Perto de completar três anos, Lava-Jato já revelou R$ 4 bi em propinas
Levantamento do GLOBO mostra que já há R$ 577 milhões comprovados em julgamentos
Os delatores Paulo
Roberto Costa e Alberto Youssef se cumprimentam na CPI da Petrobras
- André Coelho / O Globo
SÃO PAULO - Propina distribuída no posto de gasolina, repassada
na paróquia e até escondida na calcinha. Às vésperas de completar
três anos no próximo dia 17, a Operação Lava-Jato rastreou pelo
menos R$ 4,1 bilhões pagos a políticos, partidos e funcionários
públicos — aponta levantamento do GLOBO. Desse total, R$ 577,8
milhões foram comprovados em ações já julgadas em primeira
instância na Justiça Federal de Paraná e Rio. Outro R$ 1,7 bilhão
faz parte de processos e investigações em andamento, sem sigilo
judicial. Para fechar a conta, há mais R$ 1,9 bilhão reconhecido
pela Odebrecht, que admitiu ser este o valor pago por subornos apenas
no Brasil.As investigações mostram que o esquema de corrupção abasteceu políticos e partidos de variados matizes e ideologias. Entre os já condenados, há nomes como José Dirceu e André Vargas, do PT; o ex-senador Gim Argello, à época do PTB; Pedro Corrêa, do PP, e Luiz Argôlo, que foi do PP e do SD. Em todos esses casos, a Lava-Jato conseguiu verificar de onde saiu o dinheiro e como foi recebido pelos beneficiários.
Argello, por exemplo, recebeu R$ 7,3 milhões de empreiteiras para que seus executivos não fossem convocados a depor na CPI da Petrobras. Ele pediu que a OAS doasse R$ 350 mil diretamente para uma igreja em Taguatinga (DF), que costumava lhe ajudar a conquistar votos. José Dirceu teve reformas de imóveis pagas com propina.
ENTREGA DE PROPINA EM POSTO DE GASOLINA BATIZOU OPERAÇÃO
Ex-deputado do PP e depois do Solidariedade, Luiz Argôlo era frequentador assíduo do escritório de Youssef, que além de lhe entregar dinheiro adquiriu bens para o político. Youssef contou que teve de pagar até mesmo parte de um helicóptero que o então deputado comprou e não conseguiu quitar. O aparelho acabou sendo colocado em nome de uma das empresas do doleiro, a GFD.
Polícia Federal cumpre mandados em uma das fases da Lava-Jato - Michel Filho / O Globo/Arquivo 03/09/2016
Das propinas destinadas ao PT, já foram identificados pagamentos feitos ao marqueteiro João Santana e a quitação de um empréstimo de R$ 12 milhões feito em nome de um terceiro — o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Lula e já condenado. Para ocultar o pagamento da dívida com propina, Bumlai simulou ter quitado o valor com sêmen de gado.
COMPRA DE BOLSAS E SAPATOS
Entre os investigados estão figuras importantes do PMDB, como o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, acusado de ter recebido US$ 5 milhões em contas no exterior. A mulher dele, a jornalista Cláudia Cruz, segundo a acusação, teria usado parte do dinheiro para comprar bolsas, sapatos e roupas em lojas de grife no exterior. O ex-governador do Rio Sérgio Cabral, preso acusado de comandar um esquema de propinas que arrecadou mais de R$ 500 milhões, foi flagrado por receber dinheiro também na forma de joias para a ex-primeira-dama do estado Adriana Ancelmo, que está presa. Todos negam as acusações
As investigações não atingiram só os partidos da base de sustentação dos governos mais recentes como PT e PMDB. Há 15 anos longe do poder, tucanos também aparecem na operação. Uma gravação, que os acusados tentam anular por considerá-la ilegal, mostra o então senador e presidente do PSDB Sérgio Guerra, que morreu em 2014, num encontro que teria ocorrido em 2009 com o então diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, o lobista Fernando Soares e representantes de empreiteiras. No encontro teria sido negociado o fim de investigações no Congresso. O tucano chegou a afirmar que tinha “horror a CPI”. O partido nega as acusações contra Guerra.
