25 que herdavam sua pensão. Ao escutar tal proposta, o povo, aviltado, disse NÃO. O governo, assustado, recuou. Depois voltou e anunciou: ninguém se aposenta antes dos 65 anos e vamos reduzir as aposentadorias dos viúvos! O povo, revoltado, disse NÃO. E o governo, temeroso, recuou. Mas o problema, caros, insistia em não desaparecer —com sói ocorrer com os problemas.
Aí houve uma eleição. Insatisfeitos, os Aquém-marzenses elegeram um novo governo, que no primeiro dia anunciou: nada de aumentar impostos e nada de segurar os gastos. Isso, num mundo moderno, não é mais necessário! Emitiremos títulos novos, que pagarão por essas despesas. O povo, inebriado, não disse nada.
Aquém-Mar hoje não existe mais e poucos se lembram daquele povo que vivia alegre longe do litoral. Diz a lenda que certo dragão (apelidado de "Inflacionário" ou "Incendiário", não se sabe ao certo) sobrevoou a região e, furioso, lançou sobre ela uma torrente de fogo que queimou primeiro os títulos da dívida, depois todo o resto. Diz outra que Aquém-Mar, enfraquecida por tantos impostos e devedora a povos estrangeiros, foi invadida pelo feroz reino de Além-Mar.
Talvez nunca saibamos o que levou Aquém-Mar à derrocada. Mas uma coisa é certa: seu povo, tomado por versão aguda de negacionismo, falhou em promover uma reforma previdenciária. copiado http://www1.folha.uol.com.br/
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