Apontado pelo MPF como chefe do esquema que distribuiu cargos e dividiu propinas em contratos da Petrobras em troca de apoio político, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em ações que somam cerca de R$ 15 milhões, como a que envolve um tríplex no Guarujá (SP), o pagamento de armazenagem do acervo presidencial pela OAS e a compra de um prédio para o instituto que leva seu nome, além de um apartamento em São Bernardo do Campo pela Odebrecht. O ex-presidente nega todas as acusações. Sua defesa afirma que ele é vítima de lawfare — termo que define o uso do Direito para deslegitimar ou perseguir um inimigo.
O acordo feito pela Odebrecht, o maior do tipo realizado no Brasil e que envolve ainda mais dez países, só obteve êxito depois que a Lava-Jato descobriu detalhes de como funcionava o departamento de propinas da empresa e colheu dezenas de listas com codinomes.
Um dos delatores da operação, que trabalhou para a empreiteira, contou que o grupo havia comprado um banco em Antígua, no Caribe, que movimentou cerca de US$ 1,6 bilhão em mais de 40 contas. Apesar de ser formalmente instalado no Caribe, as operações do banco eram feitas em São Paulo.
ATÉ AGORA, 83 CONDENADOS
O rastreamento das propinas — o mais amplo que se tem notícia no país — tem como base principalmente colaborações premiadas. Sem informações como as do doleiro, que admitiu fazer repasses da Petrobras para o PP, ou a de Pedro Barusco, ex-gerente da Petrobras que entregou à Lava-Jato o nome de todos os operadores de propina da estatal, dificilmente as investigações seriam ágeis, avaliam procuradores da força-tarefa. Até agora, 83 pessoas foram condenadas em primeira instância. Os acordos de leniência permitiram que a Lava-Jato fosse desdobrada para outras obras, além da Petrobras.
É o caso das investigações sobre propinas pagas em obras da usina de Angra 3. Foi a Camargo Corrêa, primeira grande construtora a assinar acordo de leniência, que forneceu detalhes sobre as comissões ilícitas pagas, incluindo entre os recebedores o ex-presidente da Eletronuclear Othon Silva. Também partiram da empreiteira informações sobre desvios nas obras da Ferrovia Norte-Sul e da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), que deram origem a operações da Polícia Federal em Goiás e Bahia.
As propinas pagas na construção da Usina de Belo Monte, de pelo menos R$ 150 milhões, são investigadas devido ao acordo de leniência da Andrade Gutierrez.
Até agora, 37 pessoas físicas tiveram seus acordos divulgados. Juntas, se comprometeram a devolver R$ 986,2 milhões, e suas informações originaram investigações ou consolidaram casos em curso. Nos acordos de leniência, empresas se comprometeram a pagar R$ 7,1 bilhões.
Muitos dos casos revelados seguem com investigações sigilosas — a maioria envolve pessoas com foro privilegiado. Segundo o MPF, se forem considerados multas, indenizações e recursos que eram mantidos no exterior, já foram recu Em nota, o procurador da República Diogo Castor de Mattos, integrante da força-tarefa Lava-Jato do Ministério Público Federal no Paraná (MPF-PR), afirmou que os dados reforçam a importância da colaboração premiada e quanto ela é imprescindível para recuperação de recursos desviados. “Sem os acordos haveria necessidade de aguardar o trânsito em julgado de uma condenação, o que pode levar anos, com risco concreto de o processo ser cancelado pela demora, e os valores desviados devolvidos aos criminosos”, afirmou Mattos em nota.
A expectativa é que o rastreamento das propinas continue ainda que não faltem iniciativas no Legislativo para impedir os trabalhos da operação. No ano passado, parlamentares chegaram a articular a aprovação de uma proposta que anistiava o caixa 2 nas campanhas.
— O trabalho do MPF sempre foi muito técnico e acredito que o Supremo Tribunal Federal e a sociedade não irão aceitar tentativas inconstitucionais de impedir o andamento da apuração e punição dos responsáveis — afirmou Douglas Fischer, procurador da República.
copiado http://oglobo.globo.com/brasil/perto-de-completar-tres-anos-lava-jato-ja-revelou-4-bi-em-propinas-20986144
